ENDO 2022: Reposição de testosterona: quando e para quem

O hipogonadismo masculino e a reposição da testosterona foram temas abordados no ENDO 2022. Saiba mais no Portal PEBMED.

O ENDO 2022, congresso da Endocrine Society, aconteceu em junho de 2022 em Atlanta (EUA) na última semana. O ENDO é uma oportunidade de atualização e revisão de temas importantes na endocrinologia. Um tema que vem ganhando importância nos últimos anos é o hipogonadismo masculino e a reposição da testosterona, pois existe um grande entusiasmo com esse hormônio vindo tanto de leigos como de comunidades médicas que possuem menos contato com a rotina da endocrinologia, criando-se grandes expectativas a respeito de melhora de qualidade de vida e ganhos em hipertrofia, disposição e humor, por exemplo. 

Essa tendência não ocorre apenas no Brasil, é mundial. Na abertura da palestra do Dr. Channa Jayasena ele refere que vem acontecendo um aumento nos índices de prescrição de testosterona, ou seja, não é apenas em mercados paralelos de academias que o uso desse esteroide e derivados vem aumentando. Mas será que o aumento na prescrição é baseado em evidências ou cada vez mais os médicos estão propensos a prescrever pautados por motivos incertos e com evidências questionáveis?

testosterona

Hipogonadismo

O hipogonadismo é a condição onde há falta dos hormônios sexuais. Basicamente, no homem, isso pode ocorrer por dois grandes mecanismos: problemas testiculares, gerando um hipogonadismo hipergonadotrófico (com aumento de LH e FSH) ou problema central (deficiência de gonadotrofinas – problemas na pulsatilidade do GnRH, ou deficiência de FSH/LH), causando um hipogonadismo hipogonadotrófico. Ainda, é importante pontuar que existem causas primárias, onde a patologia em si é a falta de hormônio (ex: hipopituitarismo, orquiectomia) ou causas secundárias, onde uma outra doença pode culminar em menor secreção hormonal, sendo uma causa funcional. Na grande maioria das vezes, neste último caso o tratamento principal deve ser direcionado para a causa base, e não a reposição hormonal. São exemplos a obesidade, etilismo, deficiência nutricional, abuso de esteroides anabolizantes, hiperprolactinemia.

O que auxilia de fato no diagnóstico?

Um dos pontos principais é que o diagnóstico pode não ser tão simples. Apesar de se acreditar que basta encontrar um hormônio abaixo do valor de referência para fechar o diagnóstico, existem algumas pegadinhas, abordadas pelo Dr. Jayasena. 

Primeiro ponto: o hipogonadismo deve ser suspeitado em pessoas com sinais e/ou sintomas específicos: 

MUITO SUSPEITO: Aumento de LH, baixa densidade mineral óssea, AP de orquiectomia, ausência de puberdade, anemia inexplicável 

SUSPEITO: Baixa libido, ereções de baixa qualidade, perda da ereção matinal 

NÃO AUXILIA NO DIAGNÓSTICO: Cansaço, alteração do humor, indisposição, baixa massa muscular 

A importância desse tópico é gigantesca, já que a grande maioria das pessoas que se questionam e buscam auxílio médico por suspeitar que estão hipogonádicas na verdade se encaixam na última categoria de sintomas. De forma isolada, esses sintomas são maus preditores de hipogonadismo, já que são completamente inespecíficos e fazem parte de diversos diferenciais como ansiedade/depressão e podem ser simplesmente decorrentes de uma rotina desgastante. Fato que infelizmente, mesmo que se reponha a testosterona com o único fim de melhorar esses sintomas, o resultado dos estudos que avaliaram o efeito do hormônio nesses sintomas de forma isolada foram negativos e, por consequência, os guidelines atuais não recomendam a reposição de testosterona para sua melhora de forma isolada. 

A pegadinha seguinte: devemos lembrar que a testosterona é carreada pela SHBG e portanto, existem situações que podem reduzir a SHBG e levar a falsas reduções na testosterona total. Nessas condições (ex: obesidade, DM, uso de glicocorticoides, hipotireoidismo, síndrome nefrótica), é sempre importante dosar a testosterona livre. Se esta estiver normal, na ausência de sintomas específicos, não há hipogonadismo. O problema da testosterona livre é que no Brasil existem grandes problemas metodológicos, uma vez que ela é calculada e não dosada por diálise de difusão, como em alguns locais dos EUA. Não há motivo para dosar testo livre se não houver alteração na SHBG. 

Outra pegadinha: a testosterona deve ser sempre dosada cedo, em jejum, pois existem fatores interferentes e oscilações no nível. Portanto, o diagnóstico só pode ser confirmado após a presença de sintomas específicos + testosterona abaixo do limite inferior (repetido e confirmado); o valor inferior varia de acordo com os guidelines, mas de forma geral, o diagnóstico se torna mais sensível utilizando um corte de testo total < 300 ng/dL e mais específico quando < 230 ng/dL, havendo ótimas evidências para se tratar nesta situação (vale lembrar que o tratamento de pacientes hipogonádicos de fato melhora saúde óssea, melhora o perfil lipídico e metabólico e reduz risco cardiovascular! É fundamental repor testosterona nos hipogonádicos).

E idosos?

A grande questão é quem se beneficia. Todos hipogonádicos podem ter benefícios, mas quanto mais jovens, maior o benefício e menor o risco. Vale lembrar que é fundamental monitorar o hematócrito (suspender temporariamente caso este esteja acima de 52%) e o PSA, com maior atenção caso acima dos 55 anos ou dos 40 anos com fatores de risco, quando se indica repetir o PSA a cada três meses no primeiro ano e realizar um exame clínico da próstata. 

Em idosos acima de 65 anos, a mensagem do Dr Jayasena é de que infelizmente, a testo não vai fazê-los se sentirem mais jovens, e pode estar associado a riscos. Um ensaio clínico randomizado (RCT) do NIH, publicado no NEJM em 2016, avaliou em 790 homens acima dos 65 anos, com média de testosterona total de 275 ng/dL a repercussão da testosterona. A população de base tinha 63% de obesidade, 72% hipertensos e 15% com IAM prévio e foram randomizados para testosterona gel ou placebo. Houve melhora muito modesta na saúde sexual, avaliada por meio de um questionário; também não houve melhora no cansaço, cognição ou força. No entanto, houve ganho em BMD (cerca de 4%), sobretudo em osso trabecular. 

Quanto ao risco cardiovascular, uma metanálise publicada no LANCET em 2022 mostrou não haver aumento de eventos em um ano de reposição de testosterona. Está em andamento um outro RCT encomendado pelo FDA para responder se o uso de testosterona pode aumentar o risco cardiovascular. Portanto, é uma questão ainda em aberto.

Mensagens finais

É sabido que o tratamento do hipogonadismo traz diversos benefícios nos pacientes que de fato os apresentam. O grande cuidado que devemos ter é que o excesso de testosterona pode trazer riscos muito maiores que supostos benefícios e é necessário extremo cuidado no uso do hormônio, respeitando as indicações corretas. Primum non nocere.

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