Genética e estilo de vida: como construir uma longevidade saudável

Apesar do corpo crescente de evidências na Genética e na Medicina de Estilo de Vida, informações sobre seus efeitos e orientações ainda está em construção.

Não é de hoje que existe a fantasia da imortalidade. Afinal, contos e estórias de muito e muito tempo atrás já contavam de meios divinos, mágicos e sobrenaturais para se atingir uma vida eterna (com receitas e tudo mais).

Claro que a imortalidade está longe de ser uma realidade, mas o interesse em viver cada vez mais e cada vez melhor continua a energizar o motor de muitas pesquisas na área da saúde. Em especial, porque vemos que apesar de a expectativa de vida ter aumentado muito nos últimos anos, a “expectativa de saúde” não segue o mesmo caminho.

mulher correndo, mantendo seu estilo de vida saudável

Genética e estilo de vida

A incidência de doenças crônicas (incluindo doenças cardiovasculares, metabólicas e os cânceres) aumentou, acompanhando a expectativa de vida, e com isso gerou um perfil de envelhecimento doente. Quem trabalha na saúde vê enfermarias, ambulatórios e mesmo leitos de UTI lotados de idosos com listas de problemas e comorbidades grandes demais.

Logo, mais que nunca, o foco se tornou não apenas como viver muito, mas como viver muito e com saúde. E, apesar do corpo crescente de evidências na Genética e na Medicina de Estilo de Vida, informações sobre seus efeitos e orientações ainda está em construção. Logo, nesse artigo, não vamos apresentar uma receita com resultados garantidos, mas vamos resumir o que se sabe sobre a longevidade e como, principalmente, o estilo de vida é peça fundamental para envelhecer de forma saudável.

A genética

Parece meio intuitivo que a genética influencie na expectativa de vida individual, mas nem sempre foi assim. Até a década de 90, o envelhecimento era encarado como um processo natural e, mais que isso, implacável, de forma que nem genes nem quaisquer outros fatores modificáveis interfeririam nele.

Somente quando os pesquisadores começaram a observar que o tempo de vida variava entre diferentes linhagens de um mesmo tipo modelo de pesquisa (ou seja, leveduras, camundongos, moscas etc), foi que a suspeita do efeito da genética surgiu. A partir daí, a busca foi por “quais” genes seriam responsáveis pela juventude ou pelo envelhecimento, até que a ciência se conformou com o fato de as coisas não serem tão simples assim.

O que se sabe hoje é que há uma complexa relação entre os vários genes e que, cada um com sua função, eles interferem em elementos de todos os níveis (do celular ao sistêmico) para resultar na longevidade.

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Dentre os que se destacam estão três grupos principais:

  • Genes envolvidos na manutenção celular (aqueles envolvidos no reparo do DNA, no alongamento de telômeros e no controle de radicais livres);
  • Genes envolvidos no controle metabólico e nutricional (aqueles cuja atividade varia conforme ingesta alimentar, como o eixo insulina/IGF-1 e o TOR);
  • Genes envolvidos em efeitos sistêmicos (aqueles responsáveis por elementos cruciais na saúde cardiovascular, imunidade e controle de inflamação, como por exemplo genes envolvidos no metabolismo de lipoproteínas).

Influências, muitas vezes cumulativas, na expressão de genes desses grupos são responsáveis pelo peso da genética na longevidade.

O estilo de vida

Essa é a parte mais jovem (porém não menos poderosa) da busca pela longevidade saudável. Assim como aconteceu com a genética, o estilo de vida não recebia o devido crédito, acreditando-se que todo o envelhecimento seria determinado geneticamente. Quando observou-se que mesmo pessoas com genética semelhante poderiam ter estados de saúde totalmente diferentes baseado em como viviam seu dia-a-dia, foi que a importância do estilo de vida foi descoberta.

Aqui entram vários elementos como alimentação, atividade física, sono, manejo de estresse, exposição a tóxicos (tabaco e álcool), dentre outros exemplos. Porém, como os efeitos do estilo de vida são observados, principalmente, em longo prazo, muitos pacientes e até mesmo profissionais desconsideram seu verdadeiro impacto.

Para ilustrar de maneira mais sólida essa realidade, uma pesquisa publicada em Janeiro deste ano no periódico BMJ realizou um estudo observacional relacionando cinco elementos de um estilo de vida saudável com três doenças crônicas de grande impacto (diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e câncer).

Na pesquisa, aproximadamente 73.000 mulheres e 38.000 homens responderam a questionários sobre seu estilo de vida e, posteriormente, foram acompanhados para avaliação da incidência de uma ou mais dessas 3 doenças, além de sua expectativa de vida.

O estilo de vida foi avaliado conforme um escore próprio montado pelos pesquisadores que pontuava 1 ou 0 de acordo com a presença ou ausência dos seguintes critérios:

  • Dieta avaliada conforme o Alternative Eating Healthy Index e que atingisse pontuação acima de 40%;(indicando uma dieta saudável);
  • Tabagismo (nunca vs sempre);
  • Atividade física moderada ou intensa (30 min por dia ou mais);
  • Ingestão moderada de álcool (5-15 g para mulheres e 5-30 g para homens);
  • Índice de massa corporal (IMC) igual a 18,5-24,9.

Os resultados mostraram que a expectativa de vida e o tempo livre de doenças foi maior quanto maior a pontuação no escore de estilo de vida. Para as mulheres que pontuaram 0 (ou seja, não seguiam nenhum dos cinco hábitos de vida sugeridos), a expectativa de vida a partir dos 50 anos de idade foi 31,7 anos, enquanto para as que pontuaram 4 ou 5 a expectativa foi 41,1 anos. Da mesma forma, o tempo de vida livre de doenças crônicas a partir dos 50 anos foi de 23,7 anos para as que pontuaram 0 e de 34,4 anos para as que pontuaram 4 ou 5.

No caso dos homens, a expectativa de vida a partir dos 50 anos foi de 31,3 anos para os que pontuaram 0 e de 39,4 anos para os que pontuaram 4 ou 5. O tempo de vida livre de câncer, doenças cardiovasculares ou diabetes a partir dos 50 anos foi de 23,5 anos para os que pontuaram 0 e 31,1 anos para os que pontuaram 4 ou 5.

Quando genética e estilo de vida trabalham em conjunto

Talvez o ponto mais importante dessas descobertas seja a interação entre os dois elementos determinantes da longevidade e do envelhecimento saudável. Em um de seus ramos mais atuais, os estudos sobre genética nos apresentaram a epigenética, que se trata, de forma simplificada, da alteração na expressão dos genes conforme influências do meio.

Em pesquisas com camundongos, por exemplo, observou-se que camundongos submetidos a restrição dietética viviam mais e com mais saúde quando comparados àqueles alimentados à vontade. Porém, isso não só aconteceu no nível macroscópico, mas também no molecular, sendo percebido que a expressão de seus genes na velhice era bem diferente de um camundongo para o outro.

Mais do autor: Transtornos relacionados ao estresse aumentam o risco de infecções?

A epigenética funciona através de alterações estruturais no DNA que “ligam ou desligam” sua transcrição e a posterior tradução do RNA, sendo a mais conhecida delas a metilação. Tanto que ela é considerada um dos marcadores mais precisos do envelhecimento, sendo possível até mesmo estimar a idade cronológica de uma pessoa pelo padrão de metilação de diversas células.

Além disso, a análise da metilação do DNA já foi usada, com sucesso, para prever a mortalidade por várias causas e também para identificar quais tecidos se mantém mais jovens naquelas pessoas que envelhecem saudáveis (nesse caso, cérebro e musculatura esquelética).

Mesmo a relação causa-efeito entre metilação-envelhecimento não sendo tão clara, com certeza essas descobertas têm mostrado como o meio (e, logo, o estilo de vida) pode interferir mesmo nos determinantes genéticos da longevidade saudável.

Conclusão

A pesquisa publicada no BMJ, mesmo sendo um estudo observacional, mostra uma relação evidente entre estilo de vida saudável e longevidade saudável. Aliada às descobertas crescentes no campo da epigenética, fica clara a importância de investir nas mudanças de estilo de vida como medida preventiva e terapêutica, tanto na saúde individual quanto pública.

Não só o paciente se beneficia, claramente, com maior longevidade e tempo de vida livre de doenças crônicas, mas também o sistema de saúde, considerando que as doenças crônico-degenerativas são as que mais demandam recursos pela sua alta prevalência.

Logo, vale a pena dar uma estudada em como prescrever mudanças de estilo de vida para seus pacientes, não vale?

Leia também: Como orientar mudanças do estilo de vida? Veja 4 abordagens clínicas

Referências bibliográficas:

  • PASSARINO, Giuseppe; RANGO, Francesco de; MONTESANTO, Alberto. Human longevity: Genetics or Lifestyle? It takes two to tango. Immunity & Ageing, [s.l.], v. 13, n. 1, p.1-6, 5 abr. 2016. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1186/s12979-016-0066-z.
  • DAVENPORT, Liam. Healthy Lifestyle Adds Up to a Decade More of Disease-Free Life. 2020. Via Medscape. Disponível em: <https://www.medscape.com/viewarticle/923535#vp_1>. Acesso em 15 jan. 2020.

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