Infecção pelo SARS-CoV-2 e manifestações e complicações cardiovasculares em pacientes pediátricos

A AHA atualizou conhecimentos sobre a covid-19 e a Síndrome Inflamatória Multissistêmica em pacientes pediátricos e adultos jovens.

Em recente declaração científica, a American Heart Association atualizou conhecimentos, de forma espetacular, sobre epidemiologia, fisiopatologia, apresentações clínicas, tratamento e desfechos da covid-19 e da Síndrome Inflamatória Multissistêmica em Crianças (MIS-C) em pacientes pediátricos e adultos jovens. Nesta publicação, atenção maior foi dada às manifestações cardiovasculares e complicações da infecção pelo vírus SARS-CoV-2 entre crianças e adultos jovens. O documento foi publicado online no periódico Circulation em 11 de abril de 2022.

Leia também: Hiperglicemia e citopenias como sinais de infecção pela variante delta do SARS-CoV-2 em prematuros

Infecção pelo SARS-CoV-2 e manifestações e complicações cardiovasculares em pacientes pediátricos

Epidemiologia

O relatório da AHA salienta que a análise das pesquisas mais recentes indica que pacientes pediátricos geralmente apresentam sintomas leves da infecção pelo SARS-CoV-2. Em 24 de fevereiro de 2022, pacientes pediátricos com idade inferior a 18 anos representavam 17,6% do total de casos de covid-19 e cerca de 0,1% das mortes pelo vírus nos Estados Unidos. Além disso, adultos jovens, com idades entre 18 e 29 anos, foram responsáveis por 21,3% dos casos e 0,8% das mortes por covid-19, conforme dados divulgados pelos Centers for Disease Control and Prevention (CDC).

Com relação à MIS-C, crianças e alguns adultos jovens podem desenvolvê-la, em geral, duas a seis semanas após a infecção pelo SARS-CoV-2. No primeiro ano da pandemia, mais de 2.600 casos de MIS-C foram relatados aos CDC, a uma taxa estimada de 1 caso de MIS-C por 3.164 casos de infecção por SARS-CoV-2 em crianças.

Tanto com relação à covid-19 quanto à MIS-C, destacam-se os riscos desmedidos aos quais crianças negras e latinas estiveram e estão submetidas durante a pandemia. Condições clínicas subjacentes em crianças e adultos jovens, como doenças pulmonares crônicas e obesidade, aumentam as chances de hospitalização, internação em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e mortalidade.

Fisiopatologia

A fisiopatologia da infecção pelo SARS-CoV-2 é bastante complexa. Em suma, o vírus se liga à enzima conversora de angiotensina-2 (ACE2) do hospedeiro por meio de sua proteína spike (S), onde a protease transmembrana, serina 2 (TMPRSS2), das células hospedeiras cliva e ativa a proteína S, facilitando a entrada das células. Vários mecanismos foram propostos para o acometimento cardiovascular:

  • Invasão direta pelo SARS-CoV-2 de cardiomiócitos que expressam altamente ACE2 causando dano celular;
  • Lesão de cardiomiócitos devido à resposta inflamatória exacerbada;
  • Lesão miocárdica isquêmica por hipóxia.

À medida que os receptores ACE2 aumentam na superfície celular com a idade, os níveis mais baixos de ACE2 podem explicar o motivo pelo qual as crianças apresentam, em geral, doença menos grave.

Existem dois estágios clínicos da covid-19: a fase aguda e a fase hiperinflamatória (tempestade de citocinas). Muito menos se sabe sobre a fisiopatologia da MIS-C, mas parece que a resposta imune à MIS-C é diferente daquela da infecção aguda pelo vírus SARS-CoV-2. A fisiopatologia da MIS-C é atribuída a um resposta hiperimune ao vírus em uma criança geneticamente suscetível.

Manifestações clínicas

As manifestações cardiovasculares agudas da covid-19 em crianças são incomuns e incluem choque cardiogênico, miocardite, pericardite e arritmias. Morte súbita cardíaca e óbito após terapias médicas e de suporte intensivo ocorreram em crianças com envolvimento miocárdico grave.

Covid-19

A MIS-C apresenta uma grande variedade de manifestações clínicas, incluindo conjuntivite não purulenta, erupções cutâneas e alterações da mucosa, além de queixas gastrointestinais. Chama a atenção o fato de que aproximadamente 50% dos casos têm envolvimento miocárdico (causando disfunção miocárdica aguda). Podem ocorrer também arritmias ou anormalidades de condução e dilatação da artéria coronária.

MIS-C (critérios dos CDC)


MIS-C (critérios da Organização Mundial de Saúde – OMS)

Saiba mais: Toxicidade da proteína Spike de SARS-CoV-2?

Tratamento

O remdesivir é o único medicamento aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para tratamento de pacientes hospitalizados com covid-19 com 12 anos ou mais.

O uso de dexametasona durante a doença grave reduziu a taxa de mortalidade em adultos. Ao mesmo tempo, é indicado para crianças que necessitam de oxigênio de alto fluxo, ventilação não invasiva ou invasiva ou oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO). No entanto, não é recomendada na doença leve ou moderada em crianças.

O tratamento de pacientes com MIS-C modula, principalmente, o estado inflamatório e os cuidados de suporte. Embora faltem dados robustos de ensaios clínicos, o tratamento de primeira linha para MIS-C é tipicamente a imunoglobulina intravenosa (IVIG).

Prevenção

A AHA suporta a vacinação contínua de crianças, descrevendo que os benefícios superam, e muito, os riscos: a vacinação é altamente eficaz na prevenção de formas graves da covid-19 e do desenvolvimento de MIS-C, reduzindo os riscos em 91% em adolescentes de 12 a 18 anos de idade.

Embora miocardite e pericardite tenham sido relatadas raramente após a imunização com vacinas de mRNA contra a covid-19, particularmente pacientes do sexo masculinos com idades entre 12 e 29 anos, a maioria dos casos se resolve rapidamente e sem sequelas.

Prognóstico e retorno aos esportes

A maioria das crianças com covid-19 assintomática e leve não apresenta efeitos cardíacos adversos em longo prazo. Nesse caso, o paciente pode voltar à prática de atividade física após a recuperação dos sintomas. Todavia, para aqueles que apresentaram infecções mais graves de covid-19 ou MIS-C, a AHA recomenda a realização de testes adicionais, incluindo níveis de enzimas cardíacas, eletrocardiograma e ecocardiograma, antes de retornar aos esportes ou a exercícios físicos extenuantes. Dessa forma, é extremamente importante o acompanhamento de um cardiologista pediátrico.

Crianças e adultos com cardiopatia congênita

Dados sobre a gravidade da covid-19 em crianças e adolescentes com cardiopatia congênita são conflitantes. Alguns estudos sugerem alto risco de doença grave. Já outras pesquisas relatam um risco variável. Em crianças com cardiopatia congênita, há descrições de baixas taxas de infecção e de mortalidade. No entanto, no caso de cardiopatias congênitas como parte de uma síndrome subjacente (trissomia do 21, por exemplo), o risco de covid-19 grave aumenta. A AHA cita um estudo que encontrou uma taxa de mortalidade semelhante entre crianças e adultos com cardiopatia congênita.

Outra informação relevante é com relação à hipertensão arterial pulmonar (HAP), que está associada a um alto risco de covid-19 grave. Entretanto, alguns artigos sugeriram uma taxa de infecção semelhante entre crianças com HAP idiopática e outras crianças de um modo geral.

Por fim, estudos em pacientes pediátricos com transplantes de órgãos sólidos não encontraram evidências de alto risco, mas é preciso que mais pesquisas sejam efetuadas para entender o risco de infecção pelo SARS-CoV-2 no enxerto. A AHA enfatiza que o tacrolimus, indicado na terapia imunossupressora, demonstrou atividade in vitro contra a replicação viral, sugerindo que o uso continuado da droga pode ser razoável.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Jone PN, John A, Oster ME, et al. SARS-CoV-2 Infection and Associated Cardiovascular Manifestations and Complications in Children and Young Adults: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2022;145(19):e1037-e1052. DOI:10.1161/CIR.0000000000001064

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