Hepatite C: Quais são as principais manifestações extra-hepáticas?

Indivíduos com hepatite C têm maior risco de complicações extra-hepáticas, devendo ser monitorados contra o desenvolvimento delas.

Atualizado por Isabel Mendes.

As complicações mais frequentemente associadas à infecção crônica pelo vírus da hepatite C (HCV) estão relacionadas ao fígado, como cirrose e carcinoma hepatocelular. Entretanto, até 2/3 dos indivíduos com infecção pelo HCV podem apresentar manifestações extra-hepáticas. Uma revisão publicada na The New England Journal of Medicine discorre sobre algumas dessas condições e o impacto das novas terapias contra HCV sobre elas. 

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Hepatite C é uma infecção que ataca o fígado

Vasculite crioglobulinêmica mista

A ocorrência desse tipo de vasculite está relacionada ao depósito de crioglobulinas circulantes nos pequenos vasos, podendo causar sintomas como fadiga, púrpura palpável e artralgia, geralmente leves.  

Envolvimento do sistema nervoso periférico também pode ocorrer, mais comumente na forma de neuropatia sensório-motora periférica ou neuropatia sensorial distal, que se apresentam como parestesia dolorosa, inicialmente assimétrica, mas que se torna simétrica com o tempo. Comprometimento motor pode se manifestar alguns anos após o início dos sintomas sensoriais, mais frequentemente nos membros inferiores.  

A forma de comprometimento renal mais comum é glomerulonefrite membranoproliferativa, que pode se manifestar como insuficiência renal aguda ou síndrome nefrítica. 

Mais raramente, pode haver progressão para formas sistêmicas graves, com acometimento do sistema nervoso central, coração ou trato gastrointestinal. 

Antes da introdução dos agentes de ação direta, infecção pelo HCV era a principal causa de vasculite crioglobulinêmica mista, estando associada a uma marcante morbidade e mortalidade, com idade e comprometimento renal sendo os principais fatores de risco para desfecho desfavorável. Pacientes com vasculite crioglobulinêmica mista também apresentam maior risco de desenvolvimento de linfoma não-Hodgkin de células B. 

A terapia com antivirais de ação direta tem sido associada a menor mortalidade e com remissão completa ou parcial dos sintomas relacionados à vasculite. Sintomas persistentes estão mais frequentemente associados a sequelas do que vasculite ativa. Apesar disso, persistência de crioglobulinas circulantes é comum e os pacientes precisam ser acompanhados em relação ao desenvolvimento de doença linfoproliferativa. 

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Linfomas de células-B

Os linfomas associados à infecção pelo HCV são predominantemente linfomas de zona marginal, com linfoma linfoplasmacítico e linfomas difuso de grandes células B sendo vistos menos frequentemente. O último geralmente desenvolve-se a partir da transformação de um linfoma indolente subjacente e pacientes com HCV tendem a ser mais jovens, ter doença mais avançada, ter maior acometimento de trato gastrointestinal e de medula óssea e têm uma taxa de sobrevivência menor por 2 anos em comparação com pacientes HCV-negativos. 

A evolução para linfomas não-Hodgkin de células B independe da progressão da fibrose hepática. Fatores independentes associados com o desenvolvimento de linfomas de células B são níveis séricos de crioglobulina maiores de 0,6g/L, vasculite crioglobulinêmica mista e hipogamaglobulinemia.  

Muitos estudos têm demonstrado que o uso de antivirais de ação direta está associado à remissão parcial ou completa de linfomas não-Hodgkin de células B – tanto de baixo quanto de alto grau – associados a HCV, e uma meta-análise mostrou associação entre resposta virológica sustentada e sobrevida livre de progressão. Os guidelines mais recentes sugerem tratamento precoce em todos os pacientes com linfoma associado ao HCV, independente da agressividade.

Eventos cardiovasculares relacionados à hepatite C

As evidências sugerem que existe associação entre a infecção pelo vírus HCV e a ocorrência de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares, com uma meta-análise encontrando uma OR de 1,2 (IC 95% = 1,03 – 1,4) e de 1,35 (IC 95% = 1,00 – 1,82), respectivamente. O efeito da infecção pelo HCV no risco de eventos cardiovasculares foi maior em indivíduos mais idosos com hipertensão ou diabetes. Além disso, entre indivíduos com sorologia para anticorpos anti-HCV positiva, a incidência de eventos cardiovasculares foi maior nos com RNA HCV detectável, sugerindo que infecção ativa tem um papel importante no aumento do risco desses eventos. 

Infecção pelo HCV tem sido demonstrada como fator de risco para espessamento e placas em carótidas, ocorrência de acidentes vasculares cerebrais, doença coronariana, síndrome coronariana aguda e morte por causa cardiovascular. 

A avaliação do impacto dos novos fármacos vem mostrando redução significativa no risco de todos os eventos adversos cardiovasculares em pacientes que alcançam resposta virológica sustentada. Outros estudos mostraram redução também em eventos periféricos.

Diabetes mellitus tipo 2

A incidência de DM tipo 2 é maior entre pacientes com infecção crônica pelo HCV, assim como em pacientes com cirrose associada a HCV (em comparação com pacientes cirróticos por outras causas). Da mesma forma, indivíduos não-cirróticos com infecção pelo HCV têm risco maior de DM tipo 2 do que indivíduos não-cirróticos com infecção pelo vírus B ou do que a população geral.  

O tratamento com os agentes de ação direta está associado com melhora significativa do controle glicêmico em pacientes com e sem diabetes mellitus de forma independente da presença de fibrose hepática. Em pacientes não diabéticos tratados com os DAAs, houve redução na incidência de diabetes, com maior efeito em indivíduos com fibrose hepática avançada. O tratamento bem-sucedido também parece estar associado à redução nas complicações de DM tipo 2, com redução na incidência de síndrome coronariana aguda, doença renal terminal, AVC isquêmico e retinopatia, independente da presença ou não de cirrose. 

Doença renal crônica

Pacientes infectados pelo vírus HCV tem maior risco de doença renal crônica do que indivíduos sem infecção. O comprometimento renal associado ao HCV pode estar associado a presença de glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I com ou sem crioglobulinemia, nefropatia membranosa e lesão tubulointersticial.  

Entretanto, a infecção por HCV pode progredir para lesão renal independente da presença dessas condições, provavelmente devido a danos vasculares e à inflamação sistêmica. Assim como com doenças cardiovasculares, a prevalência de doença renal crônica é maior entre indivíduos com RNA HCV detectável do que entre indivíduos com carga viral indetectável.  

A maioria dos estudos que avaliam resultados com tratamento com os novos agentes mostram estabilização ou aumento da TFG, mas a normalização da função renal é menos frequente. Estudos que avaliam a taxa de declínio da TFG ao longo do tempo antes e depois do tratamento mostram benefício com a terapia.

Mensagens práticas sobre a hepatite C

– Indivíduos infectados pelo vírus HCV estão sob maior risco de complicações extra-hepáticas, como doença cardiovascular, linfomas de células B, DM tipo 2 e doença renal crônica, devendo ser monitorados para o desenvolvimento dessas condições. 

– As evidências atuais sugerem que o tratamento com os antivirais de ação direta, além de altas taxas de resposta virológica sustentada, está associado à redução das manifestações extra-hepáticas associadas à infecção pelo vírus. 

– Atualmente, recomenda-se o rastreio de infecção por HCV em:  

  • todos os indivíduos com 40 anos ou mais;
  • pacientes ou profissionais de saúde que tenham frequentado ambientes de hemodiálise em qualquer tempo;
  • pessoas que usam álcool ou outras drogas;
  • pessoas com antecedente de uso de drogas injetáveis, independente da época ou frequência de uso;
  • pessoas privadas de liberdade;
  • pessoas com história de transplante ou de transfusão sanguínea ante de 1993;
  • pessoas com exposição a sangue ou outros materiais biológicos contaminados;
  • crianças nascidas de mães que vivem com HCV;
  • pacientes com diagnóstico de diabetes, doenças cardiovasculares, antecedentes psiquiátricos, histórico de patologia hepática sem diagnóstico, elevação de transaminases, antecedente de doença renal ou de imunodepressão.

– Segundo nota técnica do Ministério da Saúde, as diretrizes atuais de tratamento de HCV no país orientam a incorporação gradual de esquemas pangenotípicos. Para indivíduos > 12 anos, com clearance de creatinina > 30ml/min, sem história de tratamento prévio e que não apresentem cirrose ou sejam classificados como Child-A, a recomendação é de uso de velpatasvir/sofosbuvir por 12 semanas. Para pacientes nas mesmas condições, mas que apresentem cirrose Child-B ou C, recomenda-se velpatasvir/sofosbuvir por 24 semanas ou velpatasvir/sofosbuvir com ribavirina por 12 semanas.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Cacoub, P, Saadoun, D. Extrahepatic Manifestations of Chronic HCV Infection. N Engl J Med 2021;384:1038-1052; DOI: 10.1056/NEJMra2033539 
  • Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatite C e Coinfecções. Brasília 2019. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2017/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-hepatite-c-e-coinfeccoes 
  • Ministério da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis Coordenação-Geral de Vigilância do HIV/AIDS e das Hepatites Virais OFÍCIO CIRCULAR Nº 6/2022/CGAHV/.DCCI/SVS/MS. Revoga e substitui as orientações do Ofício Circular nº 3/2022/CGAHV/.DCCI/SVS/MS e da Nota Informativa nº 13/2019-COVIG/CGVP/.DIAHV/SVS/MS, e estabelece os esquemas terapêuticos disponíveis para o tratamento da Hepatite C, no âmbito do SUS. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/legislacao/oficio-circular-no-62022cgahvdccisvsms