Elevação do segmento ST na Covid-19: nem sempre é o que você está pensando mesmo!

Analisamos uma nova série de casos mostrando que grande parte de pacientes com Covid-19 com diagnóstico de IAM com elevação do segmento ST não teve DAC.

Recentemente, publicamos uma análise de 18 pacientes atendidos na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, mostrando que uma grande proporção de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 com diagnóstico inicial de infarto do miocárdio com elevação do segmento ST (IAMCSST) não tinham evidência de doença arterial coronariana (DAC) que pudessem explicar os achados clínicos e eletrocardiográficos. Desta vez, analisamos uma série muito semelhante da região da Lombardia, epicentro da Covid-19 na Itália, que parece corroborar aqueles achados.

Segmento ST e Covid-19

Um total de 28 pacientes com diagnóstico inicial de IAMCSST (sintomas e elevação do segmento ST ou bloqueio de ramo esquerdo), procedentes de vários centros da Lombardia, entre 20 de fevereiro e 30 de março, foram analisados. A maioria era do sexo masculino (72%) e a idade média foi de 68 (± 11) anos. Em relação às comorbidades, aproximadamente 70% tinham hipertensão e 30% eram diabéticos.

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Resultados

Em 24 pacientes (85,7%), a manifestação principal da infecção foi o IAMCSST e o diagnóstico foi realizado através da realização de rotina da pesquisa do vírus por PCR. Os demais pacientes tiveram o evento cardiovascular durante o internamento por Covid-19. A maioria dos pacientes se apresentou com dor torácica típica durante o evento (78%).
Alterações segmentares compatíveis com o ECG estiveram presentes em 82,1% dos pacientes. No entanto, 11 pacientes (40%) não apresentavam lesões coronárias que explicassem esses achados. Os demais pacientes (17 ou 60%) tinham lesões compatíveis com o quadro clínico e foram revascularizadas. Nenhum pacientes foi tratado com trombolíticos nesta série.

Até o momento da submissão do estudo, 11 (40%) pacientes haviam morrido, sendo 6 deles pertencentes ao grupo sem DAC. Os demais pacientes tiveram alta, exceto um paciente que ainda permanecia internado em UTI.

Nem sempre é o que parece

Este estudo corrobora o que outras séries de casos de pacientes, neste cenário, vem demonstrando: uma alta proporção de pacientes quadro clínico de IAMCSST que não apresentam lesões coronárias. Apesar de a fisiopatologia destas manifestações ainda não estarem claras, especula-se que possam estar envolvidos o espasmo coronário, trombose na microcirculação, hipóxia, inflamação por tempestade citotóxica e lesão endotelial direta.

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O que fazer diante de um IAMCSST no contexto da Covid-19?

Neste estudo, os autores sugerem que um grande proporção dos pacientes tiveram o IAMCSST como manifestação inicial e principal da doença, embora não tenham especificado sintomas não cardiovasculares e relacionados ao quadro infeccioso, diferentemente da série de casos americana, que febre e sintomas respiratórios estiveram presentes em mais de 70% dos casos. Deste modo, pode-se inferir que, mesmo numa apresentação clássica de IAM, os pacientes devem ser rotineiramente testados para a infecção se houver um comportamento epidêmico da Covid-19 no local.

Outra implicação importante parece se referir à trombólise. Os autores ressaltam que a trombólise teria sido inapropriada em quase metade destes pacientes, julgando que a melhor estratégia seria manter o protocolo de cateterismo imediato, com cuidados apropriados em relação a redução do risco de contaminação. Este é um ponto importante, pois alguns guidelines sugeriam que a trombólise deveria ser considerada com estratégia inicial neste contexto, visando principalmente a redução de riscos de contaminação, como você viu aqui.

Finalmente, os autores revelam outra informação interessante: o número de pacientes atendidos com IAMCSST neste período foi significativamente menor que o habitual, embora não tenham explicitado esses números. Ainda não se sabe a razão desta redução, mas especula-se que esteja relacionada a uma redução na busca por atendimentos hospitalares por receio de contaminação. De fato, a região da Lombardia recentemente reportou um número aumentado de paradas cardíacas e mortes extra-hospitalares, que podem estar relacionadas a este fato.

Referências bibliográficas:

  • Stefanini, G. G. et al. (2020) ‘ST-Elevation Myocardial Infarction in Patients with COVID-19: Clinical and Angiographic Outcomes.’, Circulation, april, pp. 1–7. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047525.
  • Bangalore, S. et al. (2020) ‘ST-Segment Elevation in Patients with Covid-19 — A Case Series’, New England Journal of Medicine, 5(50), pp. 1747–1751. doi: 10.1056/nejmc2009020.
  • Baldi, E. et al. (2020) ‘Out-of-Hospital Cardiac Arrest during the Covid-19 Outbreak in Italy’, New England Journal of Medicine, pp. 1–3. doi: 10.1056/NEJMc2010418.

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