Elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas: o terceiro componente do MCCP

Dando continuidade à série de textos sobre o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), falamos sobre o seu terceiro componente. Saiba mais.

Dando continuidade à série de textos sobre o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), hoje falaremos sobre o seu terceiro componente: elaborando um plano conjunto de manejo dos problemas. Os dois primeiros componentes focam mais na parte inicial da consulta, para a coleta de informações e compreensão do problema. O terceiro se situa mais na parte de construção do plano, que de maneira pactuada, irá definir os passos tomados pelo médico e pelo paciente a respeito desse problema. No entanto, vale lembrar que todos eles devem estar presentes ao longo de toda a consulta, como orientações que guiam o médico, não como passos sequenciais engessados. A compreensão de uma relação de poder mais equilibrada entre médico e paciente é fundamental para a compreensão do terceiro componente e da importância das decisões compartilhadas.

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MCCP

Decisão final 

É comum o entendimento de que a decisão final sobre uma conduta cabe ao médico. Entretanto, se o paciente escolher não cumprir o que foi proposto, a palavra do médico não surtirá efeito algum, mesmo que esteja correta do ponto de vista técnico. A escolha final, portanto, pertence ao paciente. E quando essas escolhas são fruto de um processo de entendimento e influência mútuos entre médico e pessoa, certamente serão mais precisas e significativas e contribuirão positivamente, de fato, para a saúde da pessoa. Portanto, cabe ao profissional buscar a construção de um projeto comum de abordagem dos problemas com o paciente. Uma consulta médica é sempre um encontro de especialistas: o médico, especialista em medicina; e a pessoa, especialista nela mesma. O conhecimento de ambos deve ser valorizado e levado em consideração.

Em primeiro lugar, é importante definir o problema que deve ser manejado. Nem sempre há clareza sobre qual é esse problema ou há concordância nesse sentido. O paciente pode vir com uma queixa de insônia e desejar remédio para dormir, mas estar com o ciclo de sono desregulado e necessitar de abordagem não farmacológica. Pode também estar assintomático e sem queixas, mas com a pressão arterial sustentadamente muito elevada, necessitando de tratamento sem necessariamente perceber que precisa. Incorporando na consulta a experiência do paciente com a doença e o seu contexto, o médico deve tentar conciliar opiniões, “negociando” em busca de um terreno comum.

Essa definição do problema pode vir através de tranquilização ou de um diagnóstico, que visam a explicação sobre o problema apresentado pelo paciente. É esse “rótulo” dado pelo médico que permite ao paciente entender o que está ocorrendo com ele, desde as causas até sobre como se espera que esse problema evolua ao longo do tempo. É comum que as pessoas já cheguem à consulta com um modelo explicativo pronto sobre o problema que apresentam – principalmente através de buscas na internet ou de experiências com pessoas conhecidas. Cabe ao médico ter o cuidado de ouvir o que o paciente traz, valorizar esse entendimento e, então, validar esse modelo ou não, utilizando linguagem adequada e que faça sentido nas palavras do paciente, sempre buscando a concordância.

Após terem chegado a uma concordância sobre os problemas, médico e paciente devem construir as metas e as prioridades do tratamento. Nesse sentido, é mais importante do que nunca o envolvimento da pessoa. A utilização de perguntas é estratégica nesse momento, buscando encorajar a sua participação e clarear a sua concordância. Afirmações são menos eficientes para conseguir adesão, pois podem parecer “ordens”, que tendem a ser menos aceitas pelos pacientes. Por isso, vale a utilização de expressões como “tudo bem?”, ou “o que você acha?”. Isso envolve o paciente em seu próprio cuidado, apropria ele do que está acontecendo e gera uma construção de sentido próprio, gerado pelo “processamento” da pergunta em sua cabeça.

Além disso, ajuda a investigar possibilidades de não adesão. Alguns exemplos: “Como você acha que eu posso ajudar você a controlar melhor essa diabetes?”; “Você que irá conviver com esse tratamento. Por isso, gostaria de saber como se sente em relação a isso?”; “Vamos prescrever esses medicamentos e a gente observa durante 15 dias. O que acha?”; “Como está sendo lembrar de tomar seus remédios todos os dias? Está dando certo?”; “Você vê alguma dificuldade em fazer isso?”.

Considerações

Por fim, é muito importante também a identificação dos papéis exercidos por médico e paciente em uma consulta. Existe uma grande variação para cada caso, de acordo com as personalidades de cada um – o essencial é ter flexibilidade. Existem pessoas que necessitam de uma relação mais “paternalista”, com o médico tomando as decisões de forma mais unilateral. Pacientes muito inseguros, sem um um entendimento prévio pessoal do que pode estar acontecendo, podem ser mais carentes de intervenções mais diretas por parte do médico. Ao mesmo tempo, aqueles que possuem uma bagagem de conhecimento mais pré-estabelecida, com ideias bem formadas e até preconceitos, vão necessitar de estratégias mais compartilhadas e de uma comunicação clínica sensível e qualificada no processo de redefinição de seus problemas e prioridades terapêuticas. O médico, através do MCCP, deve saber identificar essas características e adaptar sua abordagem.

Definir e descrever o problema; estabelecer metas e prioridades compartilhadas, envolvendo o paciente com perguntas e encorajando sua participação; e se adaptar ao papel médico mais adequado para cada paciente são, de forma sumarizada, as principais orientações do terceiro componente do MCCP. A sumarização, inclusive, é também essencial no encerramento da consulta, revisando os pontos abordados e clareando o entendimento do paciente. Toda essa construção pactuada é complexa e, além de necessitar de prática e de uma boa comunicação clínica, se torna muito mais viável e natural quando há uma relação de confiança entre médico e pessoa – tema do quarto componente do MCCP e que abordaremos no texto da próxima semana. Até lá!

Referências bibliográficas:

  • Stewart M, Brown JB, Weston WW, McWhinney IR, McWilliam CL, Freeman TR. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clínico. 3. ed. Porto Alegre: Artmed; 2017; Disponível em: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/3934.pdf
  • Duncan, B.B. Schmidt, M.I. Giuliani, E.R.J. Medicina Ambulatorial: Condutas de Atenção Primária Baseadas em Evidências. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2013;
  • Freeman TR. Manual de medicina de família e comunidade de McWhinney. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2018;
  • Gusso G, Lopes JMC. Tratado de Medicina de Família e Comunidade – 2a edição. Cap. 15: Consulta e abordagem centrada na pessoa. Editora Artmed, 2019

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