Esclerose sistêmica: PFP é suficiente para a avaliação inicial do acometimento pulmonar?

Atualmente, a principal causa de morte em pacientes com esclerose sistêmica é o acometimento pulmonar. A doença intersticial pulmonar pode acometer 40-60%.

Atualmente, a principal causa de morte em pacientes com esclerose sistêmica (SSc) é o acometimento pulmonar. A doença intersticial pulmonar (PID) pode acometer 40-60% dos pacientes com SSc, em graus variáveis, que podem requerer ou não tratamento específico. Sabemos que esse tipo de acometimento afeta predominantemente aqueles com a forma cutânea difusa da doença (dcSSc).

Por esses motivos, é fundamental que o médico que acompanha pacientes com SSc esteja atento para essas complicações e realize de maneira rotineira o rastreamento para sua detecção. De acordo com o consenso europeu recentemente publicado no Lancet Rheumatol (2020), todo paciente com SSc deve realizar uma TC de tórax no momento do diagnóstico, associado à prova de função pulmonar (que deve ser repetida periodicamente, de modo geral 1 vez ao ano ou mais frequente conforme a necessidade/sintomas).

No entanto, apesar de ser o padrão-ouro para a detecção de PID, sabemos que a realização de TC de tórax com alta resolução (TCAR) apresenta seus inconvenientes, como alto custo, disponibilidade limitada em alguns locais e exposição à radiação ionizante.

Além disso, alguns estudos demonstraram uma baixa sensibilidade da prova de função pulmonar (PFP) na detecção de PID em pacientes com SSc de maneira geral, quando considerada isoladamente.

Pensando nisso, Bernstein et al. desenvolveram um estudo para avaliar a sensibilidade da PFP na detecção de PID em pacientes com dcSSc (subgrupo de SSc com mais alto risco de desenvolver o acometimento pulmonar).

PFP na esclerose sistêmica

Os pacientes utilizados nesse estudo foram obtidos do registro PRESS (Prospective Registry of Early Systemic Sclerosis), um estudo prospectivo multicêntrico de pacientes com dcSSc precoce (definido como <2 anos de duração de sintomas compatíveis com SSc, exceto fenômeno de Raynaud). Todos os pacientes preencheram critérios classificatórios ACR/EULAR 2013, que você pode encontrar em uma calculadora do Whitebook. Foram incluídos todos os pacientes da coorte que realizaram PFP e TCAR (ambas tiveram indicação clínica pelo médico assistente).

Resultados

Foram incluídos 212 adultos com dcSSc que realizaram PFP e TCAR. A média de duração da doença foi de 1,2±0,7 anos, com idade média de 51,7±13,8 e 32,2% de positividade para anti-Scl70 e 49,4% para anti-RNA polimerase III. Como era de se esperar, a maioria dos pacientes era do sexo feminino (67,9%). O escore de Rodnan modificado (mRSS) médio foi de 20,8±10,3.

Com relação aos resultados de PFP, a média de capacidade vital forçada (CVF) foi de 80,4±18,8% do predito, capacidade pulmonar total (CPT) 86,7±20,4% do predito e DLCO 68,4%±24,4% do predito. Já na TCAR, 44% dos pacientes apresentavam alterações compatíveis com PID; desses, apenas 63% apresentavam CVF <80% do predito.

A avaliação da sensibilidade dos diversos parâmetros da PFP encontrou os seguintes valores: 63% para CVF <80% do predito, 46% para CPT <80% do predito e 80% para DLCO <80% do predito. A análise em paralelo com CVF <80% do predito ou DLCO <80% do predito foi a que apresentou a melhor sensibilidade (85%).

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O valor preditivo negativo (VPN) da CVF <80% do predito nessa população de dcSSc (prevalência de 54%) foi de 61%, aumentando para 70% quando avaliada em conjunto com a DLCO <80% do predito. DLCO <80% do predito nesse contexto apresentou VPN de 68%.

Comentários

Os dados apresentados pelos autores mostram que a PFP, se utilizada isoladamente, apresenta, na melhor das hipóteses, uma sensibilidade moderada para o rastreamento de PID em pacientes com dcSSc. No entanto, dada a potencial gravidade do acometimento pulmonar na dcSSc, esses valore são insuficientes.

É válido lembrar que estamos discutindo estratégias de rastreamento e detecção precoce da doença intersticial pulmonar, visando um tratamento adequado nos moldes do Scleroderma Lung Trial. Nesse contexto, é fundamental que os testes utilizados no rastreamento apresentem alta sensibilidade.

Além disso, vale destacar que a DLCO foi o parâmetro isolado que mais contribuiu para o rastreamento, com melhores valores de sensibilidade e VPN. No entanto, essa é uma avaliação que não está amplamente disponível em diversos serviços no Brasil, o que limita ainda mais a PFP como exame de rastreamento em nosso contexto social e econômico.

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Este estudo apresenta limitações, como o desenho transversal e a ausência de rastreamento universal na coorte original (apenas 75% dos casos realizaram os dois exames). Outro ponto que merece destaque é que a solicitação dos exames foi baseada indicação clínica, ou seja, provavelmente era mais provável que pacientes sintomáticos realizassem os exames. Por fim, não houve estratificação da gravidade da doença pulmonar.

Os autores do artigo original concluem que a PFP é insuficiente para a detecção de PID na dcSSc, quando utilizada isoladamente. Dessa forma, eles recomendam que todos os pacientes com dcSSc realizem uma TCAR de base, juntamente com PFP, para rastrear PID em pacientes com dcSSc.

Referência bibliográfica:

  • Bernstein EL, Jaafar S, Assassi S, et al. Performance characteristics of pulmonary function tests for the detection of interstitial lung disease in adults with early diffuse cutaneous systemic sclerosis. Arthritis Rheumatol 2020;doi:10.1002/art.41415.

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