Hiperglicemia e citopenias como sinais de infecção pela variante delta do SARS-CoV-2 em prematuros

Um artigo relatou casos de prematuros com infecção confirmada por SARS-CoV-2 que apresentaram hiperglicemia e disfunção da medula óssea.

As informações sobre infecções por SARS-CoV-2 em recém-nascidos (RN) prematuros permanecem limitadas. No início da pandemia, alguns estudos relataram que o risco de infecção neonatal era relativamente pequeno e que os RN afetados tinham uma apresentação oligossintomática. Porém, após o aumento do número de casos da variante delta, notou-se também um aumento nos relatos de doença mais grave em lactentes.

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hiperglicemia

Estudo

Um artigo publicado pela revista Pediatrics esse ano relata uma série de três casos de prematuros com infecção confirmada por SARS-CoV-2 que apresentaram hiperglicemia significativa e disfunção da medula óssea.

Desses três casos, dois lactentes foram infectados através de transmissão vertical presumida e um lactente foi infectado por transmissão por gotículas.

No início, a duração dos sintomas e o tratamento foram semelhantes em todos os bebês.

Para tal estudo, foi realizado um estudo de caso retrospectivo de prematuros atendidos no hospital universitário de Iowa. Em todos, o teste para SARS-CoV-2 foi realizado por reação em cadeia da polimerase.

Paciente 1

Gêmeo A, nascido de 28 semanas de idade gestacional (IG), com peso ao nascimento 1.135 gramas. Mãe com covid-19 dois dias antes do parto, gestação gemelar monocoriônica diamniótica, evoluiu com síndrome Hellp e necessitou de intubação orotraqueal (IOT) e anestesia geral no parto. O RN, ao nascer, necessitou de IOT e surfactante devido a insuficiência respiratória. Evoluiu com acidose metabólica e ficou por três dias intubado. No segundo dia de vida, evoluiu com leucopenia, neutropenia e linfopenia. Com 48h de vida, foi testado para SARS-CoV-2, que deu positivo para o genótipo SARS-CoV-2 variante B 1.617.2. No sexto dia de vida, a contagem de linfócitos se normalizou. No sétimo dia de vida, evoluiu com hiperglicemia (175 mg/dL) com uma taxa de infusão de glicose (TIG)  8,8 mg/kg/min, que foi ajustada para 3,8 mg/kg/min. Após isso, a glicemia voltou a taxas normais em dois dias. No décimo dia de vida, a contagem de neutrófilos se normalizou. E, no trigésimo dia de vida, o teste para SARS-CoV-2 foi negativo.

Paciente 2

Gêmeo B, nascido de 28 semanas de IG, com peso de nascimento 1.015 gramas. As complicações da gravidez e do parto são as mesmas do paciente 1. Este RN também necessitou de IOT após o parto e terapia com surfactante. Apresentou acidose metabólica que se normalizou no terceiro dia de vida. No primeiro dia de vida, foi diagnosticado com hemorragia intraventricular grau II bilateral por ultrassom transfontanela. No segundo dia de vida, também apresentou leucopenia, com neutropenia e linfopenia. Com 48h de vida, foi testado para SARS-CoV-2, que foi positivo para o genótipo SARS-CoV-2 variante B 1.617.2. No terceiro dia de vida, apresentou hiperglicemia (195 mg/dL) com TIG 4,8mg/kg/min, quando reduzida para 2,5 mg/kg/min. No quarto dia de vida, a hemorragia intraventricular evoluiu para grau III com dilatação ventricular. No sétimo dia de vida, as contagens de linfócitos e neutrófilos se normalizaram. No décimo segundo dia de vida, os níveis de glicose se normalizaram. Foi repetido o teste para SARS-CoV-2 no trigésimo e no trigésimo oitavo dias de vida e ambos continuaram positivos. As precauções respiratórias continuaram até a alta do RN.

Paciente 3

Nascido de 24 semanas com peso de nascimento 670 gramas. Gravidez com pouca assistência pré-natal, infecção ativa pelo herpes simplex, evoluiu com trabalho de parto prematuro sem causa aparente. O RN necessitou de IOT e terapia com surfactante após o nascimento, e iniciado antibioticoterapia empírica e também aciclovir venoso (este descontinuado após PCR para vírus herpes simplex negativo). No sétimo dia de vida, sua mãe o visitou e relatou perda de paladar e olfato, testando positivo para SARS-CoV-2 naquele mesmo dia. No nono dia de vida, apresentou hiperglicemia (379 mg/dL) com TIG 6,2 mg/kg/min, que foi reduzida para 5 mg/kg/min. No décimo primeiro dia de vida, testou negativo para covid-19. Já no décimo segundo dia de vida, apresentou plaquetopenia. No décimo sexto dia de vida, evoluiu com leucocitose com predomínio de neutrófilos, mas com hemocultura negativa. No décimo nono dia de vida, mantinha insuficiência respiratória e canal arterial patente, mantendo hiperglicemia (255 mg/dL) e leucocitose. Foi rastreado nesse mesmo dia para SARS-CoV-2 e foi positivo. Dois dias após a redução da TIG, apresentou normoglicemia. E, com 22 dias de vida, a plaquetopenia e a leucocitose se resolveram.

Discussão

Desde o início da pandemia até agosto de 2021, o hospital universitário de Iowa não havia notificado nenhum RN com resultado positivo para SARS-CoV-2, apesar de realizar testes em RN internados a cada cinco dias. Os três casos relatados neste estudo foram num curto período de tempo. É provável que essa mudança possa ser explicada pela crescente incidência da variante delta do SARS-CoV-2.

O risco de um teste positivo no RN para SARS-CoV-2 no período perinatal em mães positivas para o vírus é relativamente baixo, variando de 0 a 3%.

Infelizmente, os dados sobre covid-19 em RN prematuros são escassos, e a maioria dos estudos é relato de casos. A maioria dos sintomas descritos consiste em febre e sintomas respiratórios leves.

Nesse estudo, os RN apresentaram hiperglicemia de dois a sete dias após exposição ao vírus. Em adultos, a hiperglicemia sem diabetes tem sido associada a piores desfechos, porém não há relatos do período neonatal.

Alguns estudos já relataram a associação da proteína spike do SARS-CoV-2 com a enzima conversora da angiotensina. Essa associação ocorre em vários órgãos, incluindo o pâncreas, lesando as células das ilhotas pancreáticas, resultando em hiperglicemia aguda e diabetes de início recente. Nesses três bebês relatados, acredita-se que esse processo possa ter acontecido.

Além dessa lesão pancreática transitória, foi notada também uma disfunção medular transitória. Os pacientes gemelares podem ter adquirido as citopenias devido à pré-eclâmpsia materna, porém essas citopenias secundárias à síndrome Hellp se manifestam ao nascimento e persistem até quatro dias após. Nos gemelares, essa neutropenia e trombocitopenia se apresentaram mais tardiamente e tiveram duração mais prolongada. No paciente 3, também notamos  manifestação mais tardia e duração mais prolongada. Essa disfunção da medula óssea observada nesses pacientes é mais compatível com a covid-19.

Leia também: Positividade de SARS-CoV-2 na descendência e momento de transmissão mãe-filho

Ambos os RN tiveram infecção pela variante delta, e esta parece estar afetando mais as crianças do que as outras variantes.

Nos pacientes 1 e 2, é provável que a transmissão seja vertical, porém não sabemos ao certo se a via de transmissão foi no pré-natal ou no intra-parto. Já no paciente 3, é provável infecção após contato com indivíduo infectado. Independente do modo de transmissão, esses três lactentes tiveram cursos clínicos muito semelhantes, e não descritos em estudos neonatais anteriores.

Por fim, ainda estamos no contexto de pandemia e temos que considerar a possibilidade de doença clínica mediada pelo SARS-CoV-2 em RN prematuros de muito baixo peso que demonstram certos padrões de anormalidades metabólicas e hematológicas agudas.

 

 

 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Boly TJ, Reyes-Hernandez ME, Daniels EC, Kibbi N, Bermick JR, Elgin TG. Hyperglycemia and Cytopenias as Signs of SARS-CoV-2 Delta Variant Infection in Preterm Infants [published online ahead of print, 2022 Mar 3]. Pediatrics. 2022;10.1542/peds.2021-055331. doi: 10.1542/peds.2021-055331