A revista The Lancet anunciou a retirada do artigo do ar no dia 04/06. Isso aconteceu após críticas de especialistas sobre a falta de transparência nos dados e a dificuldade que o periódico e os autores tiveram de conseguir uma auditoria externa. Saiba mais aqui.
A hidroxicloroquina tem estado nos holofotes de discussões científicas e políticas devido a polêmicas com relação ao seu uso em Covid-19. Esta semana associações médicas no Brasil se manifestaram contra seu uso generalizado, enquanto que o Ministério da Saúde liberou o uso para casos leves. Estamos diante de muitas dúvidas e precisamos de mais estudos para maiores esclarecimentos.
O The Lancet publicou hoje um estudo analisando 96 mil pacientes que não comprovou benefícios de cloroquina ou hidroxicloroquina em Covid-19, além de associar o uso com maior risco de morte por arritmias.
Hidroxicloroquina e cloroquina na Covid-19
Foi realizada uma análise de registro multinacional do uso de hidroxicloroquina ou cloroquina com ou sem um macrolídeo para o tratamento de Covid-19. O registro incluía dados de 671 hospitais em seis continentes. Incluíram pacientes hospitalizados entre 20 de dezembro de 2019 e 14 de abril de 2020, com um resultado positivo para SARS-CoV-2.
Dividiram os pacientes em grupos, os que receberam medicação (cloroquina sozinha, cloroquina com um macrolídeo, hidroxicloroquina sozinha ou hidroxicloroquina com um macrolídeo) e os pacientes que não receberam nenhum desses tratamentos (grupo controle).
Foram excluídos: pacientes para quem os tratamentos foram iniciados mais de 48 horas após o diagnóstico ou enquanto estavam em ventilação mecânica, assim como os pacientes que receberam remdesivir. Lembrando que o remdesivir tem sido visto como potencial terapia para Covid-19 em alguns países.
Resultados do estudo
- Foram incluídos 96.032 pacientes (idade média 53,8 anos) com Covid-19 no estudo. Destes, 14.888 pacientes estavam nos grupos de tratamento e 81.144 pacientes estavam no grupo controle. Ocorreram 10.698 (11,1%) óbitos de pacientes no hospital;
- Após o controle de múltiplos fatores de confusão, quando comparada com a mortalidade no grupo controle (9,3%), os grupos que receberam as medicações apresentaram independentemente um risco aumentado de mortalidade intra-hospitalar (hidroxicloroquina – 18%; hidroxicloroquina com um macrolídeo – 23,8%, cloroquina – 16,4%; e cloroquina com um macrolídeo – 22,2%). Além disso, os grupos que usaram as medicações apresentaram maior risco de arritmias ventriculares durante a hospitalização.
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Take-home message
O estudo publicado no The Lancet concluiu que não foi possível confirmar um benefício do uso da hidroxicloroquina ou cloroquina, associada ou não a macrolídeos, no ambiente hospitalar para a Covid-19. Cada um desses regimes de drogas foi associado à diminuição sobrevida hospitalar e aumento da frequência de arritmias ventriculares quando utilizado no tratamento da doença.
Este estudo tem alguns pontos positivos, como o fato de ter incluído grande número de pacientes de várias partes do mundo. Porém, trata-se de um estudo observacional o que aumenta a possibilidade de vieses, como por exemplo a tendência de os medicamentos serem prescritos para pacientes mais graves, o que poderia acabar aumentando a mortalidade do grupo que foi tratado.
Mais da autora: Covid-19 em pacientes graves: o que sabemos até agora?
Aguardamos novos estudos, de preferência ensaios clínicos randomizados que possam ajudar a esclarecer esta questão. Mas pelos últimos estudos publicados, parece que a cloroquina está cada vez mais longe de ser a resposta para a pandemia de Covid-19.
Referência bibliográfica:
- Mehra MR, Desai SS, Ruschitzka F, Patel AN. Hydroxychloroquine or chloroquine with or without a macrolide for treatment of COVID-19: a multinational registry analysis. www.thelancet.com Published online May 22, 2020 DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)31180-6
Qualquer pessoa que estuda farmacologia sabe que um indivíduo portador de COVID-19 terá maior risco de cardiotoxicidade quando recebe Cloroquina e seus análogos.Visto que a covid-19 “per se” induz estas condições, por seus efeitos na cascata de coagulação, no coração, nos rins, pulmões decorrente da ativação da tempestade imunológica. Entretanto nas doenças autoimunes estes danos não são generalizados como na covid-19, que torna o uso da cloroquina mais seguro.
Tenho a impressão que que 99% das pessoas que opinam sobre cloroquina, na mídia, possuem o conhecimento da farmacologia da cloroquina,para tal. Embora trata-se de uma droga antiga, pouca gente se interessava por estudá-la, o que indica um conhecimento pobre de sua farmacologia. Uma breve checagem no Pubmed que é possível obter o histórico das publicações com cloroquina. Isto explica a confusões que têm sido divulgadas.