Idade como fator de risco na Covid-19: atualizações

As evidências científicas apontam a idade como o fator de risco mais significante para a Covid-19 grave e o pior prognóstico.

A maioria dos casos da síndrome Covid-19, associada à pandemia de infecções pelo coronavírus SARS-CoV-2, apresenta um curso leve a moderado, alguns indivíduos seguem até mesmo assintomáticos. Com a continuidade da doença se espalhando em todo o mundo, observaram-se diversos fatores de risco para a manifestações clínicas mais graves, como idade avançada, sexo masculino, obesidade, tabagismo e comorbidades crônicas como hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito tipo 2 e outras. As evidências científicas apontam a idade como o fator de risco mais significante para a Covid-19 grave e o pior prognóstico.

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No decorrer do progresso mundial da pandemia, alguns países indicaram que a razão caso-fatalidade (ou também chamada taxa de fatalidade de caso) apresentava valores mais elevados com a idade. Na China, por exemplo, os valores seriam de 0,4% para < 40 anos, 1,3% para aqueles na faixa etária de 50-59 anos, 3,6% nos 60-69 anos, 8% para os 70-79 anos, 14,8% para > 80 anos de idade. Por outro lado, a Itália e Estados Unidos apresentaram razões caso-fatalidade mais elevadas para > 70 anos de idade, chegando a 25,9% para idosos acima dos 80 anos. Adicionalmente, ocorrem maiores taxas de internação, admissão em Unidades de Tratamentos Intensivos (UTI) e mortes secundárias a Covid-19 entre os idosos, do que nas faixas etárias inferiores.

Idade como fator de risco na Covid-19: atualizações

A hipótese da vulnerabilidade imunitária

Mas quais seriam os possíveis motivos para as manifestações clínicas mais graves e piores prognósticos em idosos?

Alguns autores sugerem hipóteses que justificariam as piores apresentações da Covid-19 nos indivíduos > 65 idades, são elas:

  • Imunossenescência natural — Disfunção ou deterioração da imunidade adquirida (humoral e celular) no idoso pelo processo natural do envelhecimento humano;
  • Imunossenescência adquirida — Consiste no mesmo processo citado acima, porém associado a fatores diversos como condições nutricionais inadequadas, perda da massa muscular, redução de microelementos essenciais séricos, níveis elevados de estresse, doenças infecciosas, comorbidades;
  • Inflammaging — Estado de atividade inflamatória basal resultante de um estresse de exposição crônica de antígenos ou da produção contínua de citocinas pró-inflamatórias. Sugere-se que, com o avanço da idade, há redução da atividade supressora dos linfócitos T reguladores (CD4+CD25+), o que favorece reatividades inflamatórias constantes e inespecíficas, e o favorecimento de doenças autoimunes no idoso.

É fato que os processos de imunossenescência e inflammaging, associados com o avançar da idade, contribuem significativamente para a maior incidência de diversas doenças infecciosas, assim como as crônico-degenerativas como hipertensão, aterosclerose, coronariopatias e outras com prevalência elevada na população de idosos.

Sabe-se que os linfócitos T consistem nas principais células efetoras da imunidade celular que são afetadas pelos efeitos negativos do envelhecimento, decorrente de vários processos como a involução gradual e progressiva do timo, predominância de células de memória em possível detrimento das células virgens. e redução da capacidade de divisão celular devido ao encurtamento contínuo das porções finais teloméricas ao longo das replicações celulares. As células B também sofrem prejuízo funcional especialmente devido as alterações funcionais em linfócitos T. No envelhecimento há também um aumento no número de células NK mas não ocorre ampliação de sua atividade citotóxica. O balanço de citocinas no organismo humano também é alterado no envelhecimento como consequência direta da alteração da homeostase da produção e liberação desses produtos. Há queda dos níveis de IL-2 (fator importante de crescimento para linfócitos T), de sIL-2R, de IFN-γ (fator importante para a atividade citotóxica linfocitária), e aumento de IL-6 (citocina pró-inflamatória) com a maturidade.

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Considerando a imunopatologia da Covid-19, extensivamente discutida em diferentes publicações, observa-se que nos idosos há a possível sobreposição, adição ou sinergismo dos efeitos de imunossenescência e inflammaging com o fenômeno da tempestade de citocinas induzida pela infecção pelo SARS-CoV-2. Tais associações favoreceriam a ocorrência da síndrome do desconforto respiratório agudo e o prejuízo no prognóstico da doença. Já foi descrito que a Covid-19 leva ao aumento agudo dos níveis séricos de mediadores inflamatórios, como IL-6 e PCR. Outros fatores inflamatórios como IFN-γ, IP-10 ou CXCL-10, e MCP-3 também aumentam de maneira aguda em diversos pacientes, resultando na gravidade maior da doença e progressão desfavorável. Outros achados na Covid-19 grave incluem linfopenia (depleção de linfóticos T CD4+ e CD8), e neutrofilia com alta taxa neutrófilo/linfócitos (neutrophil-lymphocyte ratio, NLR), os quais são considerados como preditores úteis do óbito pela doença. Observa-se que as proteínas virais de SARS-CoV-2 podem suprimir a produção de IFN tipo 1, resultando no empobrecimento da resposta por células T CD8+.

Como já descrito para outras doenças, como durante a influenza ou a infecção por SARS-CoV, nos idosos ocorre a desregulação da resposta por IFN tipo 1 e a pobre resposta por células T CD8+. Tais alterações, similares ao ocorrido na Covid-19, levam à maior vulnerabilidade para a pior evolução em pacientes > 65 anos. Sugere-se também que o declínio da resposta de novo por linfócitos T  e/ou o impacto das comorbidades ou infecção persistente por citomegalovírus, somam os efeitos potenciais negativos em pacientes com maior progresso da idade e ampliam os riscos de mau prognóstico.

Alguns autores adicionalmente citam maior propensão à desregulação do sistema de coagulação, ativação do complemento e disfunção endotelial como favoráveis à trombose microvascular e falência de múltiplos órgãos na manifestação grave da doença pandêmica em idosos. Sugere-se também maior expressão do receptor ACE2, com consequente facilitação da infecção por SARS-CoV-2.

Por outro lado, verifica-se que indivíduos idosos recuperados apresentam altos e superiores títulos de anticorpos neutralizantes e IgG anti-SARS-CoV-2 quando comparados com indivíduos mais jovens. Desconhecem-se os mecanismos que expliquem tais diferenças e seguem sob investigação.

Tais observações aumentam as expectativas quanto as boas respostas, especialmente da população idosa, nos programas de vacinação anti-Covid-19 em progressão mundial.

Os desafios

Apesar de mais de 12 meses do curso da pandemia da síndrome de Covid-19, diversos pontos ainda necessitam de maiores esclarecimentos e dificultam a compreensão da imunopatologia da doença em diferentes faixas etárias, incluindo:

  • A infecção por SARS-CoV-2 tem apresentação altamente heterogênea e ainda não previsível nos diferentes indivíduos;
  • O curso da síndrome de Covid-19 é alternante com diferentes fases e progressos ou regressos de forma abrupta e também imprevisível;
  • As comorbidades e uso concomitante de medicamentos, mais frequentemente em idosos, dificultam a avaliação e a interpretação da heterogeneidade das respostas imunes à infecção viral pandêmica;
  • A alta similaridade de proteínas virais (ex. proteína nuclear) entre SARS-CoV-2 e outros β coronavírus (ex. estirpe 229E) pode induzir reações imunes cruzadas de memória que equacionam a dificuldade na compreensão da evolução da doença e os fenômenos imunopatológicos;
  • A necessidade de esquemas vacinais específicos (número de doses, componentes vacinais distintos, concentração de antígenos, e outros) para diferentes categorias de pacientes;
  • A ocorrência de doença dependente de anticorpos (antibody-dependent enhancement, ADE) já relatada para alguns indivíduos;
  • A existência de novas infecções por variantes ou reinfecções, assim como a não conversão sorológica ou resposta imune ineficiente;
  • Os indivíduos assintomáticos não se diferenciam clinicamente dos não infectados, o que dificulta a seleção de controles saudáveis nos estudos comparativos;
  • A maioria dos estudos imunológicos publicados sobre a imunopatologia da Covid-19 são transversais;
  • As características das respostas imunológicas de resposta à infecção natural e às diferentes estratégias vacinais ainda são desconhecidas quanto a duração e proteção.

Ainda são necessários estudos com foco nos processos imunológicos com maior número de indivíduos e do tipo coorte para resultados mais conclusivos e precisos. É consensual que a vacinação anti-Covid-19 consiste na melhor estratégia para controle prolongado da disseminação viral e da pandemia, e a boa resposta imune observada em idosos reforçam a importância de seguir nesse direcionamento de forma garantir a qualidade de vida e maior longevidade para todos. Enquanto não ocorrer a vacinação em massa de boa parte da população, seguimos com os cuidados de distanciamento social e medidas protetoras respiratórias.

Outros questionamentos e desafios já foram apresentados em publicação anterior “Os longos passos na corrida vacinal contra a Covid-19”. Maiores detalhes sobre essa importante discussão podem ser verificados nas referências abaixo.

Referências bibliográficas:

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  • Vellas C, Delobel P, de Souto Barreto P, Izopet J. Covid-19, Virology and Geroscience: A Perspective. J Nutr Health Aging. 2020;24(7):685-691. doi: 1007/s12603-020-1416-2.

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