Hipertensão arterial: só 18% dos pacientes recebem cuidado adequado

Menos de um quinto dos pacientes com hipertensão arterial recebe tratamento adequado para a doença. Desigualdade social está relacionada.

Se por um lado a desigualdade social cresce no Brasil, o cuidado adequado em relação à hipertensão arterial decai. Segundo dados do estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em 2019, apenas 18,8% dos brasileiros obtiveram orientações de excelência para lidar com a doença, enquanto seis anos antes a taxa (embora também ruim) era de 25,3%. 

O levantamento sobre hipertensão arterial, publicado recentemente na Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde (RESS), utilizou informações das edições de 2013 e 2019 da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE). 

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Os pesquisadores incluíram no questionário as respostas de pessoas a partir de 18 anos com o diagnóstico confirmado de hipertensão arterial.

Foi considerado como cuidado adequado da enfermidade se os pacientes ouviram algumas recomendações dos médicos e outros profissionais de saúde durante as consultas. 

As recomendações incluíam como manter uma alimentação saudável e o peso adequado, ingerir menos sal, praticar atividade física, não fumar, não ingerir bebida alcoólica em excesso e fazer acompanhamento regular. A solicitação de exames também foi considerada como um indicador da adequação do cuidado recebido. 

Atualização no tratamento da hipertensão arterial pulmonar

Desigualdade social versus hipertensão arterial 

Ao fazer os recortes sociais, os autores evidenciaram ainda mais a desigualdade no país. Concluíram que quanto melhor a classificação econômica, melhor cuidado foi dispensado para quem tem hipertensão arterial. 

Apenas 9% dos pacientes mais pobres da PNS de 2019 receberam cuidados adequados; enquanto entre os de classe social mais alta esse número sobe para 33%. 

As orientações mais citadas foram ingerir menos sal (91,2% em 2013 e 87,8% em 2019), manter alimentação saudável (88,3% em 2013 e 87,2% em 2019), fazer acompanhamento regular (87,5% em 2013 e 85,3% em 2019) e manter o peso adequado (84,8% em 2013 e 84,3% em 2019). 

Já as menos citadas foram praticar atividade física regular (81,8% em 2013 e 81,7% em 2019), não fumar (76,1% em 2013 e 67,3% em 2019) e não beber em excesso (75,2% em 2013 e 66,6% em 2019) 

No que toca à classificação econômica, em ambas as amostras, à exceção das orientações para ingerir menos sal nas refeições e não fumar, nas demais orientações, as pessoas mais ricas tiveram vantagem significativa e com tendência linear. 

Em relação aos exames mais solicitados aos entrevistados com hipertensão arterial foram os de sangue (81,4% em 2013 e 80,2% em 2019) e de urina (70,9% em 2013 e 70,2% em 2019). E os menos solicitados foram o eletrocardiograma (65,5% em 2013 e 64,8% em 2019) e o teste de esforço (36,5% em 2013 e 33,8% em 2019) 

A estratificação revelou o mesmo perfil de desigualdade encontrado na análise das orientações, sendo os mais pobres os menos contemplados com a prescrição de exames, tanto em 2013 como em 2019 

A distribuição geográfica do recebimento de cuidados adequados, nos dois períodos, também foi analisada: Nordeste (20% em 2013 e 13,7% em 2019); Norte (22,5% e 17,4%); Sudeste (27,9% e 20,5%); Sul (22,5% e 19,7%) e Centro-Oeste (27,4% e 24,6%).

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Possíveis causas para a desigualdade de informações 

Elaine Tomasi, epidemiologista e uma das autoras do artigo, afirma que existem diversas causas que explicam esses números.  

“Estamos falando do tempo pré-pandemia. Então, no macro, identificamos diversas possíveis causas, tais como: a Emenda Constitucional 95, que cortou importantes recursos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a promulgação da nova versão da Política Nacional de Atenção Básica – responsável por mais de 70% dos atendimentos principalmente para a população mais vulnerável”, informou. 

Além disso, a pesquisadora acredita que o investimento na educação continuada e melhores condições de trabalho para os profissionais de saúde podem aumentar a quantidade de pacientes com hipertensão arterial que recebem cuidados adequados. 

“Se você fortalece o provimento dos profissionais de saúde, o benefício não é apenas para os hipertensos. Estende a todos os pacientes com doenças crônicas e não crônicas”, recomendou Tomasi. 

A pesquisa também analisou aspectos como raça, sexo, idade e se o atendimento foi realizado em serviços públicos ou particulares de saúde.  Indivíduos com melhor nível socioeconômico apresentaram prevalência de cuidado adequado 2,54 vezes maior em 2013, e 3,53 vezes maior em 2019, em relação aos de menor nível socioeconômico. 

Avaliação dos obstáculos para melhorar o cuidado 

Em entrevista ao Portal de Notícias da PEBMED, o diretor da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-FMUSP), Luiz Aparecido Bortolotto, comentou que entre os pontos mais relevantes do levantamento está a representatividade nacional das amostras e a oportunidade de comparação da evolução de alguns indicadores de cuidados em saúde em dois momentos distintos. 

“Conseguimos identificar as tendências e os padrões na qualidade da atenção às pessoas com hipertensão arterial pelo sistema de saúde em diferentes cenários sociais através do estudo. Entre as principais conclusões, baseadas nas somas de indicadores que incluem recomendações de hábitos saudáveis de vida informadas aos portadores de hipertensão e de exames solicitados, podemos observar que apenas em torno de 20% dos indivíduos analisados (cerca de 11000) apresentavam um cuidado considerado adequado, com diferenças tanto entre as regiões do Brasil (melhor no Centro-Oeste e Sudeste e pior no Norte e Nordeste), quanto de nível socioeconômico (piores em populações mais pobres) e maior adequação do cuidado em indivíduos atendidos em serviços privados. Esses índices tiveram piora entre 2013 e 2019. No entanto, cabe ressaltar que as informações referentes à educação alimentar estavam presentes na maioria dos indivíduos”, comentou Bortolotto, acrescentando que a análise dos dados vai permitir avaliar quais os principais obstáculos para se obter uma melhor adequação de cuidados. 

Apesar da ausência de dados concretos que avaliem se o atendimento aos pacientes hipertensos piorou ou não durante a pandemia de Covid-19, é possível supor que a crise sanitária afetou muito o acesso dos pacientes com doenças crônicas, principalmente hipertensão arterial, ao sistema ambulatorial de saúde, e com certeza os cuidados podem ter piorado, principalmente no que diz respeito ao acompanhamento médico e na realização de exames. 

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Limitações do estudo 

De acordo com o diretor da Unidade de Hipertensão do InCor-FMUSP, a principal limitação da metodologia aplicada no estudo é que os dados foram baseados em questões um pouco restritas no que se refere ao cuidado completo do paciente hipertenso, principalmente relacionados aos exames solicitados. 

“Outro dado que seria importante era avaliar em conjunto o percentil de controle da pressão arterial neste grupo, o que reforçaria onde o déficit de cuidado estaria impactando mais”, ressaltou Bortolotto. 

Orientações aos médicos e novas tecnologias a serviço dos pacientes 

Vale lembrar que os pacientes hipertensos necessitam ter o acompanhamento de uma equipe multiprofissional, sendo importante seguir uma rotina de avaliação desde a primeira consulta, como medidas de pressão arterial com aparelhos validados e com as técnicas apropriadas, solicitação de exames complementares baseados na clínica do paciente e alguns de forma obrigatória para todos, orientação dos hábitos saudáveis de vida, além de seguir um tratamento preconizado e adequado para cada paciente, como enfatizou o entrevistado. 

“Existem diretrizes atuais das sociedades médicas e também do Ministério da Saúde, de fácil acesso para o melhor cuidado destes pacientes. O controle através de visitas regulares para ajustes das medicações ou percepção de alguma complicação existente são muito importantes nestes casos, uma vez que a hipertensão arterial é multifatorial, incluindo a genética e os fatores ambientais, como o consumo de sal excessivo, o sedentarismo e a obesidade”, destacou Bortolotto, sinalizando que existem diversas frentes para melhorar o monitoramento dos pacientes de forma remota, como as teleconsultas de orientação e a verificação de pressão arterial através de medidas realizadas em casa por aparelhos validados para este fim, fornecidos ou não pelos serviços de saúde. 

“No Incor, por exemplo, estamos realizando um estudo piloto, que será expandido, para o monitoramento integrado por meio de aplicativos de celular aproximando mais o paciente do cuidado completo de sua saúde”, contou o diretor da Unidade de Hipertensão da entidade. 

Trata-se do smartwatch Galaxy Watch 4, que permite aos usuários monitorarem a própria pressão arterial, sendo possível detectar um batimento cardíaco irregular por meio de um eletrocardiograma. 

Fruto da parceria entre o Incor e a Samsung, o dispositivo está sendo utilizado para monitorar também a saturação do oxigênio, batimentos cardíacos e qualidade do sono dos pacientes voluntários. 

A tecnologia conta ainda com um sensor para a avaliação da composição corporal através da bioimpedância, que é um teste que oferece compreensão mais profunda da saúde e forma física geral do usuário, com medições importantes como músculo esquelético, taxa metabólica basal, água corporal e porcentagem de gordura corporal. 

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