Hiperbilirrubinemia indireta no período neonatal: atualização 2021 da SBP [parte 1]

A Sociedade Brasileira de Pediatria elaborou recomendações para a hiperbilirrubinemia indireta no período neonatal.

A hiperbilirrubinemia é caracterizada pelo acúmulo de bilirrubina nos tecidos, levando a um sinal muito frequente no período neonatal: a icterícia. Esse sinal está presente na primeira semana de vida em 60% dos recém-nascidos (RN) a termo e 80% dos prematuros.

A hiperbilirrubinemia pode ser de duas formas: conjugada (bilirrubina direta – BD) e não conjugada (bilirrubina indireta – BI).

A Sociedade Brasileira de Pediatria elaborou recomendações para a hiperbilirrubinemia indireta no período neonatal. Nesta série de três textos, vamos destacar os principais pontos do documento.

bebê com hiperbilirrubinemia indireta

Hiperbilirrubinemia e icterícia

A icterícia torna-se perceptível quando ultrapassa 5 mg/dL, podendo ser de causa fisiológica ou patológica. Se esse nível sérico aumentar demais, corre o risco de encefalopatia bilirrubínica, que na avaliação anatomopatológica se denomina kernicterus, onde há impregnação dos gânglios da base.

Essa encefalopatia bilirrubínica aguda (EBA) se manifesta com hipotonia ou hipertonia, sucção débil, opistótono, choro agudo e convulsões, podendo levar ao óbito. A mortalidade desta patologia é alta (cerca de 70%) e suas sequelas podem ser: paralisia cerebral espástica, deficiência auditiva, movimentos atetoides, distúrbios de deglutição e distúrbios de fonação.

Nesse momento, vale lembrar que prematuros com idade inferior a 32 semanas apresentam mielinização incompleta dos neurônios, podendo não se manifestar a forma clássica da encefalopatia bilirrubínica aguda. Porém, pode haver outros sinais e sintomas, como apneia, bradicardia, necessidade de oxigênio e de xantinas. O diagnóstico nesses prematuros tende a ser retrospectivo, somado a alterações na ressonância magnética (RNM).

Leia também: Níveis séricos maternos e neonatais de vitamina D e hiperbilirrubinemia no recém-nascido

Há também uma outra patologia denominada kernicterus sutil que acarreta alterações leves no desenvolvimento e que pode ser diagnosticada por meio da o história neonatal e na presença de alterações na RNM de crânio. Esse diagnóstico é feito por exclusão.

Hiperbilirrubinemia indireta

A hiperbilirrubinemia indireta é classificada como:

  1. Significativa: quando há necessidade de fototerapia, geralmente com bilirrubina total (BT) ≥12 mg/dL.
  2. Grave ou severa: BT próxima ao nível de exsanguineotransfusão, e geralmente BT ≥20 mg/dL ou qualquer valor de BT associado a sinais de EBA.
  3. Extrema: BT em nível de exsanguineotransfusão, geralmente BT ≥25 mg/dL ou qualquer valor de BT associado a sinais de EBA.

A principal causa de encefalopatia bilirrubínica continua sendo doenças hemolíticas por incompatibilidade ABO e Rh, porém o número de casos desta doença em prematuros tardios ou RN a termo tem aumentado, por provável alta hospitalar precoce (com menos de 48h de vida) e não acompanhamento da lactação e aleitamento materno.

Um conceito importante que temos que ter em mente é o conceito de icterícia fisiológica do RN, que cursa com icterícia após 24h de vida, e BT >12 mg/dL no terceiro e quarto dias de vida.

Por esse motivo que todo RN a termo com icterícia que surge em período inferior a 24-36h de vida ou que apresente BT superior a 12mg/dL merece investigação.

Hiperbilirrubinemia indireta em RN ≥ 35 semanas

Tem como fatores de risco:

  • Icterícia <24 a 36 horas após o nascimento;
  • Incompatibilidade materno-fetal Rh, ABO ou antígenos eritrocitários irregulares ;
  • Idade gestacional de 35 a 36 semanas;
  • Clampeamento tardio de cordão umbilical;
  • Dificuldade no aleitamento materno ou perda de peso > 7% em relação ao peso ao nascer;
  • Irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia;
  • Deficiência de G6PD;
  • Presença de céfalo-hematoma ou equimoses;
  • Fatores étnicos-raciais, como em descendentes asiáticos; RN filho de mãe diabética insulino-dependente;
  • Sexo masculino;
  • BT na zona de alto risco ou risco intermediário (> percentil 75) antes da alta hospitalar.

Veja mais: Percepção das mães quanto à icterícia de seus bebês recém-nascidos

A icterícia neonatal tem progressão craniocaudal e pode ser classificada em zonas:

  • Zona 1: icterícia em face (BI: 4 a 8 mg/dL);
  • Zona 2: face a umbigo (BI: 5 a 12 mg/dL);
  • Zona 3: até parte superior da coxa (BI: 8 a 16 mg/dL);
  • Zona 4: até tornozelo e pulso (BI: 11 a 18 mg/dL);
  • Zona 5: inclui palma das mãos e planta dos pés (BI > 15mg/dL);

Apenas a avaliação visual da icterícia não é aconselhável. Para quantificar os valores de bilirrubina, é necessária dosagem sérica de bilirrubina (padrão-ouro) ou a mensuração transcutânea.

A dosagem sérica de bilirrubina nos permite diferenciar se a icterícia é por aumento de BD ou BI. Essa diferenciação é de extrema importância, pois o aumento da BD com fezes acólicas e urina escura indica icterícia colestática (BD >1 mg/dL), como na hepatite ou na atresia de vias biliares. Em ambos os casos, o tratamento deve ser o mais rápido possível.

Outro ponto que é importante ressaltar é a importância da investigação de hipotireioidismo congênito nos casos de icterícia prolongada. Para uma avaliação mais completa da icterícia neonatal, é necessário solicitar, além da BT e frações, o grupo sanguíneo, coombs direto, eritrograma, dosagem de G6PG, urocultura e triagem metabólica.

Em 1999, para classificação em zonas de risco, Bhutani et al., sugeriram a seguinte tabela (recomendada até os dias atuais) para o seguimento da hiperbilirrubinemia em RN ≥35 semanas e peso ao nascer ≥2.000g:

Reprodução: Sociedade Brasileira de Pediatria

Este documento científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sugere dosar BT antes da alta hospitalar nos casos de: icterícia zona 2, icterícia em prematuros com 35 a 36 semanas, dificuldade de amamentação ou perda de peso >7%, incompatibilidade Rh ou ABO e icterícia nas primeiras 24 a 36h de vida.

Abaixo temos o fluxograma recomendado pela SBP para manejo da hiperbilirrubinemia indireta na primeira semana de vida dos RN ≥35 semanas:

Reprodução: Sociedade Brasileira de Pediatria

Hiperbilirrubinemia indireta em RN < 35 semanas

A hiperbilirrubinemia indireta está presente em quase todos os prematuros com menos de 35 semanas de idade gestacional, pois estes apresentam mais fatores de risco para neurotoxicidade bilirrubínica, como: instabilidade térmica, sepse, acidose, asfixia, hematomas, hemorragias intraventriculares, muito baixo peso, apneia, hipoalbuminemia.

Devido a esses fatores, a avaliação periódica da BT é recomendada, sendo a primeira dosagem com 24 a 36h de vida e reavaliação a cada 24h, caso necessário.

As etiologias para hiperbilirrubinemia indireta são divididas em:

  • Sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito: doenças hemolíticas hereditárias ou adquiridas, coleções sanguíneas extravasculares, policitemia e circulação entero-hepática aumentada de bilirrubina;
  • Deficiência ou inibição da conjugação da bilirrubina: hipotireoidismo congênito, icterícia do leite materno, Síndrome de Gilbert, Síndrome de Crigler Najjar.

Para investigação etiológica completa, é necessário solicitar: BT e frações, hemograma completo, grupo sanguíneo, Coombs direto, dosagem de G6PD, dosagem sanguínea do hormônio tireoidiano e TSH, ultrassonografia (USG) transfontanela.

Para informações sobre o tratamento da hiperbilirrubinemia indireta no período neonatal, confira os próximos textos da série, que sairão neste final de semana.

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Referências bibliográficas:

  • SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. “​​Hiperbilirrubinemia Indireta no período neonatal”. 2021. Disponível em: https://www.sbp.com.br . Acesso em 03/11/2021
  • KRAMER, L. I. Advancement of dermal icterus in the jaundiced newborn. Am J Dis Child, v.118, p.454-8, 1969
  • BHUTANI, V. K.; JOHNSON, L.; SIVIERI, E. M. Predictive ability of a predischarge hour-specific serum bilirubin for subsequent significant hyperbilirubinemia in healthy-term and near term newborns. Pediatrics, v.103, p.6-14, 1999
  • AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Subcommittee on hyperbilirubinemia. Management of hyperbilirrubinemia in the newborn infant 35 or more weeks of gestation. Pediatrics, v.114, p.297-316, 2014
  • MAISELS, M. J. et al.. An approach to the management of hyperbilirubinemia in the preterm infant less than 35 weeks of gestation. J Perinatol, v.32, p.660-4, 2012

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