Ética em cuidados paliativos perinatais

Uma revisão publicada no jornal Seminars of Perinatology analisou os fundamentos éticos para disponibilizar cuidados paliativos perinatais.

Os cuidados paliativos perinatais surgiram tanto de uma necessidade histórica no atendimento a bebês em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) que enfrentam difíceis chances de sobrevivência, quanto da crescente tecnologia que prolonga a vida, por meio do intenso desenvolvimento dos centros de diagnóstico e tratamento fetais nas últimas décadas.

Em uma espetacular revisão publicada no jornal Seminars of Perinatology, Brian Carter, presidente e professor de Humanidades Médicas e Bioética da University of Missouri-Kansas City School of Medicine and Children’s Mercy Bioethics Center, analisou a história e os fundamentos éticos para disponibilizar serviços de cuidados paliativos pediátricos e perinatais a famílias nos períodos pré e pós-natal que cuidam de um ente querido em circunstâncias limitantes.

cuidados paliativos perinatais

Cuidados paliativos perinatais

O artigo destaca que estabelecimento das UTIN nos últimos 50-60 anos marcou o início de uma morte mais visível de bebês cada vez mais prematuros, aqueles que requerem cirurgia e aqueles para os quais as tecnologias de suporte assistido à vida falharam. Nesse sentido, o campo da bioética construiu o caminho para os paliativistas e forneceu uma justificativa para o campo. Os serviços de cuidados paliativos adultos e pediátricos têm tido uma aceitação cada vez maior nos últimos 20 anos. É importante lembrar que a abordagem paliativa deve ser indicada desde o momento do diagnóstico.

Conceitos de bioética

Segundo Carter, os cuidados paliativos perinatais surgiram diante de um somatório das tecnologias de suporte à vida nas UTIN com os conceitos de bioética perinatal e cuidados paliativos pediátricos e são caracterizados por uma abordagem ampla que inclui:

  • Avaliação e diagnóstico pré-natal (gestação, valores e objetivos e plano de nascimento)

O que fazer ao diagnosticar uma condição genética potencialmente limitante da vida por ultrassom ou amniocentese com 16 a 20 semanas de gestação? A ressonância magnética do feto in utero forneceria informações para ajudar uma equipe perinatal a se preparar para o cuidado de gêmeos xifópagos? Como o aconselhamento pré-natal em torno do diagnóstico da síndrome do coração esquerdo hipoplásico e as escolhas que ele apresenta pode ser entendido de uma maneira que seja útil para a tomada de decisão familiar para o recém-nascido?

Todas essas questões surgem do desejo de fazer o bem, respeitar as pessoas, mitigar os danos e oferecer opções de cuidados que sejam exclusivas para todas as mães afetadas da mesma forma. Existem aspectos éticos para a comunicação médico-paciente, tomada de decisão, dinâmica da equipe de saúde, manejo da dor e dos sintomas, abordando questões existenciais e espiritualidade do paciente, cuidados dentro de um contexto cultural, cuidado psicossocial para familiares e cuidadores e muito mais.

Leia também: Cuidados Paliativos Pediátricos na visão da Sociedade Brasileira de Pediatria

À medida que esses assuntos foram se tornando cada vez mais tratados na UTIN e na obstetrícia, pode-se razoavelmente entender que, por extensão, eles podem ser projetados no período anterior e imediatamente após o nascimento.

  • Presença e apoio na sala de parto

Compreender as informações de diagnóstico fetal pode ajudar o neonatologista a se preparar para a sala de parto, antecipar uma resposta boa ou marginal à ressuscitação e como o curso na UTIN pode prosseguir. Um suporte psicossocial-espiritual pode ser necessário.

  • Pós-parto

O papel dos cuidados paliativos perinatais pode muito bem se estender aos cuidados pós-UTIN para alguns, como no berçário e em casa. Os recém-nascidos dependem dos adultos para discernir, abordar, defender e proteger seus melhores interesses.

Conclusões

O pesquisador conclui que o objetivo nos cuidados paliativos perinatais, como vale para a ética clínica, “é revigorar a medicina humanizada com foco na pessoa humana necessitada, e não apenas em sua doença; impulsionada por nosso compromisso com seus interesses e valores, ao invés de nossa paixão individual ou coletiva com a tecnologia e a busca de mera promessa científica. Na prestação de cuidados paliativos perinatais, viemos para responder primeiro a esses objetivos sendo humanitários e tratando uns aos outros de maneira humanizada ao prestarmos cuidados à mulher, seu parceiro e feto que vive em condições limitantes. E continuaremos presentes à medida que cada um desses pacientes, e equipe de saúde, nos permite atender às suas necessidades e formar novas percepções de como melhor manejar o fardo das doenças agudas e crônicas, e não apenas manter, mas melhorar a qualidade de cuidado que está ao alcance de todos.”

Veja mais: Cultivando a noção prognóstica em cuidados paliativos

Complementando a revisão de Brian Carter, o quadro abaixo (adaptado de Bolibio e colaboradores – reprodução dos autores autorizada por Lisandra Stein Bernardes Campi de Andrade) resume um modelo teórico para seguimento e tomada de decisões utilizando conceitos de cuidados paliativos no seguimento em medicina fetal.

Quadro: Modelo teórico para seguimento e tomada de decisões utilizando conceitos de cuidados paliativos no seguimento em medicina fetal

C – Converse sobre a doença  Reconhecer a possibilidade de comunicação sobre a doença do feto, dúvidas que possam existir, compreensão sobre a doença e sobre seu impacto na vida da criança. Usar técnicas de comunicação para avaliar quais são as necessidades da gestante. Estabelecer vínculo e empatia.  
E – Entenda o contexto do momento  Identifique os valores da família e suas necessidades, englobando a comunicação intrafamiliar, além de estratégias para reduzir o sofrimento. Proporcionar individuação do feto, oportunidades de contato e, caso seja desejado pela família, obtenção de memórias.  
P – Prepare o cuidado  Considerando os valores familiares, estabeleça metas de cuidado e as ações que são necessárias para que esses alvos sejam alcançados. 
O – Organize o momento do parto  Assegure cuidado adequado à gestante e ao neonato em todos os aspectos: tratamento, suporte, comunicação, psicológico, social e espiritual.  
S – Siga  Garanta um seguimento apropriado após o parto, considerando-se todos os possíveis desfechos do feto.  

Fonte: Adaptado de Bolibio et al., 2018

Referências bibliográficas:

  • Carter B. S. (2021). An ethical rationale for perinatal palliative care. Seminars in perinatology, 151526. Advance online publication.
  • Bolibio, R., Jesus, R. C. de A., Oliveira, F. F. de, Gibelli, M. A. B. C., Benute, G. R. G., Gomes, A. L., Nascimento, N. B. O. do, Barbosa, T. V. A., Zugaib, M., Francisco, R. P. V., & Bernardes, L. S. (2018). Cuidados paliativos em medicina fetal. Revista De Medicina, 97(2), 208-215.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.