ESC 2021: pontos principais da nova diretriz de prevenção cardiovascular

No último congresso da ESC 2021 foi publicada uma nova diretriz de prevenção cardiovascular, que trouxe algumas mudanças.

No último congresso da European Society of Cardiology (ESC 2021) foi publicada uma nova diretriz de prevenção cardiovascular, que trouxe algumas mudanças. Segue abaixo um resumo dos principais pontos.

médica conversando com paciente sobre prevenção cardiovascular

Prevenção cardiovascular

A avaliação cardiovascular na população adulta permite detectar fatores de risco (FR) possibilitando instituição de tratamento adequado. Recomenda-se que seja realizada em homens com mais de 40 anos e mulheres com mais de 50 anos e deve ser repetida periodicamente, geralmente a cada cinco anos, quando o paciente não apresenta FR.

Principais fatores de risco e classificação de risco

Os principais FR modificáveis são as alterações do colesterol, hipertensão arterial, tabagismo e diabetes. Obesidade e aumento de tecido adiposo também aumentam o risco cardiovascular por estar relacionado aos outros FR e por mecanismos específicos.

O LDL está diretamente relacionado ao risco cardiovascular e sua redução diminui esse risco de forma segura mesmo com níveis bastante baixos (< 55mg/dL). O benefício do tratamento depende do risco do paciente e mesmo reduções pequenas podem ser de grande benefício para pacientes de alto ou muito alto risco.

O colesterol não HDL engloba todas as lipoproteínas aterogênicas e há uma boa relação do seu valor com o risco cardiovascular. Esse é o colesterol utilizado nos escores de risco recomendados pela diretriz. Já o colesterol HDL é inversamente associado ao risco cardiovascular e é um marcador que ajuda a refinar o risco cardiovascular. Não há evidência de que seu aumento leve a redução do risco.

Hipertensão arterial está relacionada a doença cardiovascular aterosclerótica e não aterosclerótica (doença coronária (DAC), insuficiência cardíaca (IC), doença cerebrovascular, doença arterial periférica (DAP), doença renal crônica (DRC) e fibrilação atrial (FA)). O benefício da redução da pressão arterial (PA) depende do risco absoluto do paciente e da redução absoluta da pressão arterial sistólica (PAS) e os limites inferiores dependem da tolerabilidade segurança do paciente.

O tabagismo é responsável por 50% das mortes evitáveis nos pacientes tabagistas e metade dessas é por DCV.

O diabetes mellitus (DM) tipo 1, tipo 2 e o pré diabetes são FR independentes para DCV. Paciente com DM tipo 2 geralmente tem múltiplos FR para DCV, como hipertensão e dislipidemia.

Escores de risco

Os escores de risco nos ajudam a selecionar os pacientes que terão maior benefício do tratamento dos FR (quanto maior o risco, maior o benefício). A idade interfere de forma importante no cálculo do risco: geralmente quando fazemos o cálculo para mulheres com menos de 50 anos e homens com menos de 40 anos, o risco costuma ser baixo e para homens com mais de 65 e mulheres com mais de 75 anos, o risco costuma ser alto. A idade intermediária é a que tem mais influência dos FR modificáveis no cálculo do risco.

Por conta disto, a diretriz recomenda que o risco seja calculado por categorias de idade: < 50 anos, 50-69 anos, ≥ 70 anos. Também recomenda o cálculo do risco para pacientes diabéticos e com doença cardiovascular estabelecida, além do cálculo do risco em 10 anos e ao longo da vida, principalmente para os mais jovens, que normalmente tem o risco em 10 anos baixo.

O escore de risco sugerido, o SCORE2 estima o risco de eventos cardiovasculares fatais ou não fatais (IAM e AVC) em 10 anos, na população de 40 a 69 anos. Para os pacientes com 70 anos ou mais recomenda-se o SCORE2-OP, que estima o risco de eventos em 5 e 10 anos. Isso evita que a idade superestime o risco nesses pacientes mais idosos.

É importante ressaltar que esses scores foram calibrados para grupos de países da Europa e regiões próximas, com diferentes riscos cardiovasculares, que foram divididos em baixo, intermediário, alto e muito alto risco. Esse score não deve ser extrapolado para outras regiões, já que foi construído especificamente para esta população.

Mudança interessante foi que para cada faixa etária foi estipulado um valor de corte: para pacientes com menos de 50 anos, o risco é baixo quando menor que 2,5%, intermediário quando entre 2,5 e 7,5% e alto quando maior ou igual a 7,5%. Para pacientes com idade entre 50 e 69 anos, esses valores são menor que 5%, entre 5 e 10% e maior ou igual a 10% e para os com 70 anos ou mais correspondem a menos que 7,5%, entre 7,5 e 15% e maior ou igual a 15%. Ou seja, o valor de risco para iniciarmos tratamento nos pacientes mais jovens é menor.

Pacientes com DCV já estabelecida são classificados como muito alto risco. Após o tratamento, podemos classificá-lo em relação ao seu risco residual, mas grande parte dos pacientes continuará sendo de muito alto risco.

Em relação aos pacientes diabéticos tipo 2, geralmente são classificados como sendo de alto risco, exceto os que tem DM há menos de 10 anos, sem evidência de lesão de órgão alvo e sem outros fatores de risco cardiovasculares (esses são classificados como de risco intermediário). Os que tem lesão de órgão alvo podem ser classificados como de muito alto risco, assim como os com DCV estabelecida.

Fatores de risco adicionais podem alterar a classificação de risco do paciente, como a presença de estresse, fragilidade, obesidade, história familiar positiva para DCV, etnia do paciente, entre outros. Em relação a exames, um dos mais estudados e com resultados é o escore de cálcio na tomografia de coronária, que pode aumentar ou diminuir o risco do paciente. A ultrassonografia de carótidas para detectar presença de placa ou espessamento médio-intimal pode ser utilizada quando não há tomografia de coronárias disponível.

Algumas condições clínicas que também interferem no risco são a DRC, associada com muito alto risco cardiovascular, fibrilação atrial e insuficiência cardíaca, presença de câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças inflamatórias, entre outras. Essas condições devem ser levadas em conta na avaliação do paciente.

A partir da classificação de risco, guiaremos o tratamento dos pacientes, que é feito em duas etapas, a primeira em que se inicia o tratamento e a segunda com foco na sua intensificação, visando atingir os alvos de LDL, PA e glicemia.

Recomendações e metas de tratamento

Atividade física: todos os adultos devem realizar atividade física moderada de pelo menos 150 a 300 minutos por semana ou intensa de pelo menos 75 a 150 minutos por semana. Exercício resistido deve ser realizado em 2 ou mais dias da semana. Qualquer quantidade de atividade física já tem relação com redução de eventos e deve ser estimulada.

Dieta: dieta saudável é recomendada para todos, de preferência a dieta do Mediterrâneo ou semelhante. A gordura saturada deve ser substituída pela não saturada e a ingestão de sal deve ser reduzida. O consumo de álcool deve ser no máximo de 100g por semana e o consumo moderado de café não parece aumentar o risco do paciente.

Tabagismo: o paciente deve ser orientado a parar de fumar, independente do risco cardiovascular e pode fazer uso de medicações especificas para auxiliá-lo.

Dislipidemia:

– Pacientes com menos de 70 anos:

A meta de LDL para os pacientes de muito alto risco com menos de 70 anos e pacientes com DCV estabelecida deve ser < 55mg/dL, com redução de pelo menos 50% do valor inicial, a partir do uso de estatinas de alta potência na dose máxima tolerada. A meta para pacientes com alto risco é de 70mg/dL. Caso a meta não seja atingida com estatina, devemos associar ezetimiba.

Para prevenção secundária, caso a meta ainda não seja atingida pode-se usar inibidor de PCSK9, o que também pode ser indicado na prevenção primária, porém com nível de evidência menor. Caso o paciente não tolere o uso de estatina, deve usar ezetimiba ou inibidores do PCSK9.

Quando o paciente apresenta muito alto risco e hipertrigliceridemia, a medicação de escolha também é a estatina. Se o LDL estiver na meta e o triglicérides se mantiver > 200mg/dL pode-se indicar fenofibrato ou bezafibrato e nos de alto ou muito alto risco pode-se indicar o icosapentil.

– Pacientes com mais de 70 anos:

O tratamento com estatinas também é recomendado de acordo com o risco do paciente, sendo indicada nos casos de alto ou muito alto risco. Se o paciente apresentar disfunção renal ou houver risco de interação medicamentosa, a estatina deve ser iniciada em dose menor.

– Paciente com diabetes:

Pacientes de muito alto risco (com lesão de órgão alvo ou DCV estabelecida) tem meta de LDL < 55mg/dL, com redução de pelo menos 50% do valor inicial. Para pacientes diabéticos com mais de 40 anos e alto risco, a meta é < 70mg/dL. Estatina pode ser considerada em pacientes com menos de 40 anos com lesão de órgão alvo e LDL maior que 100mg/dL. Caso a meta não seja atingida, associa-se ezetimiba.

– Pacientes com DRC:quando apresentam aumento de triglicérides, LDL normal e HDL baixo e tem risco alto ou muito alto, devem usar estatina ou estatina associada a ezetimiba. Pacientes dialíticos não devem iniciar terapia com estatina, que deve ser mantida caso já estivesse em uso quando iniciada dialíse.

Hipertensão arterial:

Os pacientes podem ser classificados como tendo pressão ótima, pressão normal, normal-alta, hipertensão estágios 1,2 e 3 e hipertensão sistólica isolada.

Caso a PA esteja nos valores ótimos, deve ser reavaliada pelo menos a cada 5 anos. Caso normal a cada 3 anos, normal-alta anualmente e caso apresente-se maior ou igual a 140×90 deve ser confirmada por medidas repetidas no consultório ou com MAPA ou MRPA.

Pacientes com diagnóstico de hipertensão devem ser avaliados para outros fatores de risco cardiovasculares e em relação a lesão de órgão alvo (hipertrofia ventricular esquerda, disfunção renal e retinopatia). O ecocardiograma é recomendado para pacientes com alterações eletrocardiográficas e o fundo de olho recomendado para hipertensão estágios 2 e 3 ou presença de diabetes.

O tratamento medicamentoso está indicado a partir da hipertensão estágio 1, principalmente se houver lesão de órgão alvo. O objetivo é controlar a pressão em até 3 meses e a meta inicial é alcançar valor menor que 140mmHg de PA sistólica e 80mmHg de diastólica. Na reavaliação devemos intensificar o tratamento para alcançar PA sistólica entre 120 e 130mmHg e caso fique abaixo disso, com boa tolerabilidade do paciente, o tratamento deve ser mantido.

Para os pacientes com mais de 70 anos, podemos tentar manter a PA sistólica abaixo de 130mmHg, desde que o paciente tolere. Caso não seja possível, o alvo deve ser menor que 140mmHg.

O tratamento inicial recomendado é com a combinação de duas medicações mesmo que em doses baixas (de preferência associadas em um único comprimido para melhorar a aderência), pois é mais efetiva que uma medicação única. Se não foi possível controle com duas medicações, acrescenta-se um terceira.

Combinações preferenciais para tratamento com duas medicações: IECA ou BRA associado a BCC ou diurético. Esquemas com três medicações: IECA ou BRA associado a BCC e diurético. Caso o paciente necessite de mais medicação, o que configura hipertensão resistente, a escolha é espironolactona. O beta bloqueador deve ser usado se o paciente tiver indicação específica desta medicação (IAM, arritmias ou IC, por exemplo).

Diabetes:

O rastreio de DM é feito pela dosagem de glicemia em jejum ou da hemoglobina glicada. O tratamento tem como objetivo manter a hemoglobina glicada menor que 7%. A medicação inicial de escolha para pacientes sem DCV, DRC ou IC é a metformina. Pacientes que tem DCV estabelecida, tem indicação de usar agonistas do GLP1 ou inibidores do SGLT2, com melhora de desfechos cardiovascular e renal. Pacientes com DM e DRC também tem indicação de inibidores do SGLT2.

Outros tratamentos

Aspirina é recomendada para prevenção secundária e clopidogrel pode ser usado como alternativa. Pacientes com DM e alto ou muito alto risco podem usar aspirina como prevenção primária, desde que não tenham contra indicação, porém com nível de evidencia menor.

Colchicina em baixa dose (0,5mg 1x ao dia) pode ser considerada para prevenção secundária, caso os outros fatores de risco não estejam bem controlados ou o paciente tenha eventos recorrentes apesar de tratamento otimizado.

Conclusão

Esta diretriz trouxe novidades em relação a anterior, com mudanças na estratificação de risco. Porém os escores foram validados basicamente na população europeia, não devendo ser extrapolado para nossa população.

Em relação ao tratamento, há algumas recomendações novas, como a preferência pelos inibidores de SGLT-2 em alguns subgrupos de diabéticos e a possibilidade de uso de colchicina na prevenção secundária.

Veja mais do ESC 2021:

Referência bibliográfica:

  • Visseren FLJ, et al. 2021 ESC Guidelines on cardiovascular disease prevention in clinical practice: Developed by the Task Force for cardiovascular disease prevention in clinical practice with representatives of the European Society of Cardiology and 12 medical societies With the special contribution of the European Association of Preventive Cardiology (EAPC). European Heart Journal, ehab484, https://doi.org/10.1093/eurheartj/ehab484 Published: 30 August 2021

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