EULAR 2019: novidades na diretriz de manejo do lúpus eritematoso sistêmico

O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença complexa, de apresentação, curso e prognóstico variados, e representa um desafio de diagnóstico e de manejo. Saiba mais:

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O lúpus eritematoso sistêmico é uma doença sistêmica complexa, de apresentação, curso e prognóstico variados, e representa, frequentemente um desafio diagnóstico e de manejo. Com crescente interesse científico a respeito, vem acumulando novas estratégias de tratamento e arsenal terapêutico.

A EULAR, uma das principais sociedades de reumatologia no mundo, publicou recentemente as atualizações na diretriz para manejo do lúpus eritematoso sistêmico (LES), baseadas nas novas evidências científicas.

Recomendações da EULAR 2019

Objetivos do tratamento: melhorar o desfecho dos pacientes a longo prazo por meio da remissão de doença com melhora de sinais e sintomas, prevenção de sequelas, minimização de efeitos colaterais dos medicamentos utilizados e melhora da qualidade de vida.

  • SLEDAI ≤3 com antimaláricos ou SLEDAI ≤4 e PGA ≤1 com prednisona ≤7,5 mg/dia e imunossupressores bem tolerados mostraram remissão satisfatória com minimização de danos acumulados (por doença e por droga) e prevenção de flares.

Medicamentos

  • Hidroxicloroquina (HCQ): é recomendada a todos os pacientes com LES – o guideline sugere a dose de 5mg/kg/dia devido ao risco de retinopatia ser menor nessa dose, mas considera que a dose bem estabelecida para LES é de 6,5mg/kg/dia e que ainda não há estudos comparando desfecho com ambas as doses. O rastreio de lesão retiniana deve ser feito no início do tratamento, após cinco anos e anualmente após – exame de campo visual e/ou tomografia de coerência óptica (OCT).
  • Glicocorticoides: ação rápida mas com muitos efeitos colaterais acumulados no médio-longo prazo, sendo ideal a suspensão, e quando não for possível, a redução para ≤7,5mg/dia. Pulsoterapia com metilprednisolona é utilizada em situações agudas e acometimento orgânico grave (nefrite ou neurolúpus).
  • Imunossupressores: a utilização facilita o desmame de corticoide e previne flares. A escolha de qual droga se dá pela manifestação da doença, idade, vontade de gestar, segurança e custo.
  • Metotrexate (MTX): indicado quando há controle pobre de sintomas após um curso de corticoide ou quando a HCQ sozinha é insuficiente. Formalmente contraindicado na gestação.
  • Azatioprina (AZA): indicação semelhante do MTX, mas compatível com a gestação (embora seja pela bula medicamento classe D, são crescentes as experiências bem sucedidas desse medicamento na gravidez).
  • Micofenolato de mofetil (MMF): imunossupressor potente com ação na nefrite lúpica e no LES extra-renal, mas não nos sintomas neuropsiquiátricos. Incompatível com a gestação.
  • Ciclofosfamida (CYC): terapia de resgate na doença grave (renal, cardiopulmonar ou neuropsiquiátrica) e/ou na doença refratária. Gonadotóxica, necessita de cautela em pacientes na idade fértil. O uso concomitante com análogos do GnRH (ex: leuprolide) reduz a depleção da reserva ovariana associada à CYC e é indicado em mulheres na pré-menopausa.
  • Biológicos: rituximab é usado apenas off-label em pacientes com doença renal grave ou extra-renal refratária (principalmente hematológica ou neuropsiquiátrica). Belimumab deve ser considerado em pacientes com doença extra-renal com controle inadequado com os medicamentos de primeira linha. Os pacientes com alto índice de atividade (SLEDAI >10), necessidade de prednisona >7,5mg/dia, evidência sorológica de atividade (consumo de C3/C4, altos títulos de anti-DNAds) e manifestações cutâneas e musculoesqueléticas são os mais propensos a ter boa resposta.

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Manifestações específicas

  • Cutânea: proteção ultravioleta com protetor solar de amplo espectro (UVA e UVB) e cessação do tabagismo são fortemente recomendados. Agentes de primeira linha são corticoide ou inibidores da calcineurina (ex: tacrolimus) tópicos e antimaláricos, com ou sem corticoide sistêmico. Nos não respondedores, MTX, retinoides, dapsona e MMF são opções.
  • Neuropsiquiátrica: investigação por imagem e líquor é necessário para o diagnóstico e exclusão de diagnósticos diferenciais. O tratamento depende do mecanismo fisiopatológico da lesão/manifestação: se inflamatório (corticoide ou imunossupressores) ou tromboembólico/isquêmico (anticoagulantes/antitrombóticos) – nesse caso geralmente com anticorpos antifosfolipídeos presentes. Antipsicóticos ou ansiolíticos também podem ser indicados, dependendo da manifestação.
  • Hematológica: manifestações que geralmente necessitam de imunossupressão são trombocitopenia (PTI) e/ou anemia hemolítica autoimune (AHAI). Na PTI com plaqueta <30.000 é indicada dose moderada/alta de corticoide em combinação com AZA, MMF ou CYC, podendo-se lançar mão da pulsoterapia com metilprednisolona. Alternativas terapêuticas aos não-respondedores aos corticoides são imunoglobulina (IVIG) e rituximab. A AHAI é menos comum e os princípios terapêuticos são semelhantes à PTI. A leucopenia é comum no LES, mas raramente precisa de tratamento, mas é necessário o diagnóstico diferencial com outras causas de leucopenia, principalmente induzida por drogas (AZA e MMF são mielotóxicas).
  • Renal: diagnóstico por biopsia é necessário. O tratamento da nefrite lúpica envolve duas fases – de indução e de manutenção. Para indução são utilizados MMF e CYC, com alguns esquemas possíveis a depender da gravidade da nefrite (queda na taxa de filtração glomerular, presença de crescentes, fibrose intersticial, atrofia tubular), e para manutenção são utilizados MMF ou AZA. Na doença refratária ou recidivante pode-se utilizar rituximab. Inibidores da calcineurina (tacrolimus) podem ser considerados agentes de segunda linha para manejo da nefrite lúpica membranosa ou na doença proliferativa com síndrome nefrótica refratária.

Comorbidades

  • Síndrome do anticorpo antifosfolipídio (SAAF): associada a eventos tromboembólicos e complicações obstétricas, é uma doença com alta morbidade relacionada. Pacientes com LES que possuem anticorpos antifosfolipídios (aPL) isolados podem se beneficiar de baixa dose de AAS como profilaxia primária – necessário avaliar risco hemorrágico e risco trombótico (maior se tripla positividade de aPL, anticoagulante lúpico ou altos títulos de anticardiolipina). O manejo da SAAF secundária (a que é associada ao LES) deve ser o mesmo da SAAF primária. O uso dos anticoagulantes diretos é contraindicado devido a um estudo que demonstrou aumento de eventos trombóticos no braço da rivaroxabana.
  • Infecções: risco de infecções é relacionado tanto à doença em si quanto ao tratamento imunossupressor. É indicada vacinação contra influenza e pneumo-13 e pneumo-23, preferencialmente na doença estável. Ainda não há estudo sobre a vacinação contra herpes zoster nessa população. O diagnóstico precoce de sepse é essencial na redução da morbimortalidade.
  • Doença cardiovascular: o LES é um fator de risco independente para doença cardiovascular devido a inflamação crônica, nefrite lúpica, presença de aPL e uso de glicocorticoides. Baixa dose de AAS pode ser considerada na prevenção primária, mas deve-se avaliar também o risco hemorrágico. O uso rotineiro de estatina não é recomendado para todos os pacientes, mas pode ser considerado com base no perfil lipídico e na presença de outro fator de risco tradicional.

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Referências:

  • Fanouriakis A, Kostopoulou M, Alunno A, et al 2019 update of the EULAR recommendations for the management of systemic lupus erythematosus Annals of the Rheumatic Diseases Published Online First: 29 March 2019. doi: 10.1136/annrheumdis-2019-215089

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