Encefalopatia Traumática Crônica: o que ainda não sabemos

Um dos assuntos de mais destaque nos últimos anos junto à comunidade neurológica é a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC).

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Um dos assuntos de mais destaque nos últimos anos junto à comunidade neurológica é a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC). O tema, retratado pelo cinema norte-americano em “Um homem Entre Gigantes” (2015), também é recorrente no meio esportivo, em especial nos Estados Unidos.

A ETC representa uma entre possíveis sequelas cognitivas decorrentes de traumatismos de crânio. É uma doença neurodegenerativa pertencente às taupatias (relacionadas ao acúmulo de proteína tau) e ligada à exposição repetida a traumatismos de crânio leves. Suas manifestações clínicas incluem alterações comportamentais, de humor, cognitivas e motoras, sendo as duas primeiras usualmente vistas mais precocemente. O diagnóstico da ETC só pode ser confirmado por meio de estudo anatomopatológico. E até o momento, não há tratamento especifico.

Em setembro de 2017, a revista JAMA publicou uma revisão que aborda aspectos controversos e ainda não esclarecidos sobre o assunto. As limitações para o maior entendimento e caracterização da ETC residem no fato de seus estudos serem post mortem, sem dados clínicos detalhados e seguimento longitudinal.

Mais da autora: ‘Neuroproteção em AVC – por que não funciona?’

Alterações anatomopatológicas. Em 2016 foram estabelecidos os critérios para o diagnóstico anatomopatológico do ETC. É patognomônica a presença de agregados de tau-fosforilada nos neurônios, astrócitos e processos celulares ao redor dos espaços perivasculares com padrão irregular nas porções mais profundas dos sulcos corticais. No entanto, ainda não é conhecida a exata correlação entre a carga de alterações anatomopatológicas e a expressão clínica da doença.

Propagação de tau e outros fatores patológicos. Ainda não é compreendida a forma de propagação e acúmulo de tau-fosforilada causada por traumatismos cranianos repetidos.

Risco e prevalência. Até o momento, a real frequência de ETC não pode ser estimada. Do mesmo modo, não se sabe qual a carga mínima de episódios de traumatismos cranianos repetidos necessários para o seu desenvolvimento. A dificuldade de detecção de eventos traumáticos menores entre os indivíduos constantemente expostos a esse tipo de lesão e a omissão de episódios de concussão são fatores contribuintes para a incapacidade de se determinar um limiar para o desenvolvimento da ETC. A omissão de episódios de concussão, por questões profissionais e financeiras, trás um risco adicional relacionado à recorrência de eventos traumáticos sem a devida recuperação após um evento prévio, dentro da janela de vulnerabilidade pós-concussão.

Sintomas e nomenclatura. Critérios mais precisos para caracterização clínica da ETC também permanecem em aberto. Atualmente o termo é empregado para indivíduos com história de traumatismos cranianos repetidos e sintomas sugestivos. Permanecem, por exemplo, dúvidas sobre a instalação e curso da doença. Questiona-se do mesmo modo, com base na ocorrência do traumatismo e o aparecimento dos sintomas, se quadros imediatos e tardios corresponderiam, de fato à mesma doença.

Interpretação das alterações cognitivas na ETC. Não somente as alterações clínicas da ETC não estão completamente definidas, como também não está clara a melhor forma de avaliá-las. Segundo os autores, fatores pertinentes à atividade esportiva e ao estilo de vida de atletas profissionais, poderiam contribuir para o comprometimento cognitivo de forma ainda não esclarecida.

ETC e suicídio. Não está estabelecida a sugestão levantada pela mídia quanto a uma possível relação entre ETC e suicídio. Os estudos apresentados no artigo, aparentemente negam tal associação.

Mudança de cultura. Os autores abordam um aspecto da ETC menos discutido quando comparado àqueles listados anteriormente: a influência da atividade esportiva na reserva cognitiva dos atletas. Poucos anos de estudo e o baixo rendimento dos atletas universitários, em razão do comprometimento com a carreira esportiva, estariam relacionados a maiores susceptibilidade e expressão clinica da ETC. De modo contrário, o incentivo aos estudos que viessem a contemplar a possibilidade de maior engajamento acadêmico na universidade e maior atenção para com sua aposentadoria poderiam ser considerados como medidas potencialmente protetivas.

Ainda há muito por se conhecer. A publicação não aborda questões para as quais ainda não há respostas como fatores genéticos, neuroimagem e biomarcadores. A perspectiva é de que as discussões sobre a ETC se ampliem ainda mais à medida que o conhecimento sobre o tema for aprofundado.

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Referências:

  • ASKEN, Breton M. et al. Research gaps and controversies in chronic traumatic encephalopathy: a review. JAMA neurology, v. 74, n. 10, p. 1255-1262, 2017.
  • JORDAN, Barry D. Chronic traumatic encephalopathy and other long-term sequelae. CONTINUUM: Lifelong Learning in Neurology, v. 20, n. 6, Sports Neurology, p. 1588-1604, 2014.
  • MCKEE, Ann C. et al. The first NINDS/NIBIB consensus meeting to define neuropathological criteria for the diagnosis of chronic traumatic encephalopathy. Acta neuropathologica, v. 131, n. 1, p. 75-86, 2016.

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