Endomiocardiofibrose: passado, presente e futuro

Endomiocardiofibrose ainda tem vários mistérios desde sua caracterização. Ela é negligenciada e acomete geralmente indivíduos de baixo nível socioeconômico

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A endomiocardiofibrose ou doença de Davies permanece com vários mistérios desde sua caracterização em 1994, na Uganda. Doença negligenciada com etiologia idiopática, que acomete geralmente indivíduos com baixo nível socioeconômico, desnutridos, expostos a múltiplos agentes infecciosos preveníveis, na zona tropical e subtropical do globo terrestre.

É caracterizada por fibrose do endocárdio e miocárdio classicamente da região apical, via de entrada do ventrículo direito, esquerdo ou de ambos. O resultado final é o enrijecimento endocavitário, causando, portanto, disfunção ventricular por restrição do seu enchimento. Sua evolução clínica é progressiva na maioria das vezes, cursando com quadro de insuficiência cardíaca refratária. 

Em artigo de revisão publicado em agosto de 2019, no periódico Heart Failure Reviews, realizamos uma revisão narrativa sobre esta patologia, procurando destacar pontos importantes da fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento. Conforme relatamos no artigo, existem um número decrescente de publicações sobre esta doença nos últimos anos dificultando inclusive uma estimativa atual de sua incidência e prevalência, lembrando que ela já foi responsável por 20% das causas de miocardiopatia restritiva.

Leia mais: Miocardiopatia hipertrófica: melhor maneira de identificar e tratar a doença

Alguns grupos de pesquisa tentaram elucidar qual seria o agente etiológico, avaliando diversos agentes infecciosos como vírus, parasitas e bactérias, ingestão seletiva de nutrientes ou alimentos como mandioca ou o elemento Cerio. A presença da eosinofilia foi relacionada em vários trabalhos, não se conseguindo afastar a coinfecção por parasitas intestinais condizentes com a condição socioambiental dos pacientes acometidos.

Em geral, aceita-se a divisão da doença em 3 fases:

  • Fase aguda, com hipereosinofilia e febre;
  • Fase de transição;
  • Fase crônica, de franca insuficiência cardíaca e caquexia. 

Muitos pacientes apresentam ascite volumosa sem edema de membros inferiores. Quanto a faixa etária acomete desde a infância, adolescentes e adultos jovens, mas existem relatos em adultos e idosos. 

O quadro clínico no estágio inicial da doença é inespecífico, sendo os mais comuns: febre baixa, pancardite, hipereosinofilia, edema facial e periorbitário e urticária. 88% dos pacientes apresentam dispneia e 24% precordialgia. No nosso país, 75% dos casos apresenta acometimento biventricular, sendo comum extremamente comum a dispneia aos esforços, sinais de congestão e em aproximadamente 40% dos casos ascite, que é um grande marcador de mau prognóstico.  

O ecocardiograma é um exame fundamental no diagnóstico da endomiocardiofibrose. Segundo Brindeiro e col  temos os seguintes parâmetros:

  • I) identificação da fibrose na câmara ventricular;
  • II) sinais de restrição ao enchimento ventricular;
  • III) sinais de envolvimento das valvas atrioventriculares (AV);
  • IV) sinais secundários.

O achado mais sugestivo da EMF é a identificação da fibrose que, associada a sinais de restrições diastólica ou refluxo valvar, praticamente define o diagnóstico. Além disto, existem sinais secundários:

    1. Dilatação do segmento ventricular não envolvido.
    2. Dilatação das câmaras atriais.
    3. Detecção de trombos cavitários.
    4. Sinais de hipertensão arterial pulmonar.
    5. Dilatação das veias sistêmicas.
    6. Presença de derrame pericárdico.

Pacientes em classe funcional I e II se beneficiam do tratamento clínico farmacológico para insuficiência cardíaca com FE reduzida. A evolução clínica de pacientes acometidos de EMF depende, fundamentalmente, da intensidade da fibrose ventricular e da magnitude da insuficiência das valvas atrioventriculares. Sendo a indicação cirúrgica (endocardiectomia com preservação das valvas atrioventriculares) feita nos pacientes sintomáticos (CF III e IV). O comprometimento miocárdico tardio, o aparecimento de fibrose endocárdica no outro ventrículo e a recidiva de fibrose no ventrículo operado, somente recentemente descrita, sugerem que a endomiocardiofibrose é uma doença progressiva e que o seu curso não é interrompido pela operação. 

Em resumo, é necessário avaliar as condições de saúde de toda população. Buscando-se combater a pobreza, aliada ao um sistema de saúde digno, de qualidade, com forte atuação na atenção básica, e uma rede hospitalar de suporte, devem impactar sensivelmente no aparecimento desta doença tão intrigante e desafiadora. 

 

Referências:

  • Duraes ARde Souza Lima Bitar YRoever L, et al. Endomyocardial fibrosis: past, present, and future. Heart Fail Rev. 2019 Aug 14. doi: 10.1007/s10741-019-09848-4. [Epub ahead of print]
  • Barretto ACP, Mady C, Arteaga E, et al. Quadro clínico da endomiocardiofibrose. Correlação com a intensidade da fibrose. Arq Bras Cardiol 1988; 51: 401-5. 3. 
  • Barretto ACP, Luz PL, Oliveira AS, et al. Determinants of survival in endomyocardial fibrosis. Circulation 1989; 80: (suppl. I): I-177 – I-182. 4.
  • Dave T, Narula JP, Chopra P – Myocardial and endocardial involvement in tuberculous constrictive pericarditis: Difficulty in biopsy distinction from endomyocardial fibrosis as a cause of restrictive heart disease. Int J Cardiol 1990; 28: 245-51.
  • Mady C, Salemi VM, Ianni BM, Arteaga E, Fernandes F, Ramires FJ. Quantitative assessment of left ventricular regional wall motion in endomyocardial fibrosis [in Portuguese].Arq Bras Cardiol. 2005;

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