Fragilidade no paciente grave: o que o intensivista precisa saber – parte 1

A presença de fragilidade aumenta o risco de desfechos desfavoráveis e eventos adversos no paciente grave.

O envelhecimento populacional é algo atual. As novas tecnologias e melhorias contínuas nos processos de saúde (descobertas de novos tratamentos, novas modalidades diagnósticas…) são aspectos desse contexto, contribuindo para o aumento da expectativa de vida.

Em 2011, Nguyen et al, em publicação no periódico Annals of Intensive Care, trouxe projeções populacionais interessantes. Espera-se que de 2020 a 2050, a população acima de 80 anos, na América do Sul aumente de 2% para 5,7% (mais que o dobro). O mesmo vale para o continente europeu com aumento de 5% para 8,9% dessa população.

No cenário da terapia intensiva, lidamos cada vez mais com populações de idade avançada, fazendo valer as previsões e epidemiologia atual do envelhecimento. Peigne et al, em 2016, analisou a intensidade de tratamento recebida por pacientes na terapia intensiva e mortalidade, conforme idade em uma coorte nacional. Os pacientes com idade avançada, em geral, receberam intensidade de tratamento similar aos pacientes com menor idade. A mortalidade foi maior quanto maior a idade cronológica.

No entanto, a idade cronológica avançada é o único preditor para desfechos ruins na terapia intensiva? Precisamos ir além dessa abordagem tradicional. E agora, quero te apresentar o conceito de fragilidade.

Leia também: Drogas vasoativas: 10 dicas para uso no paciente grave com hipotensão

Conceituando fragilidade

Lembra aquele seu paciente com várias comorbidades, capacidade funcional prévia reduzida e que internou com por um quadro séptico? Independente da idade, você infere que tal paciente possui baixa reserva orgânica. Além do quadro grave atual, você pode lidar com descompensações das comorbidades, o que pode afetar o prognóstico naquele momento. Esse seu protótipo de paciente carrega consigo um estado de maior vulnerabilidade à má resolução da homeostase após um estresse ou evento agudo. Acabamos, então, de conceituar fragilidade.

A fragilidade consiste em combinação HETEROGÊNEA de fatores como: mobilidade reduzida, fraqueza, redução da massa muscular, estado nutricional inadequado, redução da função cognitiva. Sua presença aumenta o risco de desfechos desfavoráveis e eventos adversos, incluindo quedas, delirium, hospitalização e incapacitação.

  • Fragilidade não é uma comorbidade!
  • Fragilidade NÃO é sinônimo de idade avançada e independe do processo de envelhecimento! 

Alguns modelos conceituais ajudam a ampliar o detalhamento da condição. Modelos baseados em fenótipos físicos (Figura A), acumulação de déficits (Figura B) e envolvendo aspectos sociais (Figura C) descrevem as várias facetas que envolvem a fragilidade.

Retirado de: De Biasio et al. Frailty in Critical Care Medicine: A Review, Anesthesia & Analgesia: June 2020. doi: 10.1213/ANE.0000000000004665

Como mensurar a fragilidade na prática?

Existem duas escalas frequentemente utilizadas nos principais estudos envolvendo fragilidade e pacientes graves: a Clinical Frailty Score (CFS) e o Modified Frailty Index (mFI).

Clinical Frailty Score

Utiliza principalmente dados relacionados à capacidade funcional na classificação, que varia em escala de 1 a 9. A CFS de 5 classifica como fragilidade leve.

Para sua adequada utilização, considere o estado de funcionalidade prévio do paciente à doença aguda.

Sua interpretação recai na baseline de funcionalidade do paciente e não no momento do estado agudo. Colete uma adequada história clínica para a correta classificação. Valores ≥ 6 estão relacionados a piores desfechos em UTI.

Tal escala foi validada para pacientes com idade ≥ 65 anos.

Mais sobre a escala você encontra aqui: https://www.dal.ca/sites/gmr/our-tools/clinical-frailty-scale.html

Modified Frailty Index (mFI)

O índice leva em conta 11 itens. Difere da CFS por envolver maior número de dados relacionados às comorbidades dos pacientes. Apenas um item relaciona-se à funcionalidade prévia. Veja abaixo os itens envolvidos no índice.

  • História de Diabetes Mellitus;
  • História de Insuficiência Cardíaca Congestiva;
  • História de Hipertensão Arterial com demanda medicamentosa;
  • História de Ataque Isquêmico Transitório ou Acidente Vascular Cerebral;
  • Status Funcional nível 2 (não independente);
  • História de infarto agudo do miocárdio;
  • História de doença vascular periférica;
  • História de Acidente Vascular Cerebral com Déficit Neurológico;
  • História de DPOC ou pneumonia prévia;
  • História prévia de intervenção coronariana percutânea, cirurgia cardíaca ou angina;
  • História de alteração do estado mental;
Retirado de: Farhat, et al. Are the frail destined to fail? Frailty index as predictor of surgical morbidity and mortality in the elderly. Journal of Trauma and Acute Care Surgery. June 2012;72(6):1526-1531

Saiba mais: Ultrassom no paciente grave: ampliando a avaliação da hipoperfusão no choque

Interpretamos da seguinte forma:

Pontuação: Um ponto por item. Fragilidade Máxima = 11 pontos.

0 pontos: sem fragilidade

1-2 pontos: pré-frágil

≥ 3 pontos: gravemente frágil (levando em conta o escore, corresponde a ≥ 0,27).

O Índice de Fragilidade Modificado é amplamente utilizado em UTIs incluídas na rede nacional de gestão de UTIs. O principal estudo brasileiro sobre fragilidade na UTI também utilizou tal índice.

Na parte 2 desta série, vamos abordar as aplicações práticas da fragilidade em relação à desfechos e como utilizar tais escores de forma rotineira na Unidade de Terapia Intensiva. Não deixe de conferir!

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.
Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Hoover M, Rotermann M, Sanmartin C, Bernier J. Validation of na index to estimate the prevalence of frailty among community-dwelling seniors. Health Rep. 2013; 24:10–17.
  • De Biasio, Justin C. MD*; Mittel, Aaron M. MD†; Mueller, Ariel L. MA*; Ferrante, Lauren E. MD‡; Kim, Dae H. MD§; Shaefi, Shahzad MD, MPH* Frailty in Critical Care Medicine: A Review, Anesthesia & Analgesia: June 2020;130(6):1462-1473. DOI: 10.1213/ANE.0000000000004665
  • Farhat, et al. Are the frail destined to fail? Frailty index as predictor of surgical morbidity and mortality in the elderly, Journal of Trauma and Acute Care Surgery: June 2012;72(6):1526-1531. DOI: 10.1097/TA.0b013e3182542fab
  • Frailty and long-term outcomes following critical illness: A population-level cohort study. Andrea D. Hill, Robert A. Fowler, Hannah Wunsch, Ruxandra Pinto, Damon C. Scales. Journal of Critical Care. 2019. DOI: 10.1016/j.jcrc.2020.11.021
  • Darvall JN, Bellomo R, Paul E, et al. Routine Frailty Screening in Critical Illness: A Population-Based Cohort Study in Australia and New Zealand. Chest. 2021;160(4):1292-1303. DOI:10.1016/j.chest.2021.05.049
  • Zampieri FG, Iwashyna TJ, Viglianti EM, et al. Association of frailty with short-term outcomes, organ support and resource use in critically ill patients. Intensive Care Med. 2018;44(9):1512-1520. DOI:10.1007/s00134-018-5342-2

Especialidades