Identificada mutação não hereditária em paciente com síndrome de deficiência da GATA2

Pela primeira vez foi identificada uma mutação não hereditária em células do sangue de um paciente com síndrome de deficiência da GATA2.

Pela primeira vez foi identificada uma mutação não hereditária em células do sangue de um paciente com síndrome de deficiência da GATA2. Essa doença rara é causada por uma mutação herdada no gene que codifica a proteína homônima. A descoberta foi realizada por pesquisadores vinculados ao Centro de Terapia Celular (CTC) da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto.

A mutação não hereditária pode ter atuado como uma terapia gênica natural, impedindo que o processo de renovação celular do sangue fosse prejudicado pela enfermidade e que o paciente desenvolvesse as manifestações clínicas típicas, como falência da medula óssea, surdez e linfedema (obstrução do sistema linfático), diz o artigo.

Os resultados foram publicados na revista Blood com destaque na capa e no editorial, e abrem a perspectiva de utilização de terapia gênica e de mudanças no aconselhamento genético de famílias com a doença hereditária.
“Ao identificar um paciente com mutação germinativa (herdada) na proteína GATA2 é necessário pesquisar a família, pois pode haver casos silenciosos”, diz o pesquisador Luiz Fernando Bazzo Catto, primeiro autor do estudo, em entrevista à Agência FAPESP.

Síndrome de deficiência da GATA2

O paciente foi identificado através de atendimento médico no Hemocentro de Ribeirão Preto. Um dos filhos deste paciente foi diagnosticado com anemia aplástica moderada e artrite psoriática. A anemia aplástica moderada acontece quando o organismo deixa de produzir uma quantidade suficiente de novas células sanguíneas.

O quadro de falência da medula óssea e a consequente queda na produção de células do sistema imune, como linfócitos e monócitos, se agravaram nos cinco anos seguintes, e o paciente veio a óbito com 27 anos por infecção pulmonar.

O sequenciamento do DNA a partir de leucócitos e fibroblastos da pele do jovem revelou que ele apresentava uma mutação germinativa no gene da GATA2, confirmando o diagnóstico de deficiência da proteína.

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Os resultados do sequenciamento de leucócitos e fibroblastos da pele do segundo filho, atendido no Hemocentro de Ribeirão Preto pela primeira vez aos 25 anos e com histórico de infecções pulmonares recorrentes, hipotireoidismo, trombose e surdez, também indicaram a presença de mutação germinativa no mesmo local do gene.

Os pesquisadores sequenciaram o DNA da mãe e do pai dos dois irmãos para identificar de qual genitor herdaram a mutação.

Os resultados indicaram que a mãe não apresentava a alteração e o pai, com 61 anos, possuía uma mutação idêntica à dos filhos, tanto nos espermatozoides como em fibroblastos da pele. Entretanto, não apresentava manifestações clínicas da doença e as contagens sanguíneas e de linfócitos estavam dentro da faixa normal.

“Com essa descoberta veio a dúvida se o pai tinha transmitido a mutação para os filhos ou se adquiriu, mas não passou para eles”, conta Luiz Catto.

Sendo assim, os pesquisadores sequenciaram o DNA da medula óssea do genitor para estimar a porcentagem de células do sangue normais, que fez com que não apresentasse manifestações clínicas da deficiência de GATA2, e as de remanescentes, semelhantes às dos filhos.

Os resultados mostraram que 93% dos leucócitos do pai apresentavam a mutação somática que confere proteção contra as manifestações clínicas da deficiência da GATA2 e os 7% restantes carregavam a mutação associada à doença rara.

Dúvidas respondidas

Foi avaliada ainda se a mutação somática identificada no pai era capaz de induzir a produção de células normais do sangue por um longo período. Para responder a essa questão, foram sequenciados os linfócitos T, que têm uma longa vida útil.

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Os resultados das análises mostraram que a mutação somática ocorreu no início da vida dessas células e do desenvolvimento de células-tronco hematopoiéticas, com potencial para a formação do sangue.

“É muito provável que o pai tenha adquirido essa mutação somática no sangue há muito tempo”, estima Luiz Catto.
Já para avaliar se as células sanguíneas do paciente são capazes de manter a atividade também por um longo tempo foi medido o comprimento telomérico (estruturas existentes nas pontas dos cromossomos que servem para proteger o DNA ) de leucócitos do sangue periférico.

Mas os resultados da pesquisa indicaram que os telômeros dos leucócitos analisados eram longos, indicando que essas células sanguíneas são capazes de manter a atividade por um longo tempo, sem ficarem enfraquecidas.

Uma das hipóteses levantadas no estudo é que a existência da mutação somática em células sanguíneas e a recuperação do processo de renovação celular do sangue promovido por ela podem ter contribuído para o paciente não apresentar manifestações extra-hematológicas da síndrome de deficiência de GATA2, como surdez, linfedema e trombose.

Dessa forma, a recuperação precoce da hematopoese em pacientes com a doença por transplante ou, futuramente, por terapia gênica pode ser benéfica e conseguiria evitar outras complicações clínicas.

“O paciente fez uma terapia gênica natural. Basicamente, ele fez um ensaio experimental que abre a perspectiva, agora, de simular esse fenômeno em estudos de terapia gênica em pacientes com GATA2 em médio prazo”, avalia o pesquisador Rodrigo T. Calado, que também participou do estudo.

Possíveis mudanças no tratamento de pacientes

Além de contribuições para avanço no tratamento da enfermidade e no aconselhamento genético de pacientes, o estudo também amplia o entendimento da biologia das células-tronco hematopoiéticas.

“Os resultados do estudo permitem avançar no entendimento de como as células-tronco conseguem se recuperar, consertando um defeito genético inicial”, ressalta Rodrigo Calado.

*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED

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