O estudo CAMERA-2, um ensaio clínico controlado randomizado que contou com aproximadamente 350 pacientes e avaliou monoterapia versus terapia combinada para o tratamento de MRSA, foi interrompido precocemente pois mostrou que a associação de um beta lactâmico (principalmente piperacilina – tazobactam) à vancomicina poderia ser extremamente nefrotóxico. Desde então, a comunidade científica tem se voltado em estudar e entender melhor essa associação, visto que é um esquema comumente utilizado na terapia intensiva por contar com cobertura para MRSA e Pseudomonas. Um estudo prospectivo recente feito por Miano et al foi o primeiro a avaliar o risco de injúria renal aguda causado pela associação vancomicina-piperacilina-tazobactam.
Métodos
Ele incluiu 739 pacientes de um banco de dados de sepse que haviam feito uso por 48 horas de vancomicina + cefepime ou vancomicina + tazocin. Eles avaliaram biomarcadores de função renal (creatinina, cistatina C e uréia) antes do tratamento e com 48 horas após. Além disso, avaliaram injúria renal aguda e diálise no 14º dia de acompanhamento e mortalidade no 30º dia.
Resultados
O braço vancomicina-piperacilina-tazobactam contou com 297 pacientes e vancomicina-cefepime, 442. Entretanto, apenas em 192 pacientes foi possível avaliar o valor da cistatina C. O braço que fez uso de tazocin foi associado a um aumento percentual maior de creatinina no segundo dia (8,04% – IC95% 1,21-15,34) e maior incidência de injúria renal aguda (RR 1,34 – IC95% 1,01-1,78). Porém, isso não foi acompanhado de alteração nos biomarcadores de função renal ou desfecho clínico. A dosagem de cistatina C, por exemplo, foi similar nos dois regimes (1,51 para o braço vancomicina-tazocin e 1,52 para vancomicina-cefepime). Esses resultados levaram os autores à teoria de que essa associação, na verdade, causaria uma pseudotoxicidade renal. Ou seja, o aumento de creatinina sérica ocorreria por um comprometimento da secreção tubular de creatinina.
Considerações
De fato, a inibição dos transportadores de ânions causada pela piperacilina-tazobactam poderia afetar a excreção renal de creatinina, o que levaria a um aumento sérico da substância com magnitude o bastante para obter um diagnóstico de injúria renal aguda pelos critérios KDIGO. Ainda assim, sem haver impacto na taxa de filtração glomerular e, portanto, uma pseudonefrotoxicidade que não levaria à injúria renal aguda grave com necessidade de terapia de substituição renal.
Antes de chegar a uma conclusão definitiva sobre o assunto, alguns outros aspectos precisam ser levantados. Primeiro, os estudos publicados até então ainda têm desenhos observacionais e esse não foge à regra. Segundo, o estudo publicado por Miano et al é unicêntrico e limitado em termos de amostragem, pois apenas 192 pacientes tiveram dosagem de cistatina C. É importante ressaltar que a cistina C é uma alternativa interessante à creatinina, mas ainda representa um biomarcador funcional com limitações significativas pois é afetado por inúmeras condições e medicamentos (como neoplasias, diabetes mellitus e corticoesteróides). Na análise de Miano et al, mais de 50% dos pacientes fizeram uso de corticoide, o que poderia aumentar a produção de cistatina C. Por último, a injúria renal aguda pode ocorrer em até sete dias e a avaliação foi feita com 48 horas de esquema antimicrobiano.
Mensagem prática
De qualquer forma, esse novo estudo demonstrou o valor complementar e a praticidade do uso de vários biomarcadores funcionais com diferentes potenciais e confundidores não só para pesquisa mas também para clínica e, também, foi um passo para sanar as dúvidas dos efeitos adversos de associações complexas de antimicrobianos.