Especial: como a cronobiologia pode ajudar a médicos e pacientes

A cronobiologia tem sido utilizada em diversas linhas de estudo na medicina: na área molecular, na fisiologia, na psicologia e até na saúde pública.

A cronobiologia, que significa “tempo na vida”, tem sido utilizada em diversas linhas de estudo na medicina: na área molecular, na fisiologia, na psicologia e até na saúde pública. Por exemplo, você sabia que a melhor hora de tomar uma vacina é pela manhã? Isso porque o organismo produz mais de quatro vezes mais anticorpos protetores das 9 às 11 horas.

No entanto, no caso de uma cirurgia cardíaca, as perspectivas de sobrevivência a longo prazo dos seus pacientes serão significativamente melhores se a operação acontecer de tarde.

Todas as espécies expressam ritmos, tanto no plano coletivo (migrações de aves), como no individual (ciclo vigília/sono humano), no funcionamento de órgãos (batimentos cardíacos), como na atividade de genes nas células (análise de genes envolvidos em ritmos circadianos), como explica o professor sênior Luiz Menna-Barreto, titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), um dos responsáveis pela introdução da cronobiologia no país e que atualmente está ativo na área da pesquisa e no ensino de pós-graduação, em entrevista para o Portal PEBMED.

“O médico deve (ou deveria) conhecer os ritmos presentes nas funções que avalia em sua prática, além de investigar a expressão desses ritmos na experiência de vida anterior do paciente e, finalmente, estar atento a queixas envolvendo dificuldades percebidas pelos pacientes envolvendo os seus ritmos. Esse tipo de olhar confere ao clínico uma visão mais ampla das queixas do paciente, com o benefício de chamar a atenção do paciente na forma de convite a refletir sobre suas rotinas de vida/trabalho”, destaca Luiz Menna-Barreto.

Cronobiologia: a importância do entendimento dos ritmos circadianos

De fato, os ritmos circadianos parecem ditar recuperação física de infecções e lesões das pessoas. E uma melhor compreensão desses ritmos pode permitir que medicamentos e intervenções sejam – no futuro – administrados aos pacientes nos momentos em que eles são mais propensos a serem eficazes e menos propensos a causar danos.

Segundo Luiz Menna-Barreto, o fortalecimento desses ritmos pode permitir que os pacientes se recuperem mais rapidamente, assim como reduzindo até alguns sintomas físicos da doença.

Hipócrates já observava com interesse um fluxo e refluxo de 24 horas na gravidade da febre. A medicina tradicional chinesa também descreve a vitalidade de diferentes órgãos atingindo o pico em vários momentos: os pulmões entre 3h e 5h, o coração entre 11h e 13h, os rins entre 17h e 19h, e por aí vai.

No entanto, há um interesse renovado no efeito de nossos relógios corporais internos sobre doenças e tratamentos da medicina moderna, graças a um número crescente de estudos recentes.

Os pesquisadores da USP são pioneiros da área de cronobiologia no Brasil, assim como o professor Luiz Menna-Barreto. Os atuais projetos da universidade envolvem estudos em dois grandes temas: o ciclo entre a vigília e o sono nos humanos e a intermodulação de frequências em vertebrados.

A USP colabora ainda com outros laboratórios, com estudos sobre adaptação ao trabalho em turno, ritmos em invertebrados e ritmos comportamentais em primatas, além de gerar teses como a que resultou do estudo dos ritmos biológicos de memória e aprendizado em macacos prego (Cebus apella).

Como utilizar esses conhecimentos na prática médica

Para o pesquisador Luiz Menna-Barreto, o ideal é que o paciente registre em um diário por algumas semanas os seus horários de sono e vigília, se possível com registro da temperatura corporal em diversos horários ao longo do registro do sono.

Os postos de saúde podem também instruir os pacientes a preencherem os diários de sono e temperatura, trazendo os dados nos dias de consulta, o que é um modo de estimular as leituras da parte dos médicos.

“Ao seguir essa recomendação, o paciente está sendo convidado a refletir sobre as suas rotinas, o que certamente qualifica melhor o diagnóstico e, eventualmente, as opções terapêuticas. Há atualmente uma vasta literatura na área, tanto em periódicos especializados como em revistas de divulgação ao alcance dos profissionais de saúde”, indica o especialista.

Indivíduos diurnos versus noturnos

É verdade que os ritmos circadianos de todos os indivíduos não são os mesmos. Alguns são diurnos e outros noturnos. Uma proporção significativa da população também trabalha no turno da noite, o que gera um importante impacto no ritmo circadiano e na saúde.

Além disso, muitos edifícios hospitalares modernos têm janelas pequenas e pouca iluminação interna que permanece ligada dia e noite. Isso é problemático porque pouca luz do dia e muita luz artificial à noite prejudicam os ritmos biológicos e o sono.

Apresentar um ritmo biológico desalinhado é uma característica comum dos pacientes internados. Para agravar o problema, certos medicamentos, incluindo a morfina, também podem alterar o tempo dos relógios circadianos, enquanto o sono dos pacientes pode ser ainda mais interrompido por questões de dores, preocupações ou ruídos.
Infarto do miocárdio (IAM) tem maior risco de acontecer pela manhã e nas segundas-feiras

Algumas dessas evidências mais fortes vêm de pacientes com doenças cardíacas. E essas variações circadianas afetam eventos cardíacos graves, como os ataques cardíacos. Os estudiosos da cronobiologia afirmam que se os enfermeiros monitorassem os pacientes que entram nas enfermarias de emergência, descobririam que a maioria dos infartos ocorre entre às 6h e ao meio-dia.

A explicação é que pela manhã o sistema cardiovascular sofre uma sobrecarga de cortisol e adrenalina. Apesar de deixarem os pacientes mais dispostos, isso também eleva a pressão arterial e acelera a frequência cardíaca.

Já o dia de maior risco para o coração é a segunda-feira. A conclusão vem de um estudo da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, publicado em 2008, e realizado em 17 hospitais de 15 cidades do interior paulista.
Das 173 mil internações por infarto do miocárdio registradas ao longo de dez anos, 17% foram às segundas-feiras. Nos demais dias da semana, o índice de internação girou em torno de 14%.

“Para o trabalhador comum, a segunda-feira funciona como um gatilho que pode desencadear uma série de intercorrências cardíacas, como o IAM. O motivo é o estresse físico e emocional provocado pela transição de um período de descanso e relaxante para outro, de tensão e preocupações. Mas este tipo de situação só acomete quem tem alguma predisposição”, salientam os autores do estudo.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

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