Etomidato: É seguro fazer para sedação em pediatria?

Existe uma dúvida frequente que é se o etomidato é seguro para a sedação em pediatria. Saiba mais.

Com a escassez de sedativos ocorrendo em diversos países por conta da pandemia de COVID-19, uma dúvida frequente é se o etomidato é seguro para a sedação em pediatria. O etomidato é um agente sedativo/hipnótico de ação ultracurta, não barbitúrico, intravenoso (IV) liberado para uso clínico nos Estados Unidos desde 1972. Seus efeitos clínicos são o resultado da potencialização do sistema neurotransmissor inibidor do ácido gama-aminobutírico (GABA), aumentando sua inibição, com a alteração da condutância do cloreto transmembrana.

Sendo assim, como qualquer medicamento que altera a atividade GABA ou do aminoácido excitatório N-metil D-Aspartato (NMDA), pode levar à neurotoxicidade por um processo denominado apoptose do neurodesenvolvimento induzida por drogas, resultando em problemas cognitivos e comprometimento comportamental do cérebro em desenvolvimento. Ao contrário de outros agentes sedativos e hipnóticos, apenas o enantiômero R (+) tem efeitos clínicos. Após a administração IV de uma única dose em bolus, ocorre perda de consciência em 5 a 30 segundos. Sua duração de ação é relativamente curta (10 a 20 minutos), o que deve ser considerado ao usá-lo para estudos de imagem mais longos que podem exigir doses adicionais ou uma infusão contínua. 

Etomidato na pediatria

Como ele age

Tal como acontece com os barbitúricos e o propofol, o etomidato diminui a taxa metabólica cerebral de oxigênio, levando à vasoconstrição cerebral com redução do volume e do fluxo sanguíneo cerebral (reduzindo o fluxo de sangue no cérebro em 20 a 30%). Esses efeitos fisiológicos resultam em uma diminuição do volume de sangue cerebral e da pressão intracraniana (PIC), especialmente no contexto de hipertensão intracraniana.

Portanto, o etomidato exibe efeito de proteção cerebral por diminuir o fluxo sanguíneo cerebral e a utilização de O2 pelo cérebro, sendo recomendado como sedativo de escolha no traumatismo cranioencefálico (TCE), principalmente se houver hipotensão. Não possui propriedades analgésicas e pode reduzir o limiar de convulsão nos pacientes com risco para crises convulsivas, como epilépticos, por exemplo. Semelhante ao uso de propofol, a subsedação pode ocorrer se uma criança for intubada com etomidato e com a maioria dos bloqueadores neuromusculares disponíveis, uma vez que a duração de ação desses agentes é maior do que a do etomidato. Isso pode causar agitação e pode ter um efeito prejudicial em pacientes com alto risco de aumento da PIC, como, por exemplo, na lesão cerebral traumática e no acidente vascular cerebral.

O etomidato é rapidamente metabolizado no fígado em metabólitos inativos e cerca de 75% da dose administrada é excretada na urina durante o primeiro dia após a injeção. Ele preserva bem a hemodinâmica, não causando diminuição na resistência vascular sistêmica e nem na resistência vascular periférica. Além disso, não tem efeito negativo na contratilidade miocárdica. É uma escolha excelente para sedação profunda em pacientes com função ventricular prejudicada, sendo geralmente bem tolerado nesta população.

A frequência de eventos adversos quando o etomidato é administrado como agente único para sedação em procedimentos pediátricos é de aproximadamente 1%. Os eventos adversos mais comumente relatados incluem depressão respiratória, vômitos e mioclonia não epileptiforme. A frequência de mioclonia não-epileptiforme em crianças que recebem etomidato como agente único para procedimentos não dolorosos parece ser menor do que em adultos (<1% versus até 80%, respectivamente).

Etomidato em adultos e crianças

Em adultos, pequenos estudos sugerem que o uso prévio de midazolam 0,15 mg/kg, sulfato de magnésio ou etomidato em dose mais baixa (0,03 a 0,05 mg/kg) reduz significativamente a frequência de mioclonia. No entanto, dada a menor frequência desse efeito em crianças, a administração rotineira desses medicamentos ou dessa dose mais baixa parece injustificada. Alguns autores, contudo, propõem que, se a mioclonia ocorrer durante o procedimento em pediatria, o uso de midazolam IV é sugerido. Os eventos adversos podem ser mais frequentes quando o etomidato é combinado com um opioide. Laringoespasmo pode ocorrer, sendo um importante efeito colateral. 

O etomidato causa dor durante a administração IV, que pode ser reduzida pelo pré-tratamento IV com 0,5 mg/kg de lidocaína sistêmica que é injetada um minuto antes do etomidato com a aplicação de um torniquete. A dor também é diminuída pela injeção em uma veia antecubital, ao invés de um acesso venoso na mão.

Uso nas UTIP

O etomidato raramente é usado em Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) (<1%), mas ainda é frequentemente usado em salas de trauma em departamentos de emergência. Continua a ser um agente eficaz para indução anestésica na sala de cirurgia, bem como para sedação durante a intubação endotraqueal na UTIP e na emergência.

O uso do etomidato em UTIP é limitado, principalmente devido a preocupações devido à inibição da biossíntese enzimática de hormônios esteroides e estudos que demonstram uma associação de seu uso com aumento de mortalidade. O etomidato pode inibir a esteroidogênese adrenal, causando uma diminuição nas concentrações de cortisol plasmático. Esse efeito na esteroidogênese recentemente gerou controvérsia em relação ao seu uso no cuidado de pacientes graves.

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Embora uma única administração possa ser altamente eficaz, recomenda-se evitar a administração repetida de etomidato em um paciente crítico devido ao seu efeito na esteroidogênese. Há controvérsias em torno da sua segurança em dose única para indução de sequência rápida em pacientes com sepse. Embora resulte na depressão da função adrenal por até 24 horas após uma dose única, há de fato discussões na literatura quanto ao impacto clínico desse efeito, diante dos benefícios do medicamento. Enquanto se aguarda um grande ensaio clínico randomizado em crianças, aconselha-se não utilizá-lo em pacientes pediátricos sépticos, a menos que não haja outras opções consideradas hemodinamicamente seguras, por causa dos riscos não completamente definidos de supressão adrenal e de aumento da mortalidade.

Considerações

Portanto, recomenda-se cautela em pacientes com quadros infecciosos, devido ao potencial de supressão adrenal-hipofisária. Existem poucas contraindicações na escolha dos medicamentos usados na sequência rápida de intubação, mas uma delas inclui evitar o etomidato em crianças com choque séptico devido ao risco de supressão adrenal, prejudicando a estabilidade hemodinâmica.

A dose preconizada de indução é em torno de 0,2 a 0,4 mg/kg. O Quadro abaixo mostra dados referentes às doses de etomidato em pediatria:

Indução anestésica
Lactentes Dados disponíveis muito limitados.

IV: 0,2 a 0,3 mg/kg/dose em dose única.

Crianças com menos de 10 anos de idade Dados disponíveis limitados.

IV: 0,2 a 0,3 mg/kg/dose em dose única.

Crianças com idade igual ou superior a 10 anos e adolescentes Dose usual: IV: 0,3 mg/kg/dose em dose única.

Intervalo: 0,2 a 0,6 mg/kg/dose.

Sedação para procedimentos Dados disponíveis limitados.
Bebês ≥6 meses, crianças e adolescentes IV: Dose inicial usual: 0,2 mg/kg/dose antes do procedimento (intervalo relatado: 0,1 a 0,4 mg/kg/dose). Podem ser necessárias doses repetidas, dependendo da resposta do paciente e da duração do procedimento. As doses repetidas variam na literatura de 0,05 a 0,2 mg/kg/dose. A dose total relatada varia de 0,3 a 0,6 mg/kg/procedimento. Essas doses foram obtidas com base em vários estudos prospectivos e retrospectivos, principalmente no cenário de emergência. Os procedimentos incluíram reduções ortopédicas e sedação para TC. As doses repetidas podem ser administradas a cada 5 minutos. 

O etomidato não tem propriedades analgésicas. Terapia adicional com o uso de fentanil, por exemplo, pode ser necessária para procedimentos dolorosos.

Sequência rápida de intubação Dados disponíveis limitados.
Bebês, crianças e adolescentes IV, IO: 0,2 a 0,4 mg/kg/dose em dose única. Dose máxima: 20 mg/dose .

Não recomendado para pacientes em choque séptico devido a uma associação entre supressão adrenocortical transitória e aumento da taxa de mortalidade.

Insuficiência renal e insuficiência hepática
A duração do efeito é prolongada em pacientes com disfunção hepática ou renal. Não há ajustes de dosagem fornecidos na bula do fabricante em relação à insuficiência renal e hepática. Deve ser usado com cuidado, pois o risco de toxicidade é maior em pacientes com insuficiência renal.

Legenda: IO – intraósseo; IV – intravenoso; TC – tomografia computadorizada. Fonte: Adaptado de Lexicomp (2021). 

 

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