Gastroparesia por canabinoides: o que já se sabe sobre essa síndrome?

Gastroparesia é uma síndrome de retardo do esvaziamento gástrico na ausência de obstrução mecânica, gerando retenção do conteúdo gástrico.

Gastroparesia é uma síndrome de retardo do esvaziamento gástrico na ausência de obstrução mecânica, gerando retenção do conteúdo gástrico no estômago. Diversas condições podem causar a gastroparesia, sendo as mais comuns a neuropatia associada à diabetes mellitus e às doenças neuromusculares (p.ex: Doença de Parkinson, Esclerose Múltipla). Algumas substâncias e medicamentos também contribuem para o atraso do esvaziamento gástrico, como o álcool, o tabaco e a cannabis.

Essa condição impacta significativamente a qualidade de vida, aumenta os custos diretos de saúde por meio de hospitalizações, pronto-socorro ou consultas médicas e está associada à maior morbidade e mortalidade.

Gastroparesia por canabinoides: o que já se sabe sobre essa síndrome?

Mecanismo fisiopatológico

O mecanismo provável associado está correlacionado à atuação prolongada das substâncias presentes na cannabis, especialmente o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), no receptor periférico canabinoide tipo 1 (CB1). Sabe-se que o uso prolongado da cannabis, associado a fatores genéticos e ao estresse psicológico, induz tolerância e downregulation do receptor CB1 e ativa a cascata de feedback negativo sobre a propriedade antiemética normal do tetrahidrocanabinol (THC). Essas substâncias atuam, também, nos neuroreceptores aferentes termossensíveis (TRPV1) presentes na área postrema no Sistema Nervoso Central, nos nervos gástricos, entéricos e vagais. Essa exposição crônica inativa o TRPV1 nas vias periféricas e centrais, resultando potencialmente em náusea, êmese, motilidade gástrica alterada e dor abdominal. Esses mecanismos explicam a relação dos canabinoides com o retardo do esvaziamento gástrico e com o prejuízo do peristaltismo (Figura 1). 

Figura 1 – Mecanismo fisiopatológico dos canabinoides nos receptores TRPV1.  Fonte: Produção das autoras.

Entretanto, paradoxalmente, essas mesmas substâncias presentes na cannabis podem contribuir, de maneira dose-dependente, para efeitos antieméticos predominantes. A literatura apresenta evidências de que o uso da cannabis pode ser benéfico no tratamento da gastroparesia devido a outras causas. Benjamin et al. mostraram em um estudo (n = 24 pacientes) que o uso de canabinoides melhorou drasticamente os sintomas da gastroparesia refratária aos tratamentos convencionais, especialmente a dor abdominal.

Como identificar?

Clinicamente, manifesta-se por episódios de vômitos recorrentes, náuseas, dor e distensão abdominal superior, saciedade precoce e anorexia, associados ao uso crônico da cannabis. Ao exame físico, o paciente pode se apresentar com mucosas desidratadas, ruídos hidroaéreos reduzidos e dor à palpação da região epigástrica. Seu diagnóstico é essencialmente clínico e deve considerar, além da sintomatologia, os dados epidemiológicos e a história natural do quadro.

A realização de exames complementares, como cintilografia, cápsula de motilidade sem fio (Wireless Motility Capsule – WMC) e teste respiratório do Hidrogênio expirado, podem auxiliar na identificação da gastroparesia. A cintilografia é o teste convencional para identificar o esvaziamento gástrico. 

As complicações agudas do quadro estão relacionadas com a ocorrência de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, além de desnutrição. Já as consequências crônicas são a esofagite distal e a gastrite não erosiva no fundo do estômago.

Diante desse quadro clínico, os diagnósticos a serem questionados incluem a gastrite secundária à infecção por Helicobacter pylori, úlcera péptica, dispepsia funcional e distúrbios alimentares, como bulimia e anorexia. O diagnóstico diferencial com a Síndrome de Hiperêmese por Canabinoides e Síndrome do Vômito Cíclico pode ser um desafio para a prática clínica, devido à similaridade dos sintomas, porém, nos períodos entre os episódios de vômito, o esvaziamento gástrico encontra-se normal. Ademais, deve-se questionar o paciente sobre o hábito de banho quente compulsório, característica marcante da Síndrome de Hiperêmese que não está presente na gastroparesia. 

Leia também: Síndrome de hiperêmese por canabinoides: como diferenciar do vômito cíclico?

Qual o tratamento? 

De forma semelhante à Síndrome de Hiperêmese por Canabinoide, o tratamento definitivo faz-se com a suspensão do uso da cannabis. 

Em quadros agudos, pode-se realizar medidas de suporte

e administração de sintomáticos, como antieméticos e procinéticos. Não há padronização de medicamentos e doses para os antieméticos, sendo os mais comumente prescritos as fenotiazinas (incluindo Proclorperazina e Tietilperazina) e os agentes anti-histamínicos (incluindo Prometazina). Dentre os procinéticos, o FDA (Food and Drug Administration) recomenda o uso da Metoclopramida e Domperidona. (Tabela 1)

Tabela 1. Terapia medicamentosa procinética da gastroparesia.

Medicamento Forma de uso
Metoclopramida Posologia: 5 a 10 mg via oral BID ou TID

Mecanismo de ação: bloqueio dopaminérgico (antagonista do receptor D2 da dopamina).

Efeito procinético, antiemético e antináusea.

Efeito colateral: distonia aguda, fadiga, sonolência. 

Domperidona  Posologia: 10 mg via oral TID

Mecanismo de ação: antagonista do receptor D2 da dopamina.

Efeito procinético, antiemético e antináusea.

Efeito colateral: prolongamento do QT corrigido, alteração na CYP2D6 e aumento da prolactina.

Eritromicina Posologia: 250 a 500 mg via oral TID

Mecanismo de ação: agonista da motilina

Efeito procinético.

Efeito colateral: prolongamento do QT corrigido.

Outra medida que pode ser adotada é a orientação do paciente sobre a incorporação de uma dieta composta por pequenas refeições com baixo teor de gordura e fibras, além de incluir sólidos liquidificados ou líquidos nutritivos, já que o esvaziamento para esses alimentos geralmente mantém-se inalterado. 

Em casos mais graves, pode-se incluir a reposição volêmica, correção dos distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-básicos, nutrição enteral ou parenteral. 

Em conjunto com: Jordana Almeida Mesquita¹ e Isabella Barreto de Souza Machado²

¹ Acadêmica de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais. Diretora de Pesquisa da Sociedade Brasileira de Ligas Acadêmicas do Aparelho Digestivo (SOBLAD). Lattes: 4134333640641468

² Acadêmica de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais. Corpo de Apoio Científico da Sociedade de Acadêmicos de Medicina de Minas Gerais. (SAMMG) Lattes: 5732802318428135

Referências bibliográficas:

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