Infecções fúngicas na Covid-19: como identificar e quando notificar?

Casos graves de Covid-19 vêm sendo associados a um aumento na incidência de infecções fúngicas, como mucormicose e outros tipos. Saiba mais.

Casos graves de Covid-19 vêm sendo associados a um aumento na incidência de doenças fúngicas invasivas. Uma nova categoria de doença por Aspergillus spp. foi definida em casos associados com a infecção pelo SARS-CoV-2 (aspergilose pulmonar associada a Covid-19 ou CAPA). Na Índia, casos de mucormicose ganharam atenção internacionalmente.

Visando a normatizar o diagnóstico, o tratamento e a notificação desses casos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou em Nota Técnica com orientações para vigilância, identificação, prevenção e controle de infecções fúngicas no contexto da pandemia de Covid-19.

Casos graves de Covid-19 vêm sendo associados a um aumento na incidência de infecções fúngicas

Aspergilose pulmonar invasiva

Deve-se considerar a hipótese de aspergilose pulmonar em pacientes com insuficiência respiratória refratária, apesar de medidas de suporte e antibioticoterapia, lesão pulmonar compatível (cavitação, nódulos, condensações) e qualquer um dos seguintes achados clínicos:

  • Febre refratária por mais de 3 dias ou nova febre após período de mais de 48h de defervescência durante antibioticoterapia adequada, sem outra etiologia;
  • Piora da insuficiência respiratória, apesar de antibioticoterapia e suporte ventilatório;
  • Dor pleurítica, atrito pleural e/ou hemoptise.

Destaca-se que as imagens radiológicas associadas a infecção por Aspergillus spp. podem ser de padrão inespecífico, podendo corresponder a nódulos, consolidações, cavitações, derrames pleurais, opacidades em vidro fosco, opacidades em árvore em brotamento e atelectasia. O “sinal do halo” é um achado tardio e muitas vezes está ausente em pacientes imunocompetentes.

Traqueobronquite por Aspergillus spp. pode ocorrer na ausência de pneumonia e de alterações radiológicas, sendo identificada na broncoscopia como placas ou úlceras no epitélio traqueobrônquico.

Candidemia

Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de candidemia em pacientes críticos com Covid-19, estão a disbiose induzida por antibioticoterapia de amplo espectro, colonização por Candida spp., uso de cateter venoso central, hipoxemia ou hipotensão prolongadas, insuficiência renal e hemodiálise, uso de imunossupressores, entre outros.

Deve-se suspeitar de candidemia nos pacientes com Covid-19 com mais de 7 a 10 dias de internação, expostos aos fatores de risco acima e que desenvolvam sinais e sintomas de sepse, apesar de antibioticoterapia.

As cinco principais espécies de Candida que causam infecções hospitalares são: C. albicans, C. glabrata, C. parapsilosis, C. tropicalis e C. krusei. Nos últimos anos, as infecções por espécies não-albicans, que podem ter menor suscetibilidade a agentes azólicos, vêm se tornando mais frequentes, principalmente por C. glabrata, C. parapsilosis e C. tropicalis.

C. auris é de importância especial devido ao seu padrão de resistência a múltiplos antifúngicos e seu potencial de disseminação e para causar surtos. Casos identificados de C. auris são de notificação obrigatória a Anvisa e as amostras devem ser enviadas a laboratórios de referência para confirmação.

Mucormicose

Os grupos de risco clássicos para desenvolvimento de mucormicose incluem pacientes diabéticos, imunodeprimidos por neoplasias hematológicas ou por drogas imunossupressoras, incluindo corticoides e vítimas de trauma ou queimaduras por inoculação direta do fungo.

As formas clínicas mais frequentes são a rino-órbito-cerebral e pulmonar, mas também pode ocorrer como infecção cutânea, gastrointestinal e disseminada. Classicamente, pacientes diabéticos tendem a desenvolver a forma rino-órbito-cerebral, cujos sintomas assemelham-se aos de uma sinusite aguda/subaguda, com evolução para obstrução nasal, sangramento edema de face, assimetrias, dor ocular, ptose palpebral, alterações visuais, amaurose, hematomas e necrose paranasais e isquemia ou necrose do palato. Já pacientes imunodeprimidos tendem a desenvolver a forma pulmonar, frequentemente com comprometimento dos seios paranasais.

Deve-se considerar o diagnóstico de mucormicose em pacientes diabéticos com Covid-19 grave, que fizeram uso de corticoide e evoluíram com quadro de sinusite aguda/subaguda com imagem mostrando sinusite e pelo menos um dos seguintes achados:

  • Precoces: dor aguda e localizada (incluindo dor com irradiação para o olho), febre, comprometimento do estado geral, dor facial intensa;
  • Tardios: úlcera nasal com exsudato negro, sangramento nasal, edema de face, assimetrias, dor ocular, ptose palpebral, alterações visuais, amaurose, congelamento de movimentos oculares, hematomas e necrose ao redor do nariz.

Para as formas pulmonares, algumas alterações radiológicas podem auxiliar no diagnóstico, como o sinal do halo reverso, nódulos múltiplos e derrame pleural, embora não sejam específicos de mucormicoses.

Diagnóstico e tratamento

Os sinais e sintomas de infecções fúngicas invasivas são, por vezes, inespecíficos e semelhantes aos da própria Covid-19. Achados radiológicos também podem ser pouco específicos ou tardios. Dessa forma, deve-se procurar sempre o diagnóstico microbiológico.

Infecção fúngica suspeita Rotina diagnóstica específica recomendada Tratamento recomendado
Candidemia 2 pares de hemocultura; a nota técnica da Anvisa recomenda enviar a ponta de cateteres venosos centrais suspeitos de infecção no sítio de inserção para cultura, embora essa técnica não seja mais recomendada no contexto de suspeita de infecção de corrente sanguínea associada a cateter 1ª escolha: equinocandinas (caspofungina 70mg de ataque + 50mg/dia; anidulafungina 200mg de ataque + 100mg/dia; micafungina 100mg/dia)

2ª escolha: anfotericina B lipossomal 3mg/kg/dia ou complexo lipídico de anfotericina B 5mg/kg/dia

O tratamento deve ser mantido por 2 semanas após negativação das hemoculturas e resolução de sintomas.

Havendo melhora clínica, negativação de culturas e suscetibilidade a fluconazol, pode-se seguir o tratamento com esse antifúngico. 

Aspergilose Lavado broncoalveolar, com realização de cultura e dosagem de galactomanana (valores ≥1 em amostras coletadas por broncoscopia ou valores isolados > 4,5 ou seriados >1,2 em amostras não coletadas por broncoscopia podem ser sugestivas de aspergilose pulmonar no contexto adequado); a broncoscopia também permite inspeção das vias aéreas inferiores e o diagnóstico de traqueobronquite por Aspergillus spp.; dosagem sérica de galactomanana tem pouca sensibilidade e não podem excluir o diagnóstico, mas valores repetidos > 0,5 podem sugerir o diagnóstico 1ª escolha: voriconazol (6mg/kg, 12/12h de ataque por 2 doses + 4mg/kg 12/12h) ou isavuconazol (200mg 8/8h por 6 doses de ataque + 200mg/dia 12h a 24h após última dose de ataque)

2ª escolha: anfotericina B lipossomal 3mg/kg/dia ou complexo lipídico de anfotericina B 5mg/kg/dia

O tratamento deve ser mantido por no mínimo 6 semanas, podendo ser estendido até 12 semanas.

Recomenda-se dosagem do nível sérico de voriconazol durante o tratamento, quando disponível. Voriconazol IV deve ser evitado em pacientes com insuficiência renal.

Mucormicose Biópsia de lesões cutâneas, palato ou seios da face para análise microscópica, cultura e histopatológico (presença de hifas hialinas, não septadas, com ramificação em 90° é indiciativo d emucromicose); isolamento de fungos da ordem Mucorales em secreção traqueal ou de seios paranasais pode representar somente colonização ou contaminação de cultura Cirurgia extensa com margem de segurança sempre que possível

Controle da doença de base

Tratamento antifúngico:

– período de indução: anfotericina B lipossomal ou complexo lipídico de anfotericina B 5-10mg/kg/dia por no mínimo 4 semanas

– período de consolidação: isavuconazol 200mg 8/8h por 2 dias de ataque + 200mg/dia ou posaconazol 300mg 12/12h no 1º dia + 300mg/dia, por em média 6 semanas

Quando há envolvimento de SNC, a formulação lipossomal de anfotericina B é preferencial a outras formulações.

Isavuconazol e posaconazol são recomendados no caso da pré-existência de comprometimento renal e para tratamento de resgate.

Notificação

Infecções fúngicas classificadas como surto infeccioso em serviço de saúde e casos de C. auris devem ser notificados à Anvisa em formulário próprio (NOTIFICAÇÃO NACIONAL DE SURTOS INFECCIOSOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE em ambas as situações).

Os casos de candidemia, aspergilose invasiva ou mucormicose associados a Covid-19 devem ser notificados ao CIEVS Nacional por meio do Formulário de Notificação Imediata de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública, como a opção Situação: Notificação fúngica relacionada à Covid-19.

Leia também: Mucormicose e Covid-19: o que o oftalmologista precisa saber?

Nos casos suspeitos de aspergilose invasiva ou mucormicose em pacientes com Covid-19 em que os serviços de saúde não disponham de estrutura para identificação do fungo ou confirmação diagnóstica, as amostras biológicas e/ou isolados fúngicos podem ser enviados para o Laboratório de Referência Nacional de Micoses Sistêmicas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (RJ), por meio do LACEN local.

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