Gravidez e falso positivos para espondiloartrite axial na ressonância magnética de sacroilíacas

A ressonância magnética permitiu um avanço no diagnóstico e tratamento da espondiloartrite, mas sabe-se que algumas condições podem mimetizar as alterações.

A ressonância magnética (RM) das articulações sacroilíacas (SI) permitiu um grande avanço com relação ao diagnóstico e, consequentemente, tratamento de espondiloartrite axial não radiográfica (nr-axSpA), devido à sua alta sensibilidade. No entanto, já é conhecido que algumas condições podem mimetizar as alterações inflamatórias das nr-axSpA, como variações anatômicas, sobrecarga mecânica devido a atividade física intensa e idade mais avançada, o que pode levar ao sobrediagnóstico dessa condição.

Durante a gestação e o parto, as articulações pélvicas passam por diversas alterações hormonais e por estresse mecânico, podendo levar à dor lombar e/ou pélvica. Alguns estudos já demonstraram alterações inflamatórias na RM de SI no período pós-parto por mais de 16 meses. Além disso, existem estudos que demonstraram alterações inflamatórias e estruturais em mulheres multíparas.

Com base nisso, Hoballah et al. conduziram um estudo para avaliar a prevalência de edema medular ósseo (EMO) nas SI de pacientes nulíparas, no período pós-parto imediato (até 12 meses após o parto) e no pós-parto tardio (após 24 meses depois do parto). Além disso, os autores tentaram identificar fatores associados com essa alteração na RM.

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A gravidez pode gerar resultados falso positivos para espondiloartrite axial na ressonância magnética de sacroilíacas?

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, que incluiu pacientes encaminhadas pelo serviço de ginecologia para a realização de RM por diversas indicações que não fossem relacionadas a queixas ou suspeitas de doença musculoesquelética.

Os critérios de inclusão foram: ter entre 18 e 50 anos; disponibilidade da sequência STIR (short tau inversion recovery) ou T2 fat-sat; e possuírem seguro de saúde. Já os critérios de exclusão foram: história pessoal ou familiar de doença inflamatória; período entre 12 e 24 meses após o parto; gestação no momento da RM; história de doença pélvica, trauma ou cirurgia.

Dentre as informações coletadas por questionário, estavam incluídas variáveis demográficas, antecedentes médicos e prática de exercício físico.

A RM foi realizada em aparelhos de 1,5 T, e as SI foram avaliadas por 2 radiologistas especialistas em aparelho musculoesquelético. Cada RM foi classificada como positiva ou negativa para os critérios ASAS. Em caso de discordância entre os 2 radiologistas, um terceiro radiologista foi consultado.

O desfecho primário analisado foi a presença de EMO e/ou lesões estruturais (erosões, osteófitos, anquilose e esclerose) nas SI, conforme a definição do ASAS handbook.

O tamanho amostral calculado foi de 297 (119 nulíparas, 59 pós-parto precoce e 119 no pós-parto tardio), para um poder de 80% e diferença esperada de 20% entre os grupos. As pacientes foram analisadas de novembro de 2015 a maio de 2019.

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Resultados

Dos 517 pacientes avaliadas, 423 foram elegíveis. Dessas, 219 eram nulíparas, com idade média de 30,9±7,7 anos e IMC médio de 23,1±4,8; 25% tinham antecedente de dor lombar e/ou pélvica e 23% praticavam esportes capazes de sobrecarregar as SI. Já o grupo de pós-parto precoce (75% com apenas um filho, 18% com 2 e 7% com 3 ou mais) incluiu 60 mulheres com idade média de 31,2±4,5 anos e IMC médio de 24±4,5; 42% tinham relato prévio de dor lombar e/ou pélvica e 37% praticavam atividade física capaz de sobrecarregar as SI. Por fim, no grupo pós-parto tardio (40% com apenas um filho, 28% com 2 e 31% com 3 ou mais), foram incluídas 144 mulheres (44% com antecedente de dor lombar e/ou pélvica e 19% com prática de esportes) com idade média de 38,3±6,2 anos, com IMC de 24±5,1.

As diferenças estatísticas encontradas para as características basais foram as seguintes: mulheres do grupo pós-parto tardio eram mais velhas e faziam menos exercício físico, e mulheres nulíparas apresentaram menor histórico de dor lombar e/ou pélvica dos que aquelas que já tiveram filhos.

Achados

Com relação aos achados na RM, o EMO foi mais frequente nas pacientes no pós-parto precoce (33%), quando comparados com nulíparas (14%, p = 0,001) e com o pós-parto tardio (21%, p = 0,071 – sem significância estatística para essa última comparação). As pacientes nulíparas tiveram EMO de menor dimensão do que as dos grupos pós-parto precoce e tardio. Das pacientes que apresentaram EMO, cerca de 70-80% em todos os grupos preencheram critérios ASAS para sacroiliíte. A prevalência de erosões foi baixa (todas menores que 7%) e semelhante entre os grupos. Uma pequena parcela dessas pacientes apresentou simultaneamente erosões e EMO, sem diferença entre grupos. A presença de esclerose foi mais frequente nos grupos de mulheres que já tiveram filhos, quando comparadas com as nulíparas.

Os pesquisadores encontraram que a idade mais avançada (OR 1,03 por ano, p = 0,038) e o período pós-parto precoce (OR 3,03, p = 0,001) se associaram com a presença de EMO, quando comparadas com nulíparas. Além disso, pacientes com EMO apresentaram maior chance de dor lombar e/ou pélvica no passado, erosões, esclerose e osteófitos.

Comentários

Como pudemos observar nos resultados desse estudo, pacientes com baixa probabilidade pré-teste, quando submetidos ao estudo das SI através da RM, podem apresentar resultados falso positivos, levando ao diagnóstico errado de nr-axSpA. A frequência de EMO identificada nos exames dessas pacientes foi relativamente alta.

Um dado interessante é que as pacientes no pós-parto precoce tiveram maior frequência de EMO do que as nulíparas. Com relação ao pós-parto tardio, elas também apresentaram uma maior tendência a apresentar EMO, porém sem diferença estatisticamente significativa.

Dessa maneira, a principal mensagem desse estudo é que sempre devemos estar atentos à probabilidade pré-teste antes de solicitar a RM, uma vez que ela pode trazer resultados falso-positivos. Como foi demonstrado, o período pós-parto pode influenciar na interpretação da imagem e tanto o reumatologista quanto o radiologista musculoesquelético devem estar atentos para essa questão para evitar diagnósticos errados.

Referências bibliográficas:

  • Hoballah A, Lukas C, Leplat C, et al. MRI of sacroiliac joints for the diagnosis of axial SpA: prevalence of inflammatory and structural lesions in nulliparous, early postpartum and late postpartum women. Ann Rheum Dis. 2020. doi:10.1136/annrheumdis-2020-217208.

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