Hiperparatireoidismo primário: o que é, como diagnosticar e tratar

O hiperparatireoidismo primário (HPTP), causa mais comum de hipercalcemia, é mais frequentemente identificado em mulheres na pós-menopausa.

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O hiperparatireoidismo primário (HPTP), causa mais comum de hipercalcemia, é mais frequentemente identificado em mulheres na pós-menopausa. Atualmente, três fenótipos clínicos distintos são reconhecidos de acordo com evolução, envolvimento de órgãos-alvo, história natural e manejo. Um resumo com os principais tópicos sobre o assunto, apresentados em dois importantes artigos de revisão publicados recentemente, é apresentado a seguir.

Hiperparatireoidismo primário

Apresentação clínica do hiperparatireoidismo primário

O HPTP tem uma história natural variável. Em sistemas de saúde nos quais o cálcio sérico é medido rotineiramente, os pacientes com HPTP costumam apresentar hipercalcemia leve a moderada, e níveis inapropriados (não supressos ou elevados) de paratormônio (PTH).

Menos de 20% dos pacientes apresentam sintomas, que podem ser causados ​​por hipercalcemia, particularmente quando o cálcio sérico é > 12 mg/dL e/ou se aumentou rapidamente. Os sintomas incluem poliúria, polidipsia, constipação, anorexia, vômitos, desidratação, arritmias e alterações do estado mental. Além disso, sintomas podem indicar lesão de órgãos-alvo.

O envolvimento renal pode assumir as formas de hipercalciúria, nefrolitíase, nefrocalcinose e/ou redução da função renal. Embora a incidência de manifestações renais tenha diminuído, estudos recentes têm demonstrado que cálculos e/ou nefocalcinose estão presentes em 21 a 55% dos pacientes com HPTP, mesmo quando assintomático.

A sintomatologia esquelética pode assumir a forma de qualquer combinação de fraturas por fragilidade, deformidades e dor óssea. Qualquer padrão de perda óssea pode ser visto no HPTP, variando de DMO uniformemente baixa a DMO uniformemente normal. O envolvimento preferencial do 1/3 distal do rádio no PHPT indica que os efeitos catabólicos do excesso de PTH ocorrem primeiro em sítios com predomínio de osso cortical.
Depressão, ansiedade e dificuldade de memória e concentração são frequentes no hiperparatireoidismo primário, contudo, a patogênese desses distúrbios é incerta.

A incidência de hipertensão, alterações na massa e função ventricular esquerda e outras alterações cardíacas foram observadas com maior frequência no HPTP do que na população geral. Estudos observacionais relataram aumento dos riscos de morte cardiovascular e por qualquer causa em pacientes com hiperparatireoidismo primário. Atualmente são reconhecidos três fenótipos clínicos distintos no HPTP. Em artigo recentemente publicado no JCEM, o Dr John P. Bilezikian resume as principais caraterísticas de cada um deles:

1) O Transtorno Sintomático:

Nas descrições do período entre 1930 e 1970, o hiperparatireoidismo primário era geralmente considerado um distúrbio sintomático com complicações esqueléticas e renais evidentes. Radiologicamente, eram achados como aspecto de “sal e pimenta” ao RX de crânio, afilamento distal das clavículas, reabsorção óssea das falanges, cistos ósseos e tumores marrons. Cálculos e nefrocalcinose constituíam as manifestações renais. Fraqueza muscular proximal era observada com certa frequência.

2) O Transtorno Assintomático:

Nos anos 70, com maior disponibilidade de análises bioquímicas, o HPTP assintomático emergiu como a forma clínica predominante. Como o HPTP estava agora sendo descoberto incidentalmente, características típicas do PHPT não eram mais vistas com frequência. Na maioria dos pacientes assintomáticos, os perfis bioquímicos do soro e da urina permanecem estáveis ​​por anos, porém o autor discute que o uso do termo assintomático provavelmente precise de algum ajuste, mesmo que apenas semanticamente, pois uma avaliação mais detalhada desta população pode mostrar envolvimento do esqueleto e/ou rins, por exemplo.

3) O Transtorno Normocalcêmico:

Foram necessárias outras quatro décadas antes que a variante normocalcêmica do HPTP fosse descrita, o que ocorreu na primeira década deste século. Nesse período, o hiperparatireoidismo primário passava a ser descoberto em pacientes avaliados por baixa massa óssea ou osteoporose franca. O NPHPT pode ser assintomático ou sintomático.

O diagnóstico diferencial do NPHPT requer a exclusão de causas secundárias do aumento do PTH. A deficiência de vitamina D é uma das causas secundárias mais importantes a serem descartadas. Outros distúrbios associados a um aumento secundário de PTH, como insuficiência renal, síndromes de má absorção, medicamentos como diuréticos, lítio, bisfosfonatos e denosumabe devem ser descartados antes de confirmar o diagnóstico do NPHPT.

As três formas clínicas coexistem em todas as populações, porém em contextos de cuidados de saúde limitados em recursos, os doentes apresentam níveis séricos de cálcio mais elevados e são mais sintomáticos.

Epidemiologia

O PHPT predomina entre as mulheres, com uma proporção mulher:homem de 3-4: 1. A prevalência varia por país e raça. Nos Estados Unidos, por exemplo, a prevalência do HPTP é de 0,86%. Para o NPHPT as estimativas de prevalência giram em torno de 0,4-11%. Outro determinante da epidemiologia desta doença é o quanto a triagem bioquímica é usada na rotina de atendimentos.

Etiologia e fatores de risco

O HPTP está mais frequentemente associado a um adenoma único da paratireoide. Na maioria das vezes, o HPTP é uma doença esporádica, sem história familiar e sem evidências de envolvimento de outras glândulas endócrinas.

Fatores de risco ambientais e modificáveis ​​que foram associados ao HPTP incluem: ingestão de cálcio cronicamente baixa, atividade física reduzida, maior peso corporal, uso de furosemida e hipertensão. Radiação cervical externa, terapia com lítio e tiazida são também fatores de risco clássicos. Quanto aos tiazídicos, sugere-se que seu uso desmascare a hipercalcemia pelo HPTP subjacente, o que não é revertido com a suspensão da medicação.

Diagnóstico e avaliação

  • A avaliação do paciente com hiperparatireoidismo deve incluir:
  • PTH intacto: níveis altos ou não supressos (inadequadamente normais);
  • Cálcio sérico (níveis geralmente elevados), fósforo, fosfatase alcalina, provas de função renal;
  • 25-hidroxivitamina D: geralmente normal ou normal-baixo, em parte porque o PTH aumenta a conversão deste metabólito em 1,25-di-hidroxivitamina D; níveis de 1,25-di-hidroxivitamina D são frequentemente altos ou no nível superior do normal.
  • Dosagem de cálcio e creatinina na urina de 24 horas: cálcio geralmente alto, mas pode estar baixo em pacientes com baixa ingesta de cálcio.
  • Perfil bioquímico urinário mais completo para avaliação de risco de litíase (hipocitratúria e hiperoxalúria) deve ser realizado se hipercalciúria importante estiver presente (>400mg/dia).
  • Densitometria óssea por DEXA: coluna lombar, fêmur e terço distal do rádio;
  • Avaliação abdominal: Ecografia (US), radiografia (RX) ou tomografia computadorizada (TC);
  • Avaliação da coluna vertebral: RX ou TC;
  • Exames de imagem das paratireoides não são necessários para estabelecer o diagnóstico de HPTP, porém quatro métodos de imagem pré-operatórios podem ser utilizados para localizar a(s) paratireoide(s) anormal(is).
Sensibilidade Valor Preditivo Positivo Vantagens/Limitações
Ecografia 70 a 81% 90 a 95% Sem irradiação. Adenomas são hipoecoicos com vascularização periférica. Não detecta adenomas mediastino.
Cintilografia 64 a 90% 83 a 96% Pode detectar paratireoide ectópica.
Tomografia 4D 89% 93% Útil para detectar adenomas ectópicos ou múltiplos e em pacientes que serão reoperados. Expõe a tireoide à radiação ionizante.
Ressonância 88% 90% Semelhante à tomografia, sem a radiação.

Diagnóstico diferencial

No HPTP o nível de PTH é francamente elevado, mas também pode estar dentro da faixa normal. Em virtualmente todas as outras etiologias de hipercalcemia, o nível de PTH será francamente supresso.

Substâncias interferentes, como a biotina, podem causar a leitura baixa do PTH em alguns ensaios. O diagnóstico diferencial da hipercalcemia dependente de PTH inclui o uso de diuréticos tiazídicos e lítio. Se possível, esses medicamentos devem ser descontinuados, porém as alterações bioquímicas podem persistir.

Hiperparatireoi-dismo primário Hiperpara normocalcêmico Hiperpara secundário Hiperpara

terciário

Hipercalcemia hipocalciurica familiar
Hipercalcemia familiar Não Não Não Não Sim
Hipercalcemia vitalícia Não Não Não Não Sim
PTH Normal ou ↑
Cálcio Normal ou normal baixo Normal ou ↑
Fósforo Normal ou normal baixo Normal ou normal baixo Variável Geralmente ↑ Normal
25 OH D Normal Normal Normal ou ↓ Normal Normal
1,25 (OH)2 D ou normal alta Variável, mas não↓ Variável Normal
DMO Pode ser ↓ sítios corticais Pode ser ↓ sítios corticais Pode ser ↓ sítios corticais Pode ↓ sítios corticais Normal
Cálcio urinário 24 horas Normal ou ↑ Normal ou ↑ frequente

Tratamento

Diretrizes para paratireoidectomia se aplicam a todas as três formas clínicas da doença. Mesmo na ausência de indicações formais, a paratireoidectomia pode ser uma opção, desde que não existam contraindicações médicas.

Tratamento cirúrgico

A cirurgia continua sendo o único tratamento definitivo para o HPTP. Está indicada nos pacientes sintomáticos, e naqueles assintomáticos que preenchem os seguintes critérios:

Parâmetros Critérios para paratireoidectomia
Idade < 50 anos
Cálcio sérico >1,0 mg/dL acima do limite superior do normal
Manifestações esqueléticas – T score ≤2,5 em coluna, fêmur ou terço distal do rádio
– Fratura por fragilidade
Manifestações renais – Clearence de creatinina ˂ 60 ml por minuto
– Cálculos renais ou nefrocalcinose
– Hipercalciúria (> 400mg/dia) acompanhada por perfil bioquímico urinário indicativo de risco aumentado de formação de cálculos

Dosagem intraoperatória do PTH deve ser realizada quando disponível. Após a remoção de um único adenoma, o PTH deve diminuir, de imediato, em pelo menos 50%, normalizando em 15 a 30 minutos após o procedimento. Isto é particularmente importante quando mais de uma glândula está alterada, evitando a necessidade de novas intervenções. Em centros especializados em cirurgia de paratireoide, as taxas de cura estão acima de 95%.

Complicações potenciais (todas incomuns) incluem lesão do nervo laríngeo recorrente (<1% dos casos), infecção da ferida e sangramento. Hipocalcemia transitória no pós-operatório (geralmente leve) ocorre em 15 a 30% dos casos, mas pode ser minimizada pelo uso adequado de calcitriol e suplementação de cálcio.

Leia mais: Terapia combinada de LT3 e LT4 a longo prazo no hipotireoidismo: há benefício?

A cura cirúrgica é seguida por um aumento da massa óssea na faixa de 2 a 4% no primeiro ano de pós-operatório, reduzindo o risco de fraturas significativamente em relação aos pacientes não tratados. Também se espera um menor risco de recorrência de cálculos urinários. Nem sempre há melhora dos sintomas emocionais e neurocognitivos. Ainda não se sabe o quanto a cirurgia é capaz de reduzir o risco de doença cardiovascular associado ao hiperparatiroidismo.

1) Tratamento clínico

Para pacientes que recusam ou não são candidatos à cirurgia, o tratamento tem o objetivo de controlar a hipercalcemia, a doença óssea e a hipercalciúria. As diretrizes para acompanhamento médico recomendam:

Parâmetros Frequência de avaliação
Cálcio sérico Anualmente
Esquelético – Densitometria óssea (coluna, quadril e rádio) a cada 1 a 2 anos
– Imagem da coluna vertebral para avaliação de fratura se houver suspeita (dor, perda de altura)
Renal – Creatinina sérica e taxa de filtração glomerular anualmente
– Se houver suspeita clínica de cálculos renais , imagem abdominal (RX, US ou TC).

Vitamina D e Cálcio

Deficiências em vitamina D e cálcio dietético pioram o HPTP, então os pacientes devem ter uma dieta suficiente em cálcio (1000 a 1200 mg /dia) e manter uma 25-OH vitamina D na faixa de 20 a 30ng/mL, com o uso cuidadoso de suplementos de vitamina D quando necessário. Embora os suplementos de cálcio não piorem a hipercalcemia na maioria dos pacientes com doença leve, fontes alimentares de cálcio são sempre preferidas, e os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados se suplementos forem prescritos. A hidratação é importante para prevenir o agravamento da hipercalcemia e reduzir o risco de nefrolitíase.

Uso de Calcimiméticos

Cinacalcet é um ativador alostérico do receptor sensível ao cálcio, e no HPTP sensibiliza esse receptor para o cálcio sérico, reduzindo a síntese e secreção do PTH. O nível sérico de cálcio é normalizado em 70% dos casos, mas o cinacalcet não tem efeito na densidade mineral óssea.

Terapia Anti-reabsortiva

Quando se compara a cirurgia com a terapia com bisfosfonatos o aumento da massa óssea é semelhante após 1 a 2 anos, porém estudos de longo prazo são limitados. Bisfosfonatos orais não corrigem a hipercalcemia do HPTP.

Diuréticos Tiazídicos

Hidroclorotiazida (12,5 a 50mg/dia) reduziu significativamente o cálcio urinário e os níveis de PTH sem aumento do cálcio sérico. Reduzir o cálcio urinário diminui o risco de formação de cálculos de cálcio. Tiazidas podem ser consideradas para pacientes com hipercalciúria considerados de risco para nefrolitíase. Monitoramento cuidadoso do cálcio sérico deve ser realizado.

Os pacientes também devem ser estimulados à prática regular de atividades físicas e outras medidas para prevenção de fraturas.

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  • Referências:
  • Bilezikian, John P. Primary Hyperparathyroidism. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. 2018, Nov. doi.org/10.1210/jc.2018-01225.
  • Solomon, Caren G. Primary Hyperparathyroidism. New England Journal of Medicine. 2018, Sep. DOI: 10.1056/NEJMcp1714213

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