Hipoglicemia neonatal: estratégias mais liberais para intervenção terapêutica podem ser benéficas?

A hipoglicemia neonatal é a alteração metabólica mais comum, mas existem muitas dúvidas na literatura em relação aos protocolos de rastreio e tratamento.

A hipoglicemia é a alteração metabólica mais comum que os neonatologistas enfrentam em seu dia a dia. Apesar disso, existem muitas dúvidas na literatura em relação aos protocolos de rastreio e tratamento dessa morbidade.

bebê em incubadora com hipoglicemia neonatal

Hipoglicemia neonatal

Os protocolos mais utilizados são baseados nas recomendações da American Academy of Pediatrics (AAP) e na Pediatric Endocrine Society (PES), e definem a hipoglicemia neonatal da seguinte maneira:

  • Pacientes sintomáticos: pacientes apresentando sintomas, como tremores, hipotonia, cianose, crises convulsivas, apneia, taquipneia, choro fraco, letargia, dificuldade para mamar, sudorese ou hipotermia, entre outros. Esses pacientes são considerados como tendo hipoglicemia se a glicemia for < 50 mg/dL (pacientes com menos de 48 horas de vida) ou < 40 mg/dL (pacientes com mais de 48 horas de vida);
  • Pacientes assintomáticos: em pacientes com indicações de rastreio glicêmico (ver abaixo) e sem sintomas, são considerados como hipoglicêmicos os pacientes que apresentam glicemias de <25 a 40 mg/dL (pacientes com menos de 4 horas de vida), < 35 a 45 mg/dL (pacientes com 4 a 24 horas de vida), < 45 a 60 mg/dL (pacientes com 24 a 48 horas de vida) e < 60 mg/dL (pacientes com mais de 48 horas de vida).

Lembrando que os pacientes que devem ter suas glicemias medidas de forma rotineira são os neonatos com risco aumentado para hipoglicemia, indicados pela presença das seguintes condições:

  • Neonatos pequenos para a idade gestacional;
  • Neonatos grandes para a idade gestacional;
  • Restrição de crescimento intrauterino;
  • Filhos de mães diabéticas;
  • Prematuros (idade gestacional < 37 semanas);
  • Uso materno de labetalol durante gestação;
  • Exposição antenatal a corticoides;
  • Asfixia perinatal;
  • Distúrbios metabólicos conhecidos;
  • Síndromes que cursam com hipoglicemia (exemplo, a síndrome de Beckwith-Wiedemann).

cadastro portal

Uma das maiores dificuldades registradas para a formação de protocolos para a hipoglicemia neonatal é o estabelecimento de valores de corte que indiquem a necessidade de intervenção terapêutica.

Valores de glicemia muito baixos podem aumentar o risco de sequelas neurológicas em longo prazo, e valores muito altos podem aumentar o número de intervenções desnecessárias e mesmo prejudiciais. Porém, o valor ideal ainda não foi estabelecido pelos inúmeros estudos científicos a respeito do tema.

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Nesse sentido, um artigo publicado no New England Journal of Medicine este mês tenta colocar mais luz sob essa questão. O artigo, intitulado Lower versus Traditional Treatment Threshold for Neonatal Hypoglicemia, dos pesquisadores van Kempen et al., descreve os resultados do estudo HypoEXIT (Hypoglicemia-Expectant Monitoring versus Intensive Treatment) realizado na Holanda.

Novo estudo

O estudo, de caráter multicêntrico, randomizado e controlado, é um dos poucos estudos prospectivos que visam avaliar se existem diferenças prognósticas entre grupos com controle da hipoglicemia mais conservador ou mais liberal.

Foram incluídos 689 neonatos nascidos entre outubro de 2007 a abril de 2011 com os seguintes critérios de inclusão: idade gestacional de 35 semanas ou mais, peso de nascimento de 2000 g ou mais e indicação para rastreio de hipoglicemia (prematuros tardios, pequenos para idade gestacional, grande para idade gestacional ou filhos de mães diabéticas). Todos os participantes eram crianças saudáveis, sem demais comorbidades e sem hipoglicemia grave (≤ 35 mg/dL).

Os pacientes foram alocados em dois grupos de controle glicêmico. O grupo de corte mais baixo tinha como limite de glicemia o valor de 36 mg/dL e o grupo com corte mais alto tinha como limite o valor de 47 mg/dL. Valores de glicemia abaixo dos estabelecidos eram tratados de forma individualizada, de acordo com o protocolo de cada instituição e com as condições clínicas de cada paciente.

O desfecho primário investigado foi o desenvolvimento neuropsicomotor aos 18 meses de idade, avaliado pelo Bayley Scales of Infant and Toddler Development, Third Edition, Dutch version (Bayley-III-NL). Entre os desfechos secundários, os pesquisadores avaliaram frequência de medidas de glicemia, necessidade de tratamento da hipoglicemia com dieta oral, sonda orogástrica ou glicose venosa, número de episódios de hipoglicemia e duração de hospitalização.

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Resultados

Os resultados do estudo não demonstraram diferenças estatisticamente significativas entre os índices de desenvolvimento neuropsicomotor de crianças tratadas com níveis mais conservadores ou liberais de glicemia. Além disso, as crianças alocadas no grupo de corte mais baixo (36 mg/dL) apresentavam menor necessidade de medidas de glicemia e menor necessidade de tratamento para hipoglicemia, embora tenha havido uma tendência de maior número de episódios de hipoglicemia para esse grupo. Não houve diferença no número de dias de hospitalização entre os grupos.

Esses resultados sugerem que o valor usado habitualmente para tratamento de hipoglicemia assintomática em neonatos saudáveis pode não ser o mais apropriado, e outros estudos devem ser realizados para o estabelecimento de valores mais adequados, de forma a propiciar o melhor tratamento para esses bebês.

Devemos lembrar, porém, que esses resultados são válidos para grupos de neonatos prematuros tardios ou a termo, que estão bem, sem outras doenças e sem hipoglicemia grave. Recém-nascidos fora desses critérios provavelmente se beneficiam de valores de corte mais altos para tratamento da hipoglicemia neonatal.

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Referências bibliográficas:

  • Van Kempen et al. Lower versus Traditional Treatment Threshold for Neonatal Hypoglicemia. New England Journal of Medicine, v. 382, n. 6, p. 534-544, 2020.
  • ROZANCE, Paul J. Pathogenesis, screening, and diagnosis of neonatal hypoglycemia [Internet]. GARCIA-PRATS, Joseph A.; WOLFSDORF, Joseph I; KIM, Melanie S., ed. UptoDate. Walthmam, MA: Uptodate Inc. (Acessed on January 7, 2020).
  • ROZANCE, Paul J. Management and outcome of neonatal hypoglycemia [Internet]. GARCIA-PRATS, Joseph A.; WOLFSDORF, Joseph I; KIM, Melanie S., ed. UptoDate. Walthmam, MA: Uptodate Inc. (Acessed on January 7, 2020).
  • NARVEY, Michael R.; MARKS, Seth D. The screening and management of newborns at risk for low blood glucose. Paediatrics & Child Health, v. 24, n. 8, p. 536-544, 2019.
  • ROZANCE, Paul J. Update on neonatal hypoglycemia. Current opinion in endocrinology, diabetes, and obesity, v. 21, n. 1, p. 45, 2014.

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