Implante hormonal: para quais condições é indicado?

O implante hormonal é uma opção de reposição de hormônios que deve ser cuidadosamente avaliada para que o médico faça a indicação adequada.

A Endocrinologia e a Metabologia compõem a especialidade médica responsável por diagnosticar e tratar alterações hormonais e do metabolismo humano. Na grande maioria das vezes, numa doença cuja manifestação se dá devido à deficiência específica de algum hormônio, é necessário realizar a reposição do mesmo.  

Como tudo na medicina, é fundamental que estudos de qualidade demonstrem a eficácia e segurança dessa medicação, para que então esta possa ter a aprovação de órgãos regulatórios (como FDA, Anvisa, por exemplo) e, só depois, seja disponibilizada comercialmente.Todas essas etapas são cruciais, uma vez que as substâncias devem estar sujeitas a métodos de controle e regulamentação. 

Leia também: A formulação dos hormônios usados na terapia hormonal influencia no risco de câncer de mama?

médica explicando para paciente sobre anticoncepcional em gel sem hormônio

O que são implantes hormonais? 

Recentemente, o assunto “implantes hormonais” vem ganhando destaque, devido às promessas de que um dispositivo relativamente simples pode, finalmente, resolver problemas complexos. Os implantes hormonais são dispositivos implantáveis no subcutâneo, absorvíveis ou não, que podem ser preenchidos com uma quantidade predeterminada de hormônios, sobretudo esteróides. Portanto, não existe apenas um tipo de implante hormonal – é possível criar implantes de testosterona, de progestágenos, como a gestrinona (o famigerado “chip da beleza”), e de estradiol, por exemplo. 

Importante ressaltar que o implante em si não é um problema – na verdade, pode se tratar de uma excelente ferramenta pela entrega subcutânea de esteróides, sem necessidade da primeira passagem hepática como a via oral.  

Um exemplo claro de implante benéfico é o Implanon, que contém etonogestrel, um derivado da progesterona, com benefícios comprovados como anticoncepcional, duração previsível (cerca de três anos) e perfil de risco estudado e bem estabelecido. A prova disso é que é comercializado em farmácias, com bula e regulamentado, sem necessidade de manipulações. 

O que é a gestrinona 

A gestrinona é um derivado progestágeno sintético, derivado da 19-nortestosterona. Essa substância é um hormônio que tem ação androgênica. Além do efeito direto, ela é capaz de diminuir a SHBG (Globulina carreadora de hormônios sexuais), que resulta em aumento da testosterona livre. Além disso, ela acaba por inibir a secreção de gonadotrofinas pela hipófise e possui ações anti estrogênicas. 

Clinicamente, a gestrinona tem alguns poucos estudos que demonstram haver eficácia no uso oral para tratamento sobretudo da endometriose. Ela é permitida pela Anvisa para uso via oral desde 1996. No entanto, não existe estudos de eficácia da gestrinona por via parenteral. Ainda que se baseie na plausibilidade biológica para o uso por outra via, não existem estudos de segurança no uso dessa substância via implante, algo que automaticamente coloca o uso do “chip da beleza” como completamente off-label e por conta em risco do prescritor e da paciente.  

Por tal motivo, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), a Endocrine Society (Sociedade norteamericana de endocrinologia) e a North American Menopause Society (Sociedade Americana de Menopausa – NAMS) não reconhecem a gestrinona via implante como opção terapêutica por qualquer motivo. 

Chip da beleza

O nome “chip da beleza” advém do fato de que a gestrinona, devido a seus efeitos androgênicos, tem potencial anabolizante. Com isso, inicialmente pode parecer algo que acaba com grandes problemas: há potencial de ganho de massa magra, diminuição de massa gorda e aumento de libido. Por tais motivos, o “chip” de gestrinona vem sendo utilizado como performance enhancer. Lembrando que não há, atualmente, produção via oral de gestrinona por indústrias brasileiras (tampouco produção padronizada de gestrinona para via subcutânea). 

Claro que tudo possui efeito dose dependente e, sobretudo em doses mais altas, a gestrinona pode causar também os efeitos indesejados do hiperandrogenismo em mulheres: acne, oleosidade na pele, aumento de pelos de aspecto masculino e virilização, como engrossamento da voz e clitoromegalia. Isso sem contar os riscos a médio/longo prazo associados ao excesso de andrógenos e progestágenos nas mulheres, que pode aumentar a chance de eventos tromboembólicos e aumentar o risco cardiovascular, por exemplo. 

Como a gestrinona utilizada nos implantes é manipulada e não há padronização em sua confecção, pode haver uma grande variabilidade na quantidade de hormônio entre um implante e outro, a depender da prescrição e do local onde a substância é manipulada. A gestrinona está na lista da World Anti-Doping Agency (WADA) de substâncias anabolizantes e passou a fazer parte da lista C5 de substâncias anabolizantes da Anvisa desde agosto de 2022, a pedido da SBEM. 

Portanto, não há qualquer tipo de polêmica do ponto de vista médico, uma vez que se trata simplesmente de uma substância com potenciais riscos sem benefícios comprovados e que carece de uma forma padronizada, controlável e auditável de se produzir no momento. Ela é contraindicada por todas as grandes sociedades médicas que estudam o assunto. 

Leia também: ENDO 2022: Reposição de testosterona: quando e para quem 

Implante de testosterona

Não é apenas a gestrinona que vem sendo utilizada para implantes. Um destaque que vale a pena ser feito é sobre a testosterona. Este caso é um pouco diferente: a testosterona é um hormônio com indicações precisas de reposição no homem, ou seja, no hipogonadismo. 

A única indicação na mulher é no caso do transtorno sexual hipoativo, que pode ocorrer após a menopausa, respeitando, ainda, uma série de cuidados e contraindicações. A reposição deve ser feita por via transdérmica e em doses absolutamente menores que no homem, não havendo uma forma comercial disponível no Brasil exceto por meio de manipulações.  

Vale a pena ser feito esse destaque, já que é fácil perceber que o uso em implantes da testosterona para mulheres pode ser prejudicial, já que pequenas alterações nas doses podem gerar diversos efeitos indesejados. Para ficar claro, não existe qualquer indicação clínica de testosterona para mulheres em idade fértil no momento 

Para homens com hipogonadismo, a testosterona pode ser ofertada via implante subcutâneo (pellet). A via é aprovada pelo FDA desde 1972, mas só chegou ao mercado por lá em 2008, por meio do Testopel. Sua grande vantagem é a meia vida longa, que permite maior estabilidade (ao menos teórica) nos níveis séricos da testosterona.  

No entanto, o problema da testo via implante no Brasil é que não temos disponível o Testopel e, novamente, se recorre à manipulação, que pode ser muito falha em termos de quantidade de substância empregada, caracterizando mais uma vez o uso off-label. Ademais, apesar da aprovação do FDA, há poucos estudos com bom nível de evidência sobre o assunto. 

Vale lembrar que também não existe qualquer indicação médica para utilização da substância em homens com produção normal de testosterona com intuito de ganho de massa magra e redução de massa de gordura, uma vez que os efeitos colaterais do uso de doses suprafisiológicas são muito bem estabelecidos. 

Conclusões 

A beleza da ciência e da medicina é que nenhuma verdade é absoluta, ou seja, é possível que após um grande ensaio clínico randomizado, venhamos a escrever (e com grande satisfação) sobre os benefícios que o uso de determinada substância pode trazer, com baixo risco. No entanto, podemos também ter o desprazer de descobrir que o uso da mesma substância pode aumentar o risco cardiovascular, risco de câncer, frente a pouco ou nenhum benefício.  

Ainda bem que temos a medicina baseada em evidências para que possamos, antes de oferecer um tratamento, saber quais riscos e benefícios estamos submetendo nossos pacientes. Por fim, neste momento, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) se posiciona veementemente contra o uso da gestrinona de forma implantável, uma vez que não há estudos de segurança.  

Por fim, é fundamental nos atentarmos também às outras substâncias utilizadas de forma implantável, já que os manipulados não possuem o mesmo rigor no processo de fiscalização que as medicações industrializadas, o que pode resultar em superdosagens e eventos adversos. Não devemos esquecer de um princípio ético fundamental: “Primum non nocère”. 

Leia também: Influência do sugamadex, usado em procedimentos anestésicos, na eficácia de contraceptivos 

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • https://www.endocrino.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Posicionamento-da-SBEM-sobre-Implante-de-Gestrinona_2021.pdf 
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