Escherichia coli resistente por transplante de microbiota fecal

Inicialmente usado em infecções por C. difficile, o transplante de microbiota fecal vem ganhando espaço como alternativa para outros tratamentos.

Inicialmente usado para o tratamento de infecções resistentes por Clostridioides difficile (antiga Clostridium difficile), o transplante de microbiota fecal vem ganhando espaço como possível alternativa para o tratamento de outras condições, não só distúrbios gastrointestinais, mas também neurológicos, comportamentais e metabólicos.

Os eventos adversos relacionados à técnica são raros, podendo ser inflamatórios, infecciosos ou relacionados ao procedimento. Estudos controlados não mostraram eventos adversos graves e nem diferença em sua frequência entre pacientes imunocomprometidos e imunocompetentes.

Até o momento, quatro casos de bacteremia após transplante fecal foram relatados na literatura, mas em três deles havia outro possível foco e o quarto estava associado à broncoaspiração durante o procedimento. Recentemente, a New England Journal of Medicine publicou o relato de dois casos de bacteremia após transplante fecal em que as bactérias isoladas foram rastreadas até um mesmo doador.

bactérias resistentes sendo tratadas com transplante fecal

Eventos relacionados ao transplante fecal

Os pacientes eram participantes de dois testes clínicos diferentes utilizando transplante fecal, realizados na mesma instituição, a qual utiliza fezes de doadores para fabricar as cápsulas usadas como tratamento. Todos os doadores são submetidos a exames de triagem para avaliação de possibilidade de infecções que possam ser transmitidas pelo procedimento conforme regulação pelo FDA.

O primeiro paciente foi um homem de 69 anos com cirrose participando de um estudo com uso de transplante fecal para o tratamento de encefalopatia hepática refratária e que desenvolveu uma pneumonia com bacteremia no 17º dia após o término das cápsulas com material fecal. Já o segundo caso correspondeu a um homem de 73 anos submetido a transplante de medula óssea por síndrome mielodisplásica e que estava em um estudo avaliando o uso preemptivo de cápsulas de microbiota fecal antes e depois de transplante de células hematopoiéticas.

Mais da autora: Infecção por Clostridium difficile em pacientes imunossuprimidos: como manejar?

Após cinco dias da infusão das células hematopoiéticas e oito dias após a última dose das cápsulas do estudo, o paciente desenvolveu febre, calafrios e alteração de consciência, evoluindo para insuficiência respiratória e posteriormente óbito.

Em ambos os casos, hemoculturas isolaram o crescimento de Escherichia coli produtora de ESBL, o que levou à avaliação das cápsulas com material fecal administradas aos pacientes em questão. A investigação confirmou que ambos os participantes receberam cápsulas do mesmo lote, com fezes do mesmo doador.

Todos os lotes desse doador específico foram testados e continham E. coli ESBL com padrão de suscetibilidade semelhante, mas não idêntico, ao das bactérias isoladas nas hemoculturas dos pacientes. Análise genética posterior mostrou que as bactérias recuperadas nas três amostras – nas duas hemoculturas e nas cápsulas dos lotes daquele doador específico – eram organismos clonais. Amostras de fezes de ambos os pacientes, coletadas antes do início do tratamento com transplante fecal, não mostraram crescimento de ESBL em cultura, o que reforça a hipótese de transmissão pelo procedimento.

Segundo os autores do relato de caso, o doador não apresentava nenhum fator de risco para colonização por microrganismos multirresistentes. Ambos os pacientes apresentavam, devido às suas doenças de base, fatores de risco para bacteremia e o uso de profilaxias com antimicrobianos foi considerado como um possível fator que favoreceu a seleção e manutenção dos organismos resistentes na microbiota intestinal após o transplante fecal.

Embora complicações infecciosas continuem extremamente raras com a técnica de transplante fecal e que seus benefícios para o tratamento de infecções refratárias por C. difficile já tenham sido demonstrados, esse relato de caso mostra que transmissão por essa via é possível, inclusive de organismos resistentes, não se constituindo somente um risco teórico.

Portanto, avaliação cuidadosa dos riscos e benefícios e ampliação da triagem de doadores podem ser necessárias antes de implementar a técnica, principalmente em pacientes com risco aumentado de bacteremia.

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Referência bibliográfica:

  • DeFilipp, Z, Bloom, PP, Soto, MT, Mansour, MK, Sater, MRA, Huntley, MH, Turbett, S, Chung, RT, Chen, YB, Hohmann, EL. Drug-Resistant E. coli Bacteremia Transmitted by Fecal Microbiota Transplant. N Engl J Med 2019. DOI: 10.1056/NEJMoa1910437

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