CirurgiaJUN 2021

Encontrei uma lesão no pâncreas, e agora?

Com métodos de imagem mais apurados e rotineiros, um incontável número de lesões insuspeitas (incluindo no pâncreas) são encontradas.

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Por Felipe Victer
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Com os métodos de imagem cada vez mais apurados e sendo realizados de forma rotineira, um incontável número de lesões insuspeitas (incluindo no pâncreas) são encontradas, o que leva a uma necessidade imperativa de acompanhamento e definição de condutas.

Alguns órgãos como a adrenal possuem protocolos menos controversos de como acompanhar e quando os mesmos devem ser operados. No entanto, em relação às lesões no pâncreas ainda há bastante discussão em qual a melhor estratégia a ser seguida. Talvez devido à agressividade dos tumores pancreáticos, as condutas podem ser um pouco discrepantes e controversas entre os centros. 

Leia também: Carcinomas ductais do pâncreas: qual a melhor abordagem?

Encontrei uma lesão no pâncreas, e agora?

Illustration of male pancreas anatomy

Estudos atuais

Dois artigos publicados recentemente em um mesmo volume na Jama Surgery, discutem sobre achados e condutas adotadas na abordagem de lesões suspeitas ou pré-malignas do câncer. O primeiro artigo de Tjaden et al. faz uma análise retrospectiva de todos os tumores intraductais produtores de mucina (IPMN), que foram ressecados. 

Um total de 1.439, pacientes analisados e divididos em 3 grupos para a análise, baseado nos achados histopatológicos: ressecados precocemente, ressecados no tempo e ressecados tardiamente. O grupo precoce inclui os adenomas e IPMN com displasia de baixo grau. Os ressecados no tempo, carcinoma in situ e displasias moderadas, enquanto os ressecados tardiamente incluíam aqueles com invasão além da mucosa.

Interessante notar que 24,9% dos pacientes ressecados tardiamente haviam sido acompanhados clinicamente, sendo que pelo menos a metade com o diagnóstico a pelo menos 1 ano. Enquanto no grupo precoce 28,1% dos pacientes do grupo foram submetidos a ressecção atípicas e/ou enucleações. Apesar disto, não houve diferença significativa entre os 3 grupos ao analisar as complicações pós-operatórias.  

Saiba mais: Pâncreas artificial parece ser eficaz no controle da glicemia em crianças de 6 a 13 anos

Após a exposição da discussão o artigo conclui que ainda há muito o que se definir sobre a evolução biológica dos IPMNs, e que a observação rigorosa, especialmente dos tipos mistos e de ductos principais não devem ser seguidas.

Para fazer um contraponto a este artigo principal, no segundo artigo (Marchegiani G et al), foram apenas analisados os IPMNs de ductos secundários sem dilatação do ducto principal que estivessem em acompanhamento há pelo menos 12 meses. Isto é, pacientes que no momento do diagnóstico apresentassem uma neoplasia de ducto secundário sem nenhum outro achado de agressividade que indicasse a cirurgia naquele momento. 

Este estudo englobou um total de 292 pacientes, sendo que 176 não possuíam nenhum sinal de alto risco ou preocupação no momento do diagnóstico. Dos pacientes que não apresentavam sinal de alto risco, 46/276 (16,7%) desenvolveram algum sinal de alto risco ao longo da observação com um tempo médio de 28 meses após o diagnóstico inicial. 

Ao longo do estudo foi identificado que aqueles pacientes que desenvolvem outros sinais de preocupação ou de alto risco são os que apresentam  maior risco para o desenvolvimento de doença agressiva, com uma razão de chance de 3,24 para o desenvolvimento de displasia de alto grau, no surgimento de um novo sinal de preocupação (p = 0,007).

Conclui o segundo estudo que apenas a icterícia é um fator isolado único que pode ser valorizado como relação a doença invasiva, e que todos os demais são importantes na determinação evolutiva da doença ao longo dos anos.

Para levar para casa

As lesões pancreáticas com potencial de malignização possuem um comportamento biológico que ainda não está claramente elucidado. As opiniões podem divergir entre centros e até mesmo com o guideline

Independente da determinação do melhor momento da cirurgia, um achado pancreático deve ser acompanhado, em um centro especializado visto que as condutas são dinâmicas e sofrem atualizações constantes. Infelizmente, alguns pacientes com lesões no pâncreas serão acompanhados por longos períodos, visto que a mudança do padrão de imagem pode surgir tardiamente ao diagnóstico inicial.

Sinais de Alto Risco

  • Icterícia;
  • Ducto pancreático > 10 mm;
  • Nódulo mural com captação de contraste.

Sinais de Preocupação

  • Taxa de crescimento maior que 55 mm/ano;
  • Tamanho >= 30 mm;
  • Pancreatite;
  • Paredes espessadas;
  • Ducto pancreático entre 5 e 9 mm;
  • Nódulo mural sem captação de contraste.

Referências bibliográficas:

  • Tjaden C, Sandini M, Mihaljevic AL, et al. Risk of the Watch-and-Wait Concept in Surgical Treatment of Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm. JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.0950
  • Marchegiani G, Pollini T, Andrianello S, et al. Progression vs Cyst Stability of Branch-Duct Intraductal Papillary Mucinous Neoplasms After Observation and Surgery. JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.1802
  • Ye L, Hines OJ. Management of Intraductal Papillary Mucinous Neoplasms—Watch and Wait or Operate? JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.0951
  • Conroy PC, Nakakura E. Evidence-Based Guidelines for Branch-Duct Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm Management: Still a Lot of Room to Grow. JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.1814

Com os métodos de imagem cada vez mais apurados e sendo realizados de forma rotineira, um incontável número de lesões insuspeitas (incluindo no pâncreas) são encontradas, o que leva a uma necessidade imperativa de acompanhamento e definição de condutas.

Alguns órgãos como a adrenal possuem protocolos menos controversos de como acompanhar e quando os mesmos devem ser operados. No entanto, em relação às lesões no pâncreas ainda há bastante discussão em qual a melhor estratégia a ser seguida. Talvez devido à agressividade dos tumores pancreáticos, as condutas podem ser um pouco discrepantes e controversas entre os centros. 

Leia também: Carcinomas ductais do pâncreas: qual a melhor abordagem?

Encontrei uma lesão no pâncreas, e agora?

Illustration of male pancreas anatomy

Estudos atuais

Dois artigos publicados recentemente em um mesmo volume na Jama Surgery, discutem sobre achados e condutas adotadas na abordagem de lesões suspeitas ou pré-malignas do câncer. O primeiro artigo de Tjaden et al. faz uma análise retrospectiva de todos os tumores intraductais produtores de mucina (IPMN), que foram ressecados. 

Um total de 1.439, pacientes analisados e divididos em 3 grupos para a análise, baseado nos achados histopatológicos: ressecados precocemente, ressecados no tempo e ressecados tardiamente. O grupo precoce inclui os adenomas e IPMN com displasia de baixo grau. Os ressecados no tempo, carcinoma in situ e displasias moderadas, enquanto os ressecados tardiamente incluíam aqueles com invasão além da mucosa.

Interessante notar que 24,9% dos pacientes ressecados tardiamente haviam sido acompanhados clinicamente, sendo que pelo menos a metade com o diagnóstico a pelo menos 1 ano. Enquanto no grupo precoce 28,1% dos pacientes do grupo foram submetidos a ressecção atípicas e/ou enucleações. Apesar disto, não houve diferença significativa entre os 3 grupos ao analisar as complicações pós-operatórias.  

Saiba mais: Pâncreas artificial parece ser eficaz no controle da glicemia em crianças de 6 a 13 anos

Após a exposição da discussão o artigo conclui que ainda há muito o que se definir sobre a evolução biológica dos IPMNs, e que a observação rigorosa, especialmente dos tipos mistos e de ductos principais não devem ser seguidas.

Para fazer um contraponto a este artigo principal, no segundo artigo (Marchegiani G et al), foram apenas analisados os IPMNs de ductos secundários sem dilatação do ducto principal que estivessem em acompanhamento há pelo menos 12 meses. Isto é, pacientes que no momento do diagnóstico apresentassem uma neoplasia de ducto secundário sem nenhum outro achado de agressividade que indicasse a cirurgia naquele momento. 

Este estudo englobou um total de 292 pacientes, sendo que 176 não possuíam nenhum sinal de alto risco ou preocupação no momento do diagnóstico. Dos pacientes que não apresentavam sinal de alto risco, 46/276 (16,7%) desenvolveram algum sinal de alto risco ao longo da observação com um tempo médio de 28 meses após o diagnóstico inicial. 

Ao longo do estudo foi identificado que aqueles pacientes que desenvolvem outros sinais de preocupação ou de alto risco são os que apresentam  maior risco para o desenvolvimento de doença agressiva, com uma razão de chance de 3,24 para o desenvolvimento de displasia de alto grau, no surgimento de um novo sinal de preocupação (p = 0,007).

Conclui o segundo estudo que apenas a icterícia é um fator isolado único que pode ser valorizado como relação a doença invasiva, e que todos os demais são importantes na determinação evolutiva da doença ao longo dos anos.

Para levar para casa

As lesões pancreáticas com potencial de malignização possuem um comportamento biológico que ainda não está claramente elucidado. As opiniões podem divergir entre centros e até mesmo com o guideline

Independente da determinação do melhor momento da cirurgia, um achado pancreático deve ser acompanhado, em um centro especializado visto que as condutas são dinâmicas e sofrem atualizações constantes. Infelizmente, alguns pacientes com lesões no pâncreas serão acompanhados por longos períodos, visto que a mudança do padrão de imagem pode surgir tardiamente ao diagnóstico inicial.

Sinais de Alto Risco

  • Icterícia;
  • Ducto pancreático > 10 mm;
  • Nódulo mural com captação de contraste.

Sinais de Preocupação

  • Taxa de crescimento maior que 55 mm/ano;
  • Tamanho >= 30 mm;
  • Pancreatite;
  • Paredes espessadas;
  • Ducto pancreático entre 5 e 9 mm;
  • Nódulo mural sem captação de contraste.

Referências bibliográficas:

  • Tjaden C, Sandini M, Mihaljevic AL, et al. Risk of the Watch-and-Wait Concept in Surgical Treatment of Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm. JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.0950
  • Marchegiani G, Pollini T, Andrianello S, et al. Progression vs Cyst Stability of Branch-Duct Intraductal Papillary Mucinous Neoplasms After Observation and Surgery. JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.1802
  • Ye L, Hines OJ. Management of Intraductal Papillary Mucinous Neoplasms—Watch and Wait or Operate? JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.0951
  • Conroy PC, Nakakura E. Evidence-Based Guidelines for Branch-Duct Intraductal Papillary Mucinous Neoplasm Management: Still a Lot of Room to Grow. JAMA Surg. Published online May 19, 2021. doi: 10.1001/jamasurg.2021.1814

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Felipe VicterFelipe Victer
Editor Médico de Cirurgia Geral da Afya ⦁  Residência em Cirugia Geral pelo Hospital Universitário Clementino fraga filho (UFRJ) ⦁ Felllow do American College of Surgeons ⦁ Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões ⦁ Membro da Sociedade Americana de Cirurgia Gastrointestinal e Endoscópica (Sages) ⦁ Ex-editor adjunto da Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (2016 a 2019) ⦁  Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)