Exantema súbito (roséola ou sexta doença)

O exantema súbito é uma doença comum da infância causada por uma infecção primária pelo herpes-vírus humano (HVH) 6.

O exantema súbito ou sexta doença (também conhecido popularmente como roséola) é uma doença comum da infância causada por uma infecção primária pelo herpes-vírus humano (HVH) 6 e, menos frequentemente, pelo HVH-7. Cerca de 90% dos casos de exantema súbito ocorrem em crianças com menos de dois anos de idade [1].

O exantema súbito é encontrado universalmente e descobriu-se que é a causa de 10 a 45% das doenças febris em bebês. Devido à febre alta e à capacidade do vírus de atravessar a barreira hematoencefálica (BHE), 15% das crianças também poderão apresentar uma convulsão febril aguda. É uma doença autolimitada, cujo diagnóstico é clínico e cujo tratamento é baseado no uso de medidas de suporte e de sintomáticos. É interessante notar que o HVH-6 provavelmente permanecerá latente em pacientes imunocompetentes, mas pode ser uma das principais causas de morbidade e mortalidade em pacientes imunossuprimidos [1].

Nesse artigo, revisamos o exantema súbito em crianças.

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Exantema súbito

Etiologia

O principal agente causador do exantema súbito é o HVH-6, um vírus de ácido desoxirribonucleico (DNA) da família Herpesviridae, subfamília betaherpesvirinae e do gênero Roseolovirus, intimamente relacionado ao citomegalovírus (CMV) humano e ao HVH-7. Este grupo de betaherpesvírus é conhecido por ter menos tropismo celular do que outros membros da família Herpesviridae [1,2].

O HVH-6 contém um genoma de DNA linear de fita dupla e é flanqueado por repetições terminais diretas que contêm reiterações de um hexanucleotídeo, GGGTTA. Acredita-se que essas reiterações desempenham um papel na manutenção do genoma viral em células infectadas de forma latente [1,2].

Epidemiologia

O exantema súbito é uma doença infecciosa viral cuja transmissão ocorre, provavelmente, por perdigotos. O período de incubação varia de 5 a 15 dias, ocorrendo o contágio durante a fase de viremia, sobretudo no período febril da doença. Na imensa maioria das vezes, acomete crianças pequenas de seis meses a seis anos de idade, com predomínio em menores de dois anos, sugerindo que existe uma determinada proteção devido a anticorpos maternos e que o vírus tenha elevada prevalência na comunidade, pois quase todas as crianças já possuem imunidade quando atingem a fase pré-escolar [3,4]. A doença costuma ser transmitida em ambientes fechados, como escolas e creches. Todavia, mesmo crianças que não frequentam esses locais podem ter contato com o vírus em outras situações, como na própria casa ou em festas infantis, por exemplo. Inclusive, as crianças podem ter contato com o agente viral, mas não desenvolver as manifestações clínicas da doença [3].

Cerca de 50 a 60% das crianças são soropositivas para HVH-6 aos 12 meses e quase 100% da população pediátrica está infectada aos três anos. A idade média de aquisição é de nove meses. A infecção primária pelo HVH-7 geralmente ocorre um pouco mais tarde, sendo adquirida em uma idade mediana de 26 meses, e mais de 90% de soroprevalência é alcançada aos seis a dez anos de idade. A infecção primária por HVH-6 é a causa mais comum de visitas hospitalares associadas à febre em bebês e é responsável por 20% das febres em crianças de seis a 12 meses de idade, bem como um terço das convulsões febris em crianças de até dois anos [5].

Uma característica do exantema súbito é que surge principalmente nos meses de primavera e de outono [6].

Durante a pandemia de Covid-19, as incidências de doenças infecciosas adquiridas na comunidade diminuíram em muitos países. No entanto, em um estudo conduzido em Niigata, a incidência de exantema súbito antes (2016–2019) e durante a pandemia (2020) não diferiu substancialmente, embora os pacientes no segundo semestre de 2020 fossem mais velhos do que os de 2016-2019. Esses achados sugerem que o exantema súbito pode ser transmitido principalmente entre os membros da família, não na comunidade [7].

Patogênese

O HVH-6 replica-se mais comumente nos leucócitos e nas glândulas salivares durante a infecção primária e, portanto, estará presente na saliva. Pesquisas mostraram que altos níveis de metaloproteinase 9 e inibidor tecidual de metaloproteinases 1 no soro de bebês infectados com HVH-6 podem levar à disfunção da BHE que, por sua vez, pode ajudar a causar convulsões febris. A invasão precoce do sistema nervoso central (SNC) também foi demonstrada [1].

O HVH-6 tem duas subespécies virais, HVH-6A e HVH-6B. O HVH-6B é conhecido como o vírus causador do exantema súbito na infância, enquanto doenças específicas associadas ao HVH-6A ainda não foram identificadas. Após a invasão primária, o HVH-6B infecta persistentemente os leucócitos do hospedeiro e pode reativar se o hospedeiro desenvolver um estado severamente imunossupressor [2]. Isso significa que o paciente saudável adquire imunidade duradoura e não apresentará novos episódios da doença futuramente. Entretanto, pacientes imunossuprimidos podem desencadear novo episódio [2,3]. Ambas as variantes entram na célula via interação com CD46. O HHV-6B está envolvido no processo de fusão à membrana celular por um mecanismo indefinido, o nucleocapsídeo é transportado através do citoplasma e o genoma do DNA viral é liberado no nucleoplasma em complexos de poros nucleares. Foi demonstrado que o HVH-6 se replica de forma mais eficaz em células T CD4+. O HVH-6 permanece latente em linfócitos e monócitos após uma infecção primária aguda com as glândulas salivares e tecido cerebral que abrigam infecção persistente por HVH-6 [1].

Quadro clínico

O exantema súbito se inicia subitamente, com febre elevada e contínua e é considerado uma das causas mais frequentes de convulsão febril. A criança evolui com extrema irritabilidade e anorexia. Apesar da febre alta, o paciente não apresenta toxemia. Achados comuns incluem linfonodomegalia cervical e hiperemia de cavum [4].

Durante a febre, as crianças podem permanecer ativas e em bom estado geral. No entanto, também podem desenvolver outras manifestações clínicas, como mal-estar, conjuntivite, edema orbital, inflamação das membranas timpânicas, linfadenopatia, abaulamento da fontanela, diarreia, tosse e outros sintomas do trato respiratório superior. Manchas uvulopalatoglossais também conhecidas como manchas de Nagayama, são pápulas eritematosas encontradas no palato mole e na úvula que são vistas em dois terços dos pacientes com exantema súbito [1].

Depois de um período de três a cinco dias de febre, surge o exantema de forma súbita, assim como a cessação da febre que também ocorre abruptamente. O exantema é caracterizado pela presença de lesões maculopapulares rosadas de 2,0 a 5,0 mm de diâmetro. Um halo pálido pode ocorrer ao redor das máculas e pápulas em alguns casos. Inicialmente, as lesões aparecem no tronco e se disseminam para cabeça e extremidades, sendo tipicamente não pruriginosas, esbranquiçadas e podem persistir de um a dois dias. A erupção cutânea dura um período curto, variável de algumas horas a dois a três dias. Por fim, desaparece sem descamação ou hiperpigmentação da pele [1,4].

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico. Exames laboratoriais não são necessários, mas às vezes são realizados durante a fase febril da doença para descartar outros diagnósticos. Pode haver leucocitose, com normalização da contagem de leucócitos durante um período de sete a dez dias após a doença [1].

A indicação da infecção primária se dá somente com a identificação do HVH-6 ou HVH-7 no sangue periférico. Testes para a identificação de anticorpos podem ser efetuados. Contudo, a análise dos resultados deve ser muito cautelosa, devido à possibilidade de infecções crônicas com reativações, as quais podem acontecer com quaisquer herpes-vírus [2,3].

Diagnóstico diferencial

Apesar do exantema súbito ser caracterizado por uma apresentação clínica clássica, ele pode ser confundido com outros exantemas virais febris da infância, como sarampo, rubéola e escarlatina [5].

Outros diagnósticos diferenciais incluem infecções por enterovírus e adenovírus, que podem causar febre e erupção cutânea. Além disso, o exantema súbito pode ser difícil de distinguir de uma reação alérgica medicamentosa em crianças, pois medicamentos, como antibióticos, são frequentemente administrados durante o período febril, e a erupção pode aparecer coincidentemente logo depois. Ademais, essas reações podem mimetizar o exantema súbito na morfologia e distribuição troncular.

Portanto, uma anamnese detalhada pode ajudar a diferenciar as duas condições. Por fim, a síndrome de hipersensibilidade induzida por drogas (drug-induced hypersensitivity syndrome – DIHS) e a síndrome DRESS associada (reação a drogas com eosinofilia e sintomas sistêmicos – drug reaction with eosinophilia and systemic symptoms) pode se apresentar com febre prodrômica, edema periorbital e erupção morbiliforme nas semanas após a exposição inicial à droga, embora a DRESS geralmente se apresente em uma idade mais avançada do que o exantema súbito e evolua com falência de múltiplos órgãos, não comumente vista na infecção pelo HVH-6 [5].

Tratamento

Não existe um tratamento específico para o exantema súbito. A maioria dos casos é leve e autolimitada. Dessa forma, o tratamento é de suporte com repouso, manutenção da ingestão de líquidos e antitérmicos para controle da febre. Não há necessidade de antialérgicos, pois a erupção não é pruriginosa. Não há vacinação ou terapia antiviral para a fase aguda do exantema súbito até o momento [1].

Complicações

A infecção primária por HVH-6 tem sido associada a uma grande variedade de complicações potenciais, incluindo miocardite, rabdomiólise, trombocitopenia, síndrome de Guillain-Barré e hepatite. A presença de DNA de HVH-6 no órgão alvo ou outros fluidos corporais como evidência de infecção ativa por HVH-6 tem sido usada por muitos relatos de casos e pequenos estudos de caso [1].

De acordo com Cristoforo e colaboradores (2020), os profissionais devem ter em mente a associação entre HVH-6 e fontanela abaulada. Esse conhecimento pode evitar exames desnecessários, incluindo punções lombares, antibióticos e hospitalizações para bebês em bom estado geral com sinais e sintomas consistentes com exantema súbito. O exantema súbito é tipicamente uma doença autolimitada e não ameaçadora; no entanto, pode causar encefalite, meningite e óbito. Portanto, é importante acompanhar e aconselhar as famílias sobre as possíveis complicações e sequelas dessa condição aparentemente benigna. Mais pesquisas são essenciais para entender e confirmar completamente a patogênese da hipertensão intracraniana em associação com o exantema súbito [8].

Em um survey realizado em 2009 no Japão, Yoshikawa e colaboradores estimaram que 61,9 casos de encefalite associada ao exantema súbito por HVH-6 ocorram a cada ano no país [9]. Recentemente, Kasai e colaboradores (2021) relataram o caso de uma menina de 12 meses com encefalopatia aguda com convulsões bifásicas e difusão tardia reduzida (EACD) devido à infecção primária por HVH-6. Ela foi tratada com sucesso para a EACD, incluindo controle de temperatura direcionado e administração de vitamina B1, B6 e L-carnitina. Embora a carga viral do HHV-6 em seu líquor fosse alta (12.000 cópias/mL), ela se recuperou totalmente sem o uso de agente antiviral [2].

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • MULLINS, T. B.; KRISHNAMURTHY, K. Roseola Infantum. In: STAT PEARLS. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2021
  • KASAI, A. et al. Reduced impact of viral load of HVH-6 in liquor on severity of AESD due to exanthema subitum: A case report and literature review. Brain Dev, v.43, n.8, p.879-883, 2021
  • MARQUES, S. R. “Roséola afeta principalmente crianças, diz especialista”. 2016. Disponível em: https://radios.ebc.com.br/tarde-nacional/roseola-afeta-principalmente-crian%C3%A7as-diz-especialista  Acesso em: 03/04/2022
  • MARQUES, H. H. S.; SAKANE, P. T. Viroses exantemáticas. In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Tratado de Pediatria. 4ª ed. Barueri: Manole, 2017. p.985-993
  • STONE, R. C.; MICALI, G. A.; SCHWARTZ, R. A. Roseola infantum and its causal human herpesviruses. Int J Dermatol, v.53, n.4, p.397-403, 2014
  • SILVA, J. A. et al. Abordagem Diagnóstica das Doenças Exantemáticas na Infância. Rev Med Saúde Brasília, v.1, n.1, p.10-19, 2012
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  • CRISTOFORO, T. et al. The Not-So-Soft Spot: Pathophysiology of the Bulging Fontanelle in Association With Roseola. Pediatr Emerg Care, v.36, n.10, p.e576-e578, 2020
  • YOSHIKAWA, T. et al. Exanthem subitum-associated encephalitis: nationwide survey in Japan. Pediatr Neurol., v.41, n.5, p.353-358, 2009