Entenda o que é insuficiência hepática crônica agudizada

A patogênese da insuficiência hepática crônica agudizada é incerta, mas uma característica da doença é a inflamação sistêmica excessiva.

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O paciente cirrótico tem uma história natural baseada em uma fase compensada assintomática, seguida por uma fase descompensada, que é normalmente o período em que ele mais comparece à emergência. Esta fase é marcada por heterogeneidade clínica, que está associada a diferentes prognósticos. Esses pacientes devem ser estratificados para definir o manejo adequado da Insuficiência hepática crônica agudizada (IHCA).

Alguns autores sugeriram estratificar a descompensação em três estágios com base no aumento do risco de morte em dois anos:

Pacientes que apresentam sangramento de varizes isolado (sem outros eventos descompensados) (20%)

  • Pacientes com qualquer evento de descompensação não-hemorrágico (24%) ou
  • Pacientes com qualquer segundo evento de descompensação (50-78%).

Além desses conceitos, pode-se caracterizar os pacientes em estágio mais avançado com desfechos muito ruins a curto prazo, incluindo aqueles com infecções bacterianas, como tendo acute–on-chronic liver failure (ACLF). Nos últimos anos, este conceito foi usado para identificar pacientes cirróticos com deterioração aguda da função hepática, causada tanto por lesão hepática sobreposta como por fatores precipitantes extra-hepáticos. Muitos estudos têm abordado este tema, com diferentes definições, critérios, marcadores prognósticos, aspectos fisiopatológicos e clínicos da ACLF.

A primeira definição de ACLF foi estabelecida por um consenso The Asian Pacific Association for the Study of the Liver [APASL] que definiu ACLF como “um insulto hepático agudo manifestando-se”. icterícia (bilirrubina total ≥ 5mg / dl) e coagulopatia (INR ≥1,5), complicada em quatro semanas por ascite e/ou encefalopatia em paciente com doença hepática crônica ”.

Grandes estudos assumiram a missão de avaliar os critérios de ACLF em pacientes internados com descompensação de cirrose.

O primeiro estudo a fornecer critérios diagnósticos baseados em evidências para diferenciar ACLF de descompensação aguda (DA) foi um estudo multicêntrico prospectivo observacional (estudo CANONIC). Este, avaliou 1.343 pacientes com cirrose que foram hospitalizados com descompensação aguda (grandes ascites, encefalopatia hepática, hemorragia gastrointestinal e/ou infecção bacteriana). As taxas de mortalidade encontradas em 28 e 90 dias foram maior entre os pacientes que tiveram ACLF na inscrição do que entre aqueles que tiveram DA tradicional (34% e 51% versus 5% e 14%, respectivamente).

Leia mais: Cirrose Hepática: apresentação clínica e manifestações clássicas

Uma versão modificada do escore SOFA, denominada CLIF-SOFA foi proposta e os critérios
de falências orgânicas foram baseados neste novo escore. Com base nesses critérios os pacientes poderiam ser classificados como ACLF ausente e graus 1, 2 ou 3 (tabela abaixo), com taxas de mortalidade em 90 dias de 14%, 41%, 52% e 79%, respectivamente:

Definição de agudização de insuficiência hepática crônica
Score de insuficiência hepática crônica com falência orgânica
Órgão/sistema Subscore = 1 Subscore = 2 Subscore = 3
Fígado (bilirrubina total mg/dL) <6 ≥6–<12 ≥12
Rim ( creatinina mg/dl)
<2 ≥2–<3.5 ≥3.5 ou HD
Encefalopatia hepática *
0 1–2 3–4
Coagulação INR <2 ≥2–<2.5 ≥2.5
Circulação (PAM mmhg) ≥70 <70 Vasopressores
Pulmão
PaO2/FiO2 ou >300 ou ≤300–>200 ou ≤200 or
SpO2/FiO2 > 357 ≤357–>214 ≤214

*Adaptado de: Acute-on-chronic liver failure vs. traditional acute decompensation of cirrhosis DOI: https://doi.org/10.1016/j.jhep.2018.08.024ACLF ACLF-1: pacientes com insuficiência renal única, pacientes com insuficiência orgânica não renal mais disfunção renal (creatinina 1,5-1,9mg / dl) e / ou disfunção cerebral (grau 1-2 HE). ACLF-2: pacientes com duas falhas de órgãos. ACLF-3: pacientes com três ou mais falências de órgãos. CLIF, insuficiência hepática crônica; HD, terapia de substituição renal; HE, encefalopatia hepática; INR, razão normalizada internacional; PAM, pressão arterial média; FiO2, fração de oxigênio inspirado; PaO2, pressão parcial de oxigênio arterial; SpO2, saturação oximétrica de pulso.

É importante destacar que a North American Consortium for the Study of End-Stage Liver Disease (NACSELD) definiu a ACLF pela presença de pelo menos duas disfunções orgânicas extra-hepáticos muito graves:

  1. Falência cerebral – encefalopatia graus III ou IV;
  2. Falência circulatória – PAM < 60 mmHg ou redução superior a 40 mmHg na PA sistólica basal a despeito de ressuscitação volêmica;
  3. Falência respiratória – necessidade de ventilação mecânica;
  4. Falência renal – necessidade de diálise.

Estes critérios são muito mais rigorosos que os da European Association for the Study of the Liver – Chronic Liver Failure (EASL-CLIF) ou o APASL. O ACLF definido pelo NACSELD está associado a uma taxa de mortalidade em 30 dias de 41% em comparação com 7% para pacientes sem ACLF. Assim, por definição, a principal diferença entre a descompensação aguda tradicional e a IHCA é o prognóstico de curto e médio prazo.

Quais eventos precipitantes e mecanismos patogênicos são responsáveis ​​pela IHCA?

Enquanto a patogênese da IHCA permanece incerta, uma característica da doença é a inflamação sistêmica excessiva, que pode desencadear falhas nos órgãos. A natureza dos eventos precipitantes que levam a IHCA difere de acordo com o país e pode ser categorizada em insultos hepáticos ou extra-hepáticos.

Nos países ocidentais, os fatores precipitantes mais comumente identificados são infecção bacteriana, uso recente excessivo de álcool nos últimos três meses e hemorragia gastrointestinal. Na Ásia, classicamente, o insulto hepático precipitante mais freqüente é reativação do virus da hepatite B e, menos frequentemente, sobreposição de hepatite E e A.

A polêmica do termo ACLF e sua utilidade prática

Ainda há bastante polêmica a respeito deste termo. A terminologia “ACLF” parece ser inadequada para descrever as situações propostas nas definições originais, uma vez que engloba uma série de cenários clínicos distintos.

O termo ACLF inicialmente deveria ser empregado em situações nas quais um paciente portador de cirrose (insuficiência hepática crônica) apresente uma agressão hepática aguda (agudização) e a partir deste momento evolua com piora da função hepática e, em seguida, falência orgânica extra-hepática.

No entanto, há casos em que o paciente se enquadra no conceito mesmo sem ter deterioração aguda da função hepática, como quando o cirrótico tem falência orgânica (renal, repsiratória), sem necessariamente ter falênica hepática, mas preenche critérios para ACLF.

Outra questão que dificulta a interpretação do conceito de ACLF é a piora aguda da função hepática em portadores de hepatopatias crônicas sem cirrose por evento precipitante hepático, como ocorre em uma lesão induzida por droga em pacientes com outras doenças hepáticas de base. Nesses casos, o termo ACLF também parece ser inadequado uma vez que esses indivíduos não apresentam insuficiência hepática crônica.

Atualmente, as definições de ACLF apresentadas devem ser consideradas incialmente ferramentas prognósticas, e não definições propriamente ditas, já que o próprio conceito de ACLF ainda está em desenvolvimento. O foco deve ser permitir uma melhor individualização do tratamento dos pacientes cirróticos. Há estudos com dados a respeito do transplante hepático em pacientes com ACLF mais avançado segundo a definição EASL-CLIF,sugerindo que esses critérios possam ser úteis como forma de definir os limites desta modalidade terapêutica nos pacientes mais graves.

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Referências:

  • Thierry Gustot’, Richard Moreau. Acute-on-chronic liver failure vs. traditional acute decompensation of cirrhosis. Journal of Hepatology DOI: https://doi.org/10.1016/j.jhep.2018.08.024ACLF
  • Leonardo Schiavion. Revista Brasileira de Hepatologia. Importância dos Critérios de “Acute on Chronic Liver Failure” do Consórcio EASL-CLIF -PRÓ

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