Hipertensão secundária, seus fenótipos e mecanismos

A hipertensão arterial costuma ser assintomática e seu diagnóstico é estabelecido através de medidas rotineiras da pressão arterial.

Diversas formas de hipertensão secundária contribuem para a morbimortalidade cardiovascular em decorrência de quantidades excessivas de catecolaminas, aldosterona, angiotensina II ou cortisol, que levam a hipertrofia ventricular, disfunção sistólica e diastólica, cardiomiopatia induzida por estresse (Takotsubo), miocardite e cardiomiopatia dilatada.

Conhecer os diferentes fenótipos cardíacos ajuda a entender os mecanismos que contribuem para a ocorrência dessas alterações e, recentemente, foi publicada uma revisão com as principais formas de hipertensão secundária e seus mecanismos.

Hipertensão secundária, seus fenótipos e mecanismos

Coarctação de aorta

A coarctação de aorta é doença congênita rara (10% dos defeitos cardíacos congênitos), tem maior frequência em homens e é causa frequente de hipertensão em crianças.

Ocorre alteração na composição da parede arterial, com mais colágeno e espessamento intimal e alteração na formação das fibras elásticas. Pacientes com coarctação corrigida e normotensos parecem ter disfunção endotelial e envelhecimento arterial precoces. Essas alterações, juntamente com alterações dos barorreceptores e aumento de atividade simpática são a base da hipertensão nesses pacientes.

Ou seja, a coarctação não é apenas um estreitamento isolado na aorta, mas sim uma doença que gera vasculopatia generalizada. Existem alguns defeitos associados, como valva aórtica bicúspide, persistência de ducto arterial, defeito de septo ventricular e atrial e forame oval patente e pacientes jovens com hipertensão e valva aórtica bicúspide devem ter coarctação de aorta investigada ativamente.

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Pacientes com coarctação corrigida podem ter re-estenose, dilatação ou aneurisma de aorta, hipertensão arterial e alterações como aumento do índice de massa do VE (IMVE), remodelamento concêntrico e hipertrofia ventricular esquerda (HVE). Quando esses pacientes atingem idade mais avançada tem maior chance de recoarctação, formação de aneurismas, hipertensão e doença cardiovascular prematura.

Hipertensão Renovascular

Uma das causas mais comuns de hipertensão renovascular é a estenose de artéria renal, que representa 2 a 5% dos casos de hipertensão. A causa da estenose é aterosclerose em 90% dos casos e displasia fibromuscular em 10%.

A estenose de artéria renal reduz o fluxo sanguíneo e a pressão de perfusão para os néfrons acometidos, o que ativa a liberação de renina e consequentemente aumenta a produção de angiotensina II e aldosterona, o que restaura a perfusão renal, porém às custas de aumento da atividade simpática, remodelamento arterial e vasoconstrição, ativação de vias inflamatórias e retenção de sódio e água.

Essas alterações ocorrem quando a estenose é de pelo menos 70% e levam a efeitos adversos no coração. Quando a estenose é bilateral a retenção de sódio e líquido geram um quadro de hipertensão dependente de volume e maior risco de edema pulmonar súbito e recorrente (flash pulmonary edema). Ocorre HVE e aumento do IMVE, inclusive maior que nos pacientes com hipertensão primária.

Em pacientes com doença renal crônica e estenose renal aterosclerótica, existe maior morbidade e mortalidade que em outras causas de doença renal crônica. Pacientes com doença bilateral têm maior prevalência de insuficiência cardíaca (IC) que pacientes com doença unilateral e as alterações no ventrículo, incluindo disfunção diastólica, são mais frequentes nesta população que em pacientes com hipertensão primária.

Estudos mostraram que pacientes com edema pulmonar recorrente, hipertensão refratária ou perda rápida de função renal submetidos a revascularização de artéria renal em conjunto ao tratamento medicamentoso tem benefício em redução de mortalidade e eventos cardiovasculares.

Hiperaldosteronismo primário

Os efeitos deletérios do excesso de aldosterona ocorrem independente dos níveis de pressão arterial e de angiotensina II e parecem ser dependentes da quantidade de sódio ingerido. No coração, esses efeitos deletérios culminam com a fibrose intersticial.

Pacientes expostos a excesso de aldosterona por longos períodos tem um aumento da prevalência de lesão cardíaca que, em parte, independe do aumento da PA. Ocorre HVE, disfunção diastólica e sistólica subclínica.

Esses pacientes têm maior ocorrência de eventos cardiovasculares e cerebrovasculares. Em casos de doença unilateral, o tratamento de escolha é a adrenalectomia unilateral, e quando bilateral, é o uso de antagonistas do receptor mineralocorticoide. Pacientes tratados com adrenalectomia têm redução importante do risco cardiovascular.

Feocromocitoma e paraganglioma

O aumento das catecolaminas de forma aguda leva a vasoconstrição, espasmo coronário e isquemia miocárdica. Já o aumento crônico gera crescimento celular e hipertrofia de miócitos, fibrose e inflamação crônica, com consequente HVE, aumento do IMVE e disfunção sistólica.

Nesses pacientes existe ainda um fenótipo de cardiomiopatia hipertrófica ou dilatada, incluindo Takotsubo, que resulta do efeito direto das catecolaminas causando injúria miocárdica e/ou vasoconstrição microvascular associado ao aumento do trabalho cardíaco. Pacientes com Takotsubo relacionado a feocromocitoma têm com maior frequência choque cardiogênico e IC e também há registros de casos de miocardite, mais raros e subdiagnosticados.

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Arritmias ocorrem em até 20% dos pacientes, sendo as mais frequentes a taquicardia sinusal, fibrilação ou flutter atrial, bradiarritmias e taquicardia ventricular. O eletrocardiograma pode apresentar baixa voltagem, alteração de repolarização ventricular (incluindo QT longo), alterações do segmento ST e onda T.

Após o tratamento cirúrgico as alterações são revertidas na maior parte dos pacientes com paraganglioma e quase na totalidade dos pacientes com feocromocitoma. Pacientes com IC aguda ou crônica, cardiomiopatias sem explicação ou Takotsubo sem causa aparente merecem investigação desta doença.

Síndrome de Cushing

Também está relacionada a aumento da morbimortalidade cardiovascular, porém por mecanismos relacionados a excesso de glicocorticoides, que levam à hipertensão, hiperglicemia, resistência à insulina e diabetes, dislipidemia, estados de hipercoagulabilidade, obesidade visceral e inflamação crônica.

A hipertensão induzida pelo hipercortisolismo é multifatorial e decorre da ativação de receptores mineralocorticoides e glicocorticoides, ativação do sistema renina angiotensina aldosterona, sistema nervoso simpático e desbalanço entre mecanismos vasoconstritores e vasodilatadores.

Os exames de imagem costumam mostrar disfunção sistólica ou diastólica, remodelamento concêntrico e HVE. Com menos frequência ocorre cardiomiopatia dilatada e IC. O remodelamento ocorre, pelo menos em parte, de forma independente do aumento da PA e alguns pacientes com esta síndrome têm remodelamento na ausência de hipertensão. A HVE parece estar mais relacionada ao tempo de doença do que ao nível do cortisol.

Comentários e conclusão

No geral, pacientes com hipertensão secundária tem algumas características heterogêneas, assim como os estudos que avaliaram essa população. Comparado a pacientes com hipertensão primária, ocorre maior frequência de alterações estruturais e funcionais cardíacas e, de forma interessante, essas alterações parecem ocorrer independente dos níveis de PA.

Em praticamente todas as formas de hipertensão secundária descritas ocorre HVE, disfunção ventricular sistólica (menos frequente na hipertensão renovascular) e diastólica (menos frequente no feocromocitoma e paraganglioma), assim como maior ocorrência de eventos cardiovasculares.

Pacientes com hipertensão e de risco ou com fenótipos clínicos ou bioquímicos de risco para estas condições devem ser investigados e sinais precoces de dano cardíaco devem ser reconhecidos e monitorizados.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Januszewicz A, et al. Cardiac Phenotypes in Secondary Hypertension: JACC State-of-the-Art Review. Journal of the American College of Cardiology. 2022 Oct; 80(15):1480-1497. DOI: 10.1016/j.jacc.2022.08.714

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