Há relação entre transtornos mentais e doenças crônicas e mortalidade?

Há relação entre transtornos mentais e doenças crônicas e mortalidade? Mesmo em pacientes mais jovens? Estudo neozelandês fez essa análise.

Há relação entre transtornos mentais e doenças crônicas e mortalidade? Mesmo em pacientes mais jovens? Alguns trabalhos parecem apontar que sim. Adultos jovens muitas vezes estão sujeitos às pressões do mercado de trabalho e suas exigências, sendo esse um dos fatores que podem impactar na sua saúde mental. Em médio e longo prazo isso parece também ser uma ameaça à integridade física. Ou seja, alguns dados corroboram com uma associação entre transtorno mental em jovens e doenças físicas num momento futuro. Para avaliar melhor essa associação, os autores de um artigo neozelandês, publicado no JAMA em janeiro de 2021, realizaram um estudo de coorte com dados de 2,3 milhões de pessoas do país com idades variadas, ao longo de 30 anos.

Há relação entre transtornos mentais e doenças crônicas e mortalidade? Mesmo em pacientes mais jovens? Estudo neozelandês fez essa análise.

O Estudo sobre a relação entre transtornos mentais e doenças crônicas e mortalidade

As informações dos indivíduos foram coletadas a partir de uma base de dados neozelandesa. Os dados colhidos eram registros de admissão nos hospitais públicos do país ao longo de 30 anos. Ao todo foram avaliados mais de 2.349.000 indivíduos nascidos na Nova Zelândia, entre 1 de janeiro de 1928 e 31 de dezembro de 1978, e que moraram no país em qualquer momento entre 1 de julho de 1988 e 30 de junho de 2018. Os participantes foram divididos conforme a década de nascimento (ex: 1928-1937 e 1948-1957). Ao início da avaliação, os participantes tinham entre 10 e 60 anos, sendo 50,7% do sexo masculino e 49,3% do sexo feminino. A avaliação dos diagnósticos se deu pela informação do código das doenças, segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID 9 e 10). Os diagnósticos de transtornos mentais incluíram transtornos psicóticos, neuróticos, do comportamento, do humor, por uso de substâncias, transtornos fisiológicos e inespecífico, além de perturbações da personalidade, do neurodesenvolvimento e comportamentos auto lesivos. Já as doenças físicas eram basicamente patologias crônicas: doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), doença coronariana, gota, infarto agudo do miocárdio (IAM), diabetes, câncer, traumatismo craniano e AVC. Também foi estimada a associação com a mortalidade.

Os resultados

Como resultado, encontrou-se que pessoas com transtorno mental eram mais propensas ao desenvolvimento de doenças clínicas crônicas em idade mais jovem, bem como tinham menor expectativa de vida, em comparação com a população que não sofria com transtornos mentais. A população com doenças físicas era composta por mais indivíduos do sexo masculino e era mais velha. Esta tinha mais chances de morrer e de forma mais prematura do que a população saudável. Já os com transtorno mental tinham distribuição mais semelhante entre os sexos e tendiam a ser mais jovens. A mortalidade neste grupo também é maior do que em indivíduos sadios, sendo estimado que o falecimento nesses casos ocorreu cerca de 1,1 ano mais cedo, em comparação com os controles. Também há correlação entre os 2 grupos: 31,9% dos pacientes com transtorno mental tinham comorbidade com alguma doença física crônica, sendo essa associação maior do que no restante da população e seu desenvolvimento mais rápido (cerca de dois anos mais cedo que os demais) e na população mais nova. O número de comorbidades físicas associadas igualmente parece ser maior. Este grupo também apresentou maior correlação com a mortalidade. Talvez por essas razões este grupo também tenha tido um maior número de internações hospitalares e por um período maior de tempo, o que se refletiu em maiores gastos com o tratamento. A média de gastos com saúde de uma pessoa com transtorno mental era 12,2% maior do que da população geral sem a doença.

A partir disso, os autores avaliam a hipótese de que a melhoria dos transtornos mentais em pacientes mais jovens possa impactar a saúde ao longo da vida e diminuir os custos financeiros relacionados. Para isso, abordagens comportamentais gerais poderiam ser benéficas, apesar de algumas associações serem diferentes em certos transtornos (ex: hepatopatia em dependentes químicos ou hipertensão em pacientes neuróticos).

Outra possibilidade que os autores colocam é a de que em alguns casos os transtornos mentais não sejam exatamente fatores de risco para estes desfechos, mas marcadores de risco. Por exemplo, embora o próprio tratamento de alguns transtornos mentais possa ser um fator associado (ex: a bem conhecida relação entre alguns antipsicóticos e síndrome metabólica), nem todos os transtornos avaliados eram tratados com fármacos que poderiam predispor essa situação. De qualquer forma, mesmo que o transtorno mental não seja a causa, sua presença pode funcionar como um alerta para o risco de surgimento de outras patologias. Dessa forma, sugerem que o rastreio de patologias físicas seja feito nesta população. Os profissionais de saúde também podem desempenhar um importante papel na psicoeducação desses pacientes, rastrear e ajudar no desenvolvimento de estratégias comportamentais preventivas.

Concluindo

Já os achados sobre transtornos mentais e mortalidade em pacientes mais jovens encontrados também parecem ter respaldo na literatura. Contudo, podemos questionar: seria possível que a coorte de pacientes mais velhos “sobrevivente” fosse mais saudável do que os mais novos ou indivíduos mais novos realmente são mais propensos a faleceram de doenças ou complicações associadas aos transtornos mentais? Embora o estudo não permita responder essa pergunta, deixa a associação entre uma pior saúde mental e problemas de saúde física, tanto em pacientes mais velhos como nos mais novos.

Contudo, apesar de ser um estudo com grande tamanho amostral, longo período de seguimento e alguns bons cuidados metodológicos, sua interpretação deve ser cautelosa sob alguns aspectos: 1. Trata-se de um estudo com a população neozelandesa, que possui diversas características particulares (inclusive no que diz respeito ao seu sistema de saúde), o que demanda cautela na extrapolação dos resultados. Outros países encontraram associações parecidas, como EUA e países europeus, mas suas realidades são distintas da América Latina; 2. A maior parte da população neozelandesa utiliza o sistema público de saúde, mas ainda é necessário destacar que um pequeno número de pessoas pode utilizar o serviço privado, se refletindo na coleta de dados; 3. Muitos transtornos mentais são subdiagnosticados e/ou tratados em regime ambulatorial e nunca chegam a necessitar de hospitalização, o que pode ter gerado um viés; 4. As patologias físicas avaliadas eram doenças crônicas e não foi possível estimar a relação com quadros agudos, por exemplo; 5. Como essa avaliação ocorreu ao longo de algumas décadas, pode haver diferenças históricas, englobando inclusive os critérios diagnósticos.

Apesar dessas limitações, por seu tamanho e período de abrangência, trata-se de um estudo relevante. As associações encontradas entre transtornos mentais e doenças crônicas e mortalidade nos levam a refletir sobre as necessidades e cuidados de saúde que esses pacientes devem ter, mesmo ainda enquanto jovens, possuindo caráter preventivo de uma pior qualidade de saúde no futuro e menor expectativa de vida.

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Referências bibliográficas:

  • Richmond-Rakerd LS, D´Souza S, Milne BJ, et al. Longitudinal Associations of Mental Disorders With Physical Disease and Mortality Among 2,3 Million New Zeland Citizens. JAMA Netw Open. 2021;4(1):e2033448.  doi:10.1001/jamanetworkopen.2020.33448

 

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