Estudo EXCEL e suas controvérsias

Uma análise sobre as controvérsias com relação estudo de acompanhamento de cinco anos do EXCEL, que comparou os resultados de CABG e PCI.

O estudo EXCEL foi um estudo aberto, prospectivo, randomizado, multicêntrico que recrutou 1905 pacientes e comparou os resultados da cirurgia de revascularização do miocárdio (da sigla em inglês – CABG) e da intervenção coronária percutânea (da sigla em inglês – PCI) para o desfecho composto de morte, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral em pacientes com lesão de tronco da coronária esquerda, três (1) e cinco anos (2) após o procedimento.

Após a publicação dos resultados de cinco anos, o cirurgião cardíaco David Taggart, MD, PhD (Universidade de Oxford, Inglaterra), presidente do comitê cirúrgico do EXCEL durante a fase de concepção e recrutamento do estudo, se retirou do mesmo alegando que dados importantes sobre infarto do miocárdio não haviam sido publicados e que o estudo de acompanhamento de cinco anos não enfatizava suficientemente que, os pacientes recebendo PCI, tinham uma taxa de mortalidade mais alta do que aqueles com tratamento cirúrgico (3).

Uma análise sobre as controvérsias com relação estudo de acompanhamento de cinco anos do EXCEL.

Por que o EXCEL gerou tanto conflito no meio acadêmico?

O que aconteceu exatamente? A divergência se explica, simplificadamente, por quatro pontos:

  1. O peso da indústria no estudo – o CMO da Abbott (na época) é um dos autores, o que gera a dúvida sobre a presença de conflito de interesse.
  2. O estudo muda a definição de infarto, ignorando a definição universal de infarto do miocárdio, o que favorece o grupo PCI.
  3. O autor “subvaloriza” a maior mortalidade no grupo de pacientes recebendo PCI no artigo.
  4. Modificação da abordagem estatística por parte do autor, sem justificativa, alterando o resultado em favor do grupo de tratamento percutâneo.

A seguir, cada ponto será abordado individualmente:

  1. Peso da indústria

Vivemos a geração da medicina baseada em evidências, ou seja, trabalhos científicos ditam nossa conduta. Precisamos de estudos e os mesmos precisam de financiamento. Estudos financiados pela indústria, em sua maioria esmagadora, tem resultados favoráveis aos interesses dela. Artigos financiados pela indústria do tabaco tem noventa vezes mais chances de relatar que fumo passivo não causa danos à saúde (4).

Isso não significa haver nada ilícito, mas é preciso esse entendimento, pois essa dinâmica norteia nossa oferta de evidências. Para ilustrar: o SYNTAX, após divulgação de seus resultados de cinco anos mostrando a superioridade da cirurgia de revascularização para lesões com SYNTAX score alto e intermediário (5), perdeu o financiamento da Boston Scientific para seu seguimento de dez anos.

Da mesma maneira, os resultados de cinco anos do EXCEL, apesar de subvalorizados no artigo, mostram uma maior mortalidade no grupo PCI com tendência à maior divergência com o tempo (Fig.1). Quando uma sugestão foi feita para um acompanhamento mais longo, visto que os eventos e a mortalidade estavam divergindo nesse período, a Abbott Vascular recusou o financiamento além de cinco anos (6).

Outro ponto importante, a participação direta da indústria, com a inclusão do Chief Medical Officer (CMO) da Abbott (A. Pieter Kappetein) como um dos autores principais do estudo é, para dizer o mínimo, questionável. David Taggart ainda alegou que um terço dos autores do estudo recebeu honorários pessoais da Abbott, enquanto mais de 40% receberam honorários de outros fabricantes de stents (7).

Figura 1: Gráfico mostrando a maior mortalidade em pacientes submetidos ao tratamento percutâneo, quando comparado à cirurgia de revascularização do miocárdio.
  1. Mudança na definição de infarto do miocárdio 

A alteração da definição de infarto do miocárdio, por parte do autor, tem sido bastante criticada, não somente porque isso altera a definição de um desfecho primário do estudo, mas também porque impossibilita a comparação dos resultados com estudos prévios.

O protocolo inicial publicado pela NEJM (8) estipula o uso das duas definições (Universal Definition of Myocardial Infarction e a definição da Society for Cardiovascular Angiography and Intervention – SCAI), porém na análise de cinco anos esses dados são omitidos do artigo. Quando questionado, o autor alega ausência de dados para uso da definição universal de infarto do miocárdio, mas cai em contradição quando justifica o uso da nova definição, alegando menor correlação dos mesmos dados com mortalidade no grupo tratado com PCI (9).

Ainda sobre a ausência de dados, porém não mencionado pelo autor quando aborda o tema, o protocolo coloca a coleta de troponina como opcional e, logo, não realizada com frequência. A definição vigente na época diz que: na ausência de troponina a CKMB deve ser utilizada. No vazamento de dados para BBC estes dados estariam presentes para a maioria dos pacientes. Isso preocupou estatísticos e intervencionistas convidados por poder potencialmente alterar o resultado do estudo (3).

Note na Figura 2 como essa mudança altera a incidência de infarto, favorecendo o grupo PCI.

Figura 2: Diferentes incidências IM periprocedimento após PCI e CABG, de acordo com as duas definições (Universal e SCAI) (10).
  1. Subvalorização da maior mortalidade no grupo PCI

O autor apresenta os dados no artigo, mas usa de “subterfúgios” para camuflar a significância estatística do achado.

No texto, ao apresentar os dados, o autor cita o intervalo de confiança da variação percentual (CI 0,2-6,1) que é amplo e contém a hipótese nula 1, sugerindo não haver significância estatística. Na tabela 1 (Fig. 3), porém, o intervalo de confiança exclui a hipótese nula 1, mostrando haver sim significância estatística (13,0% versus 9,9%, respectivamente, odds ratio – OR 1,38; intervalo de confiança de 95% – IC 1,03-1,85; p = 0,002).

Figura 3: Tabela do artigo reportando dados de mortalidade. Note que o intervalo de confiança rejeita a hipótese nula 1, demonstrando significância estatística.

Além disso, no gráfico que ilustra a mortalidade, o valor “p” é omitido, aparecendo somente para revascularização por isquemia (Fig. 4). Se há intervalo de confiança de 95% e esse valor exclui a hipótese nula 1, o valor p será menor que o alfa estipulado, ou seja, menor que 0,05 e deveria aparecer no gráfico.

Figura 4 mostrando que a significância do valor “p” foi omitida do gráfico sobre mortalidade, comparando PCI e CABG.
  1. Alteração da abordagem estatística 

O ponto mais crítico é a alteração da análise estatística do estudo, sem qualquer explicação, por parte do autor. O estudo de três anos faz uma abordagem estatística de não-inferioridade, como de praxe para estudos comparando CABG com PCI (1). A análise de cinco anos, porém, muda para uma abordagem de superioridade (2). A alteração não foi pré-especificada no protocolo, nem justificada no artigo. Importante notar que, mantida a análise de não-inferioridade (com uma margem superior pré-especificada de 4,2%), como no estudo de três anos, ela não atenderia aos critérios existentes em cinco anos, porque o limite superior da diferença de 95% em 6,5 %, agora excede essa margem de não-inferioridade (11). Isso para o desfecho primário!

A repercussão foi grande com a retirada do apoio da Sociedade Europeia de Cirurgia Cardiotorácica (EACTS) das diretrizes de revascularização (EACTS/ ESC 2018), por considerar como insegura a recomendação de intervenção percutânea em lesões de tronco da coronária esquerda para SYNTAX score baixo e intermediário (12).

Outro estudo prospectivo, randomizado, multicêntrico, porém patrocinado pela Universidade de Aarhus na Dinamarca, o NOBLE (13), também comparou as duas estratégias terapêuticas (CABG e PCI) para o tratamento de lesões de tronco da coronária esquerda. O estudo conclui que a intervenção percutânea foi associada a um resultado clínico inferior em cinco anos, se comparada à cirurgia de revascularização. Pacientes tratados com PCI apresentaram maiores taxas de infarto do miocárdio e necessidade de novas intervenções. As Sociedades Europeias de Cardiologia (ESC) e EACTS concordaram em rever as diretrizes (14).

Referências bibliográficas:

  • Stone GW, Sabik JF, Serruys PW, Simonton CA, Genereux P, et al. Everolimus-Eluting Stents or Bypass Surgery for Left Main Coronary Artery Disease. N Engl J Med 2016; 375:2223-2235. DOI: 10.1056/NEJMoa1610227
  • Stone GW, Kappetein, AP, Sabik, JF, Pocock SJ , Morice,  MC,  et al. Five-Year Outcomes after PCI or CABG  for Left Main Coronary Disease n Engl J Med 2019;381:1820-30. DOI: 10.1056/NEJMoa1909406
  • Cohen D, Brown E. 09 December 2019. Surgeons withdraw support for heart disease advice. BBC newsnight acessado 12 fev 2021. https://www.bbc.com/news/health-50715156
  • Barnes DE, Bero LA. Why review articles on the health effects of passive smoking reach different conclusions. JAMA. 1998 May 20;279(19):1566-70. doi: 10.1001/jama.279.19.1566.
  •  Mohr FW, Morice MC, Kappetein AP, Feldman TE, Stahle E, et al. Coronary artery bypass graft surgery versus percutaneous coronary intervention in patients with three-vessel disease and left main coronary disease: 5-year follow-up of the randomised, clinical SYNTAX Trial. Lancet 2013 Feb 23;381(9867):629-38. doi: 10.1016/S0140-6736(13)60141-5.
  • Yadava OP. EXCEL trial—medicine turned on its head! Indian Journal of Thoracic and Cardiovascular Surgery (January–February 2020) 36(1):1–3 https://doi.org/10.1007/s12055-019-00893-0
  • O’riordan M. 07 October 2019. Former EXCEL Investigator Alleges Trial Manipulation, Prompting Vehement Denials. TCTMD acessado 12 fev 2021. https://www.tctmd.com/news/former-excel-investigator-alleges-trial-manipulation-prompting-vehement-denials
  • Stone GW, Sabik JF, Serruys PW, Simonton CA, Genereux P, et al. Everolimus-Eluting Stents or Bypass Surgery for Left Main Coronary Artery Disease. N Engl J Med 2016; 375:2223-2235. Supplementary appendix https://www.nejm.org/doi/suppl/10.1056/NEJMoa1610227/suppl_file/nejmoa1610227_appendix.pdf
  • Stone GW, Serruys, PW, Sabik, JF. PCI or CABG for Left Main Coronary Artery Disease. (2020). New England Journal of Medicine, 383(3), 290–294. doi:10.1056/nejmc2000645
  • Cho MS, Ahn JM, Lee CH, et al. Differential rates and clinical significance of periprocedural myocardial infarction after stenting or bypass surgery for multivessel coronary disease according to various definitions. JACC Cardiovasc Interv. 2017;10:1498–1507.
  • Kaul S. Should Percutaneous Coronary Intervention Be Considered for Left Main Coronary Artery Disease?: Insights From a Bayesian Reanalysis of the EXCEL Trial. JAMA Intern Med. 2020 Jun 1. doi: 10.1001/jamainternmed.2020.1644.
  • Mahase E, Surgical association withdraws support for stent adviceafter controversy over study. BMJ 2019;367:l7006 doi: 10.1136/bmj.l7006
  • Holm NR, Mäkikallio T, Lindsay MM, Spence MS, Erglis A, et al. Percutaneous coronary angioplasty versus coronary artery bypass grafting in the treatment of unprotected left main stenosis: updated 5-year outcomes from the randomised, non-inferiority NOBLE trial. The Lancet 2019; 395, 10219: P191-199. doi: 10.1016/s0140-6736(19)32972-1
  • O’riordan M. 06 October 2020. ESC and EACTS Announce Review of Left Main Revascularization Guidelines. TCTMD acessado 12 fev 2021. https://www.tctmd.com/news/esc-and-eacts-announce-review-left-main-revascularization-guidelines

 

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