Ibrutinibe na leucemia linfocítica crônica: como manejar seus efeitos adversos?

A leucemia linfocítica crônica (LLC) é uma desordem linfoproliferativa caracterizada pelo acúmulo progressivo de linfócitos clonais não funcionais.

A leucemia linfocítica crônica (LLC) é uma desordem linfoproliferativa caracterizada pelo acúmulo progressivo de linfócitos clonais não funcionais, mais comum em idosos do sexo masculino. Muitos pacientes são assintomáticos, sendo a linfocitose um achado incidental. Nesses casos, não está indicado tratamento. Recomenda-se tratamento na doença sintomática ou progressiva.

leucemia mieloide aguda

Indicações de tratamento da leucemia linfocítica crônica

  • Ao menos um sintoma relacionado à doença: perda de 10% ou mais de peso nos últimos seis meses, fadiga importante/ incapacitante, febre > 37,8ºC por, no mínimo, duas semanas ou sudorese noturna sem evidência de infecção por mais de um mês;
  • Falência medular progressiva: desenvolvimento ou piora de anemia e/ou trombocitopenia;
  • Anemia e/ou trombocitopenia autoimunes pouco responsivas a corticosteroide;
  • Esplenomegalia maciça (> 6 cm da margem costal esquerda), progressiva ou sintomática;
  • Linfonodomegalia maciça (> 10 cm no maior diâmetro), progressiva ou sintomática;
  • Linfocitose progressiva com aumento maior que 50% em dois meses ou tempo de duplicação dos linfócitos menor que seis meses.

Papel do ibrutinibe na LLC

O ibrutinibe é uma droga oral, que age inibindo a tirosina quinase de Bruton. Dessa forma, a via de sinalização do receptor de células B, importante para diferenciação, proliferação e sobrevivência dos linfócitos clonais, é bloqueada.
Foi aprovado inicialmente para a doença refratária/ recaída ou de alto risco, mas recentemente sua indicação passou a abranger outras categorias de pacientes.

Com a ampliação do seu uso, observa-se também um aumento na incidência de efeitos adversos, particularmente diarreia, fibrilação atrial, sangramento, infecção e artralgia. O manejo de tais efeitos deve ser individualizado, levando-se em consideração as características de cada indivíduo e o risco de complicações adicionais.

Diarreia

É o efeito adverso mais comum do ibrutinibe, sendo frequentemente de leve intensidade. Muitas vezes, é autolimitada, com duração de cerca de 1-3 semanas, não havendo necessidade de terapia medicamentosa e/ou modificações alimentares. Casos moderados podem ser manejados com antidiarreicos (como loperamida), e casos graves podem necessitar de suspensão temporária do ibrutinibe.

O principal diagnóstico diferencial é infecção gastrointestinal, uma vez que os pacientes têm maior risco de infecções.

Fibrilação atrial

Estudos mostram aumento de 4-10% no risco de fibrilação atrial com o uso de ibrutinibe, em comparação com a população geral. O mecanismo fisiopatológico permanece desconhecido; alguns autores acreditarem que haja redução da atividade da fosfoinositídeo 3-quinase cardíaca, enquanto outros advogam a possibilidade de alteração no potencial de ação e nos canais de sódio cardíacos.

Pacientes que desenvolvem fibrilação atrial em uso de ibrutinibe devem ser avaliados pela cardiologia, em junto com a hematologia, a fim de ponderar o risco de complicações (como acidente vascular encefálico) e o risco hemorrágico da anticoagulação (pela alteração da hemostasia causada pelo ibrutinibe).

Em geral, recomenda-se controle do ritmo e/ou da frequência cardíaca. Vale ressaltar que diltiazem, verapamil e amiodarona são drogas inibidoras do citocromo P450 3A4, importante enzima no metabolismo do ibrutinibe. Logo, o uso concomitante de tais drogas com o inibidor de tirosina quinase pode aumentar a concentração deste e, consequentemente, sua toxicidade.

Ferramentas de estratificação de risco de acidente vascular encefálico isquêmico, como CHA2DS2-VASC, são importantes. Pacientes com escore 0 ou 1 podem seguir tratamento com ibrutinibe, sem anticoagulação, no entanto, se o escore for igual ou maior que 2, recomenda-se iniciar anticoagulação e descontinuar o ibrutinibe, buscando terapias alternativas para a leucemia linfocítica crônica. O uso concomitante de ibrutinibe e anticoagulantes orais não é recomendado devido ao alto risco hemorrágico.

Eventos hemorrágicos

A tirosina quinase de Bruton também participa do processo de agregação plaquetária. Dessa forma, sua inibição interfere na função das plaquetas, aumentando o risco de hemorragias. Na maioria dos casos, o sangramento é de leve intensidade, porém há risco de sangramento grave, principalmente se o paciente fizer uso concomitante de anticoagulante ou anti-agregante plaquetário.

Leia maisO que é leucemia linfocítica crônica e como tratar?

Hemorragias durante tratamento com ibrutinibe podem ser manejadas com suspensão da medicação e/ou transfusão de plaquetas (a depender do tipo e da gravidade do sangramento). Devido ao risco hemorrágico, recomenda-se suspender o tratamento três dias antes e depois de procedimentos invasivos pequenos e sete dias antes e depois de procedimentos grandes.

Infecções

O ibrutinibe afeta a resposta imunológica através de diferentes mecanismos, como interferindo na liberação de citocinas e reduzindo a fagocitose macrofágica. Associado a isso, pode-se observar hipogamaglobulinemia secundária à própria doença, o que contribui ainda mais para o aumento na incidência de infecções.
Em geral, as infecções ocorrem numa fase mais precoce do tratamento, e a pneumonia é a principal forma. Os pacientes em uso de ibrutinibe também estão sob maior risco de infecção fúngica, particularmente por Aspergillus fumigatus.

Recomenda-se suspender temporariamente a medicação nos casos de infecções graves. Nos demais casos, pode-se manter o tratamento, sempre atentando para a possibilidade de interação medicamentosa do ibrutinibe com antimicrobianos. Por exemplo, alguns anti-fúngicos, como voriconazol e posaconazol, inibem o citocromo P450 3A4, não sendo portanto recomendados em combinação com o ibrutinibe pelo risco de aumento de toxicidade. Se houver necessidade de utilizá-los concomitantemente ao ibrutinibe, indica-se reduzir a dose deste e monitorar cautelosa e frequentemente o paciente.

Profilaxia com antibiótico ou anti-fúngico não é indicada de rotina, mas geralmente faz-se aciclovir ou valaciclovir profilático devido ao maior risco de herpes zoster.

Artralgia

Na maioria dos casos, a artralgia é leve, e sua fisiopatologia permanece desconhecida. É, em geral, mais acentuada no início do tratamento e tem resolução espontânea, sem a necessidade de suspensão da droga. Para alívio sintomático, deve-se evitar o uso de anti-inflamatórios, por conta do efeito antiplaquetário e consequentemente maior risco hemorrágico. Alternativamente, pode-se fazer pequenos pulsos de corticoide. Considera-se suspender temporariamente o ibrutinibe e/ou reduzir sua dose nos pacientes muito sintomáticos.

Atualmente, sabe-se da eficácia do ibrutinibe no tratamento dos pacientes com leucemia linfocítica crônica, porém mais de 20% dos indivíduos interrompem o tratamento por conta de efeitos adversos. Por isso, orientar o paciente quanto aos possíveis efeitos indesejados e saber como manejá-los são fundamentais para o sucesso da terapia.

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Referências:

  • Stephens DM, Byrd JC. How I manage ibrutinib intolerance and complications in patients with chronic lymphocytic leukemia. Blood, 2019; 133:12.
  • Gribben, J.G. How I treat CLL up front. Blood, 2010; 115:187.
  • PDQ Adult Treatment Editorial Board. Chronic Lymphocytic Leukemia Treatment (PDQ®): Health Professional Version. PDQ Cancer Information Summaries. Bethesda, MD: National Cancer Institute; February 7, 2018.
  • Burger JA, Tedeschi A, Barr PM, Robak T, Owen C, Ghia P, et al. Ibrutinib as Initial Therapy for Patients with Chronic Lymphocytic Leukemia. N Engl J Med. 2015 Dec 17. 373 (25):2425-37.

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