Guidelines da Surviving Sepsis Campaign 2021: terapia antimicrobiana para sepse

Os guidelines do Surviving Sepsis 2021 foram publicados. Preparamos o resumo e, hoje, trazemos sobre a terapia antimicrobiana para sepse.

Os guidelines do Surviving Sepsis Campaign (SSC) sobre o manejo da sepse e choque séptico acabam de ser atualizados. No dia 2 de outubro, foram publicadas novas recomendações na Intensive Care Medicine. O time de infectologistas e intensivistas do Portal PEBMED preparou a análise e resumo das principais recomendações e, hoje, trazemos a segunda parte, onde falaremos sobre a terapia antimicrobiana.

Confira também a parte 1, com abordagem e conceitos iniciais, e a parte 3, sobre hemodinâmica e ventilação mecânica.

agulha para terapia antimicrobiana para sepse

Terapia antimicrobiana na sepse

Por um lado, a administração precoce de antibióticos é uma intervenção essencial para redução de mortalidade na sepse, o uso excessivo de antimicrobianos em pacientes sem infecção aumenta a exposição a eventos adversos, como reações alérgicas, insuficiência renal, trombocitopenia, além de favorecer o surgimento de microrganismos resistentes. Por esse motivo, a necessidade e a urgência do início de antibioticoterapia devem ser guiadas individualmente pela probabilidade de infecção e pela gravidade de cada caso.

A correlação entre tempo para administração de antibióticos e redução na mortalidade é mais clara em pacientes com choque séptico. Em estudos avaliando pacientes com quadro de sepse, sem choque, entretanto, a associação entre atraso no início de antibioticoterapia e aumento de mortalidade é menos consistente.

Em resumo, a recomendação em pacientes com sepse confirmada ou muito provável é início imediato de antibióticos. Para os sem confirmação de infecção, os pacientes com possível sepse, sem choque, devem ser avaliados para causas infecciosas e não infecciosas, para determinar em até 3h se antibióticos devem ser administrados ou não. Para os com potencial choque séptico, antibióticos devem ser administrados em até 1h.

O que é novo?
Para pacientes adultos com choque séptico ou com alta probabilidade de sepse, recomenda-se administração imediata de antimicrobianos, idealmente na primeira hora

Recomendação forte; evidência de baixa qualidade (choque séptico); evidência de muito baixa qualidade (sepse sem choque)

Para pacientes adultos com possível sepse sem choque, recomenda-se avaliação rápida da possibilidade da presença de infecção vs. causas não infecciosas de doença aguda

Recomendação de melhor prática

Para pacientes adultos com possível sepse sem choque, sugere-se avaliação rápida e, se a suspeita de infecção persistir, administração de antibióticos nas primeiras 3h desde o reconhecimento de sepse

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Para pacientes adultos com baixa possibilidade de infecção e sem choque, sugere-se não iniciar antibióticos e monitorar o paciente

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Adaptado de: Evans L, Rhodes A, Alhazzani W, et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of sepsis and septic shock 2021 [published online ahead of print, 2021 Oct 2]. Intensive Care Med. 2021;10.1007/s00134-021-06506-y

Uso de biomarcadores para iniciar antibióticos

A procalcitonina é um precursor inflamatório, cujos níveis séricos elevam-se rapidamente a estímulos inflamatórios, especialmente infecções bacterianas. Teoricamente, sua dosagem, em conjunto com avaliação clínica, poderia facilitar o diagnóstico de infecções bacterianas graves.

Entretanto, a revisão das evidências na literatura não encontrou diferença em mortalidade, duração de internação em UTI ou dias de hospitalização entre o uso de protocolos guiados por procalcitonina e cuidado padrão. Com isso, o painel faz uma sugestão contra o uso de procalcitonina e avaliação clínica para determinar a necessidade de uso de antibióticos.

O que é novo?
Para pacientes adultos com suspeita de sepse ou choque séptico, sugere-se contra o uso de procalcitonina em conjunto com avaliação clínica para decidir quando iniciar antibióticos quando comparado com avaliação clínica somente

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Veja mais: Origens e fundamentos da MBE – Parte 1: Relação entre o tratamento precoce com antibióticos para sepse e ida à feira

Escolha de antimicrobianos

Em relação ao espectro de antimicrobianos, a decisão de cobertura empírica contra MRSA depende da probabilidade de a infecção do paciente ser causada por MRSA, do risco de dano associado a não cobertura de MRSA em um paciente com infecção por esse organismo e do risco de dano associado ao tratamento de MRSA em um paciente sem MRSA.

A incidência de MRSA varia de acordo com a região e com características individuais. Fatores de risco para MRSA incluem história prévia de colonização ou infecção por MRSA, uso recente de antibióticos intravenosos, história de infecções de pele recorrentes ou de feridas crônicas, presença de dispositivos invasivos, hemodiálise, hospitalização recente e gravidade da doença.

O aumento na frequência de organismos resistentes a antimicrobianos é outra preocupação na escolha do perfil dos antibióticos escolhidos como terapia empírica. A melhor opção terapêutica deve considerar a prevalência local de organismos resistentes, fatores de risco do paciente para organismos resistentes e a gravidade da doença.

O uso de monoterapia ou de terapia combinada contra Gram-negativos deve ser guiado por fatores como infecção ou colonização provada por organismos resistentes a antimicrobianos no último ano, prevalência local de organismos resistentes, infecções associadas à assistência à saúde, uso de antibióticos de amplo espectro nos últimos 90 dias, uso concomitante de descontaminação digestiva seletiva, viagem a locais com alta prevalência de organismos resistentes nos últimos 90 dias e hospitalização em outro país nos últimos 90 dias.

No geral, a sugestão é de uso de dois agentes com cobertura para Gram-negativos em pacientes de alto risco para infecções por MDR. Terapia combinada empírica é mais importante em indivíduos com alto risco de infecções por MDR com doença grave, especialmente choque séptico. Para indivíduos com baixo risco de organismos resistentes, sugere-se o uso de monoterapia.

O que é novo?
Para adultos com sepse ou choque séptico e alto risco para MRSA, recomenda-se o uso empírico de antibióticos com cobertura contra MRSA

Recomendação de melhor prática

Para adultos com sepse ou choque séptico e baixo risco para MRSA, sugere-se contra o uso de antibióticos com cobertura contra MRSA

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Para adultos com sepse ou choque séptico e alto risco para MDR, sugere-se o uso de dois antimicrobianos com cobertura contra Gram-negativos em comparação com o uso de um único antimicrobiano

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Para adultos com sepse ou choque séptico e baixo risco para MDR, sugere-se contra o uso de dois antimicrobianos com cobertura contra Gram-negativos em comparação com o uso de um único antimicrobiano

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Para adultos com sepse ou choque séptico, sugere-se contra o uso de terapia combinada contra Gram-negativos uma vez que o agente etiológico tenha sido identificado e a susceptibilidade a antimicrobianos tenha sido determinada

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Terapia antifúngica e antiviral

Sepse e choque séptico por fungos são mais comuns em unidades de terapia intensiva e estão associados a desfechos ruins. Entretanto, as evidências de que o uso de terapia antifúngica precoce está associado a melhores desfechos são escassas.

Alguns perfis de pacientes, contudo, podem se beneficiar do uso empírico de antifúngicos. Por exemplo, indivíduos neutropênicos que não defervescem depois de quatro a sete dias de antibioticoterapia possuem risco aumentado de infecção fúngica. O risco de doença invasiva por Candida spp. em outras populações de imunossuprimidos varia de acordo com a doença ou terapia.

A escolha de um agente antifúngico para terapia empírica depende de fatores relacionados ao hospedeiro, colonização e infecção prévia, exposição prévia a antifúngicos profiláticos ou terapêuticos, comorbidades e toxicidade e interações medicamentosas.

Infecções virais raramente são causa primária de sepse. Mais recentemente, SARS-CoV-2 é responsável por muitos casos de infecção e sepse. Indivíduos imunossuprimidos são particularmente vulneráveis a outros tipos de infecções virais, como as causadas por HSV, EBV, CMV e adenovírus. Entretanto, não existem terapias antivirais específicas contra a maioria desses vírus.

O que é novo?
Para adultos com sepse ou choque séptico com alto risco de infecção fúngica, sugere-se uso de terapia antifúngica empírica

Recomendação fraca; evidência de baixa qualidade

Para adultos com sepse ou choque séptico com baixo risco de infecção fúngica, sugere-se contra o uso de terapia antifúngica empírica

Recomendação fraca; evidência de baixa qualidade

Não há recomendação para o uso de agentes antivirais

Administração de antibióticos e aspectos de farmacocinética e farmacodinâmica

No contexto de sepse e choque séptico, alterações nos parâmetros farmacocinéticos podem resultar em concentrações sub terapêuticas de betalactâmicos. Ao contrário da infusão intermitente, administração intravenosa prolongada – como infusão prolongada ou contínua – resulta em concentrações sustentadas de betalactâmicos. Para que as concentrações séricas adequadas sejam atingidas, é importante que doses de ataque adequadas sejam administradas.

Outras situações, como aumento no clearance de creatinina, insuficiência renal aguda, hipoalbuminemia, terapia de substituição renal e ECMO, também são capazes de alterar parâmetros de farmacocinética e farmacodinâmica (PK/PD) e as concentrações de alguns antibióticos. Abordagens de posologia baseadas em princípios de PK/PD podem aumentar a chance de alcançar concentrações seguras e efetivas de antibióticos.

O que é novo?
Para adultos com sepse ou choque séptico, sugere-se uso de infusão prolongada de betalactâmicos para as doses de manutenção, após dose inicial em bolus

Recomendação fraca; evidência de qualidade moderada

Para adultos com sepse ou choque séptico, recomenda-se otimizar a posologia dos antimicrobianos baseado em princípios de PK/PD e propriedades específicas das drogas

Recomendação de melhor prática

Controle de foco

O controle adequado do foco é um dos princípios do manejo de sepse e choque séptico, podendo incluir drenagem de abscessos, desbridamento de tecido necrótico infectado, remoção de dispositivos potencialmente infectados ou controle definitivo em casos de contaminação contínua.

Exemplos de focos de infecção que são prontamente passíveis de controle incluem abscessos intra-abdominais, perfuração do trato gastrointestinal, isquemia mesentérica, colangite, colecistite, pielonefrite associada a obstrução ou abscesso, infecção de tecido necrosado, infecções de tecidos profundos (empiema ou artrite séptica) e infecções de dispositivos implantados. Apesar de poucas evidências, recomenda-se que o controle do foco seja realizado em 6 a 12h.

Abordagem cirúrgica deve ser considerada quando outras intervenções menos invasivas são inadequadas ou não podem ser realizadas em tempo adequado. A exploração cirúrgica é também pode ser indicada quando não existe certeza diagnóstica, quando a probabilidade de sucesso com intervenção percutânea é incerta ou quando os riscos de efeitos indesejáveis de falha do procedimento são altos.

A remoção de dispositivos intravasculares, como cateteres potencialmente infectados, é considerada como parte do controle de foco. Embora a remoção do dispositivo seja considerada como tratamento definitivo e de primeira escolha, em alguns casos de infecções de cateter tunelado implantado, na ausência de choque séptico ou fungemia, o cateter pode ser tratado com terapia antimicrobiana prolongada.

O que é novo?
Para adultos com sepse ou choque séptico, recomenda-se identificação ou exclusão rápida de foco infeccioso em um local anatômico específico que exija controle emergencial e realização do procedimento o mais rápido quanto logística e clinicamente possível

Recomendação de melhor prática

Para adultos com sepse ou choque séptico, recomenda-se remoção imediata de dispositivos intravasculares que são possíveis focos de sepse ou choque séptico

Recomendação de melhor prática

Descalonamento e duração de antibióticos

Uma vez que o agente etiológico e seu padrão de susceptibilidade tenham sido identificados, recomenda-se a suspensão de antibióticos que não são mais necessários ou a mudança para um antimicrobiano de menor espectro. Descontinuação precoce de todos os antimicrobianos também é recomendada se infecção for excluída.

Ao mesmo tempo, é recomendável o menor tempo de antibioticoterapia associada a desfechos favoráveis. A duração ótima de tratamento em pacientes com sepse ou choque séptico depende de fatores, como hospedeiro, agente etiológico, antimicrobiano e foco.

O que é novo?
Para adultos com sepse ou choque séptico, sugere-se avaliação diária para descalonamento de antimicrobianos

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Para adultos com diagnóstico inicial de sepse ou choque séptico e controle adequado de foco infeccioso, sugere-se o uso de cursos mais curtos de terapia antimicrobiana

Recomendação fraca; evidência de muito baixa qualidade

Uso de biomarcadores para descontinuação de antibióticos

Além da avaliação clínica, biomarcadores podem ser úteis para guiar o tempo de duração da terapia antimicrobiana. O uso de procalcitonina, em conjunto com avaliação clínica e controle de foco, pode auxiliar na tomada de decisão de interrupção do tratamento.

O que é novo?
Para adultos com diagnóstico inicial de sepse ou choque séptico e controle de foco adequado em que a duração de tratamento é incerta, sugere-se o uso de procalcitonina e avaliação clínica para decidir quando interromper antibioticoterapia

Recomendação fraca; evidência de baixa qualidade

Leia também: Guidelines da Surviving Sepsis Campaign 2021: abordagem inicial da sepse e choque séptico

 

Referência bibliográfica:

  • Evans L, Rhodes A, Alhazzani W, et al. Surviving sepsis campaign: international guidelines for management of sepsis and septic shock 2021 [published online ahead of print, 2021 Oct 2]. Intensive Care Med. 2021; doi: 10.1007/s00134-021-06506-y

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