Hipertermia maligna e teste de contratura muscular: uma análise epidemiológica

A síndrome de hipertermia maligna foi descrita no país em 1975 e está relacionada à exposição de anestésicos inalatórios e succinilcolina.

A síndrome de hipertermia maligna (HM) foi primeiramente descrita no Brasil em 1975. Ela se caracteriza por uma síndrome potencialmente fatal, hipermetabólica, autossômica dominante relacionada a mutações dos genes ligados ao transporte intracelular de cálcio, promovendo a liberação excessiva do mesmo para o citoplasma e gerando um processo hipermetabólico com contratura e rigidez muscular, aumento do consumo de oxigênio e da produção de gás carbônico, hipertermia e acidose metabólica. Além disso essa síndrome promove a destruição das fibras musculares com extravasamento de potássio, CK e mioglobina para a circulação sanguínea.

Leia também: Intoxicação medicamentosa: definição e diagnóstico

Causas e diagnóstico

A HM está relacionada à exposição de anestésicos inalatórios e do relaxante muscular, succinilcolina. Epidemiologicamente, ela pode afetar qualquer pessoa da população independente do sexo, idade e condição clínica, e tem uma incidência de 1:500000 anestesias na população adulta e 1:10000 anestesias na população pediátrica. Seu tratamento baseia-se no diagnóstico precoce, suspensão imediata do anestésico e uso de Dantrolene sódico. Medidas de suporte relacionadas as complicações também fazem parte do arsenal terapêutico.

Em relação ao seu diagnóstico, o teste padrão ouro para determinar suscetibilidade a hipertermia maligna é o teste de contratura muscular in vitro (TCIV) que consiste na retirada de pequenos fragmentos de musculatura esquelética da porção do vasto medial e lateral do quadríceps, e exposição dos mesmo a grande quantidade de cafeína e halotano. Pacientes suscetíveis apresentam contraturas mais intensas a ambas substâncias, do que as pessoas normais. A HM é uma síndrome de notificação compulsória e a realização do TCIV em indivíduos suspeitos assim como nos seus familiares facilita a diminuição e até erradicação de mortes durante procedimentos anestésicos.

Saiba mais: Entenda como a Hipertermia pode ajudar no tratamento da depressão

Objetivo e método

O objetivo do estudo em questão foi analisar os dados colhidos em fichas de notificação de HM que foram confirmados com TCIV a fim de traçar o perfil de HM em nosso país.

O método do estudo em questão foi a coleta de dados relatados em fichas de notificação de HM no período de 1997-2010 dentro de todas as normas éticas para a realização do mesmo e após consentimento informado de todos os envolvidos. Foram selecionados 122 indivíduos com resultado positivo para suscetibilidade a HM pelo TCIV, sendo 30 pacientes diretamente relacionados ao evento e 92 familiares envolvidos (familiares de primeiro grau). Além disso também foram selecionados 20 pacientes com crise suspeita de HM, porém sem ter sido realizado TCIV por motivos diversos.

Os pacientes apresentavam faixa etária entre 18 e 27 anos, de ambos os sexos, provenientes de todo o país, sendo a maioria brancos e encaminhados para a investigação principalmente por apresentarem quadro de HM durante anestesia (64%). Outras indicações de investigação foram central core disease (12%), hiperCKemia idiopática (12%), síndrome do estresse humano (2%), hipertrofia do músculo masseter (2%) e síndrome neuroléptica maligna atípica (8%).

Resultados

Dos pacientes que apresentaram HM pós-anestesia, a maioria (41%) já havia sido previamente anestesiado sem apresentar qualquer sinal ou sintoma relacionado a síndrome e todos foram submetidos a cirurgias eletivas. Os agentes desencadeantes relacionados foram halogenados e succinilcolina. O intervalo entre o início da anestesia e o início dos sintomas foi em torno de 170 minutos e em 3 pacientes houve início dos sintomas no período pós-operatório tardio. A maioria dos pacientes apresentou quadro de hipertermia com temperatura acima de 38 °C (67%), taquicardia (50%) e trismo do masseter (37,5%). Outros sinais e sintomas menos comuns foram colúria, parada cardiorrespiratória, má perfusão periférica, insuficiência renal aguda, taquipneia, convulsão e arritmia cardíaca.

Em relação ao tratamento empregado, na maioria foi realizado suspensão do agente desencadeante, resfriamento ativo, hiperventilação com oxigênio a 100%. O dantrolene sódico na fase aguda foi administrado em apenas 5 pacientes e mantido na fase tardia somente em 3 pacientes.

Na evolução, 25% pacientes foram a óbito, enquanto 2 evoluíram com sequela de mialgia. A maioria (69%) se recuperou sem sequela.

Em relação ao TCIV, a maioria dos pacientes apresentou resultado diretamente positivo tanto à cafeína como ao halotano e foram diagnosticados como suscetível à HM com resposta a halotano/cafeína. Os outros pacientes que por algum motivo não puderam ser avaliados diretamente com o TCIV, apresentaram resultados positivos indiretos confirmados por seus parentes, principalmente de primeiro grau.

Conclusão

Apesar desse estudo apresentar dificuldades de coleta de dados, principalmente por falta de notificação adequada por todos os centros, e consequentemente gerar um gap do real número de casos, ele evidenciou que apesar do tratamento farmacológico preconizado com dantrolene, este não foi realizado de forma rotineira em todos os pacientes. A mortalidade dos pacientes no Brasil ainda é alta em comparação com outras localidades.

Além da subnotificação e pouco uso de dantrolene, existe a falta de encaminhamento adequado ao TCIV. Faz-se necessário maior notificação e divulgação da hipertermia maligna no Brasil, com treinamento das equipes de centro cirúrgico para atendimento a essa emergência. Adicionalmente, o encaminhamento de rotina ao TCIV em pacientes suscetíveis ou seus familiares é de grande importância, uma vez que o teste é padrão ouro para determinar o grau de suscetibilidade familiar e consequentemente evitar o uso de halogenados e succinilcolina nesses pacientes, diminuindo a morbimortalidade por HM. Um outro fator importante é identificar esses grupos de risco a fim de separar os grupos geneticamente predispostos para futuras pesquisas genéticas em busca de novos genes, ou estudos de ligação.

Referências bibliográficas:

  • Silva HCA, et all.Perfil dos relatos de suscetibilidade à hipertermia maligna confirmados com teste de contratura muscular no Brasil. Brazilian Journal of Anesthesiology. 2019 Mar-Abr;69(2):152-159.
  • Klingler W, Heiderich S, Girard T, et al. Functional and genetic characterization of clinical malignant hyperthermia crises: a multi‐centre study. Orphanet J Rare Dis. 2014;9:8.
  • Riazi S, Larach MG, Hu C, et al. Malignant hyperthermia in Canada: characteristics of index anesthetics in 129 malignant hyperthermia susceptible probands. Anesth Analg. 2014;118: 381-387.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo

Selecione o motivo:
Errado
Incompleto
Desatualizado
Confuso
Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Baixe o Whitebook Tenha o melhor suporte
na sua tomada de decisão.