Infiltrações intra-articulares são uma opção terapêutica segura?

As infiltrações intra-articulares são uma opção terapêutica para o controle da dor e dos surtos inflamatórios da osteoatrite, principalmente em joelhos.

A osteoartrite (OA) é a doença articular que mais frequentemente acomete os joelhos e os quadris. Como está diretamente relacionada ao envelhecer, será cada vez mais frequente nos consultórios médicos, assim como as suas consequências deletérias, como dor e impacto funcional.

O tratamento de primeira linha atual é o não cirúrgico e visa o controle da dor e melhora da função, reservando o tratamento cirúrgico para os casos avançados e refratários ao tratamento clínico. No entanto, existe uma parcela desses pacientes que não desejam ou não podem ser submetidos aos tratamentos cirúrgicos atuais, especialmente devido à idade avançada e às comorbidades.

Nesse contexto, as infiltrações com corticoides combinados com anestésicos locais surgem como uma opção terapêutica para o controle da dor e dos surtos inflamatórios da OA (principalmente de joelhos, mas também utilizada nos quadris). Atualmente, os guidelines da American College of Rheumatology (2012) recomendam condicionalmente o uso dessa estratégia, enquanto que os da Osteoarthritis Research Society International (2014) sugerem que ela pode ser considerada. O American Academy of Orthopedic Surgeons não se posicionou a favor ou contra em relação a essa medida terapêutica.

Apesar do racional utilizado, os resultados de estudos prévios são conflitantes. Em resumo, uma metanálise demonstrou uma moderada melhora da dor e uma pequena melhora da função, mas, no geral, a qualidade metodológica dos estudos foi baixa.

Além disso, os eventos adversos relacionados à infiltração são frequentemente subnotificados nos estudos, o que dificulta a sua avaliação. Na metanálise previamente citada, o número de eventos foi baixa, comparável ao placebo.

No entanto, uma metanálise avaliando efeitos condrotóxicos dos corticoides in vitro e in vivo em animais encontrou que doses cumulativas mais altas (18-24 mg) se associaram com efeitos deletério nos condrócitos. Adicionalmente, alguns estudo demonstraram que pacientes que fizeram uso de corticoide apresentavam menor volume de cartilagem e maior progressão radiográfica da OA, quando comparados com o placebo.

Os autores do artigo selecionado para análise relataram sua experiência com infiltração articular de joelhos e quadris.

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Infiltrações intra-articulares em joelhos e quadris

As infiltrações foram realizadas por radiologistas intervencionistas com experiência no procedimento. O hospital em que eles trabalham realiza assistência a muitos pacientes desassistidos por seguros de saúde. As infiltrações de quadris e joelhos foram feitas com 40 mg de triancinolona, 2 mL de lidocaína a 1% e 2 mL de bupivacaína a 0,25%. A minoria dos pacientes (N=218/459=47,5%) realizou imagem de follow-up.

Leia também: Osteoartrite de joelho: qual melhor tratamento para dor a longo prazo?

Resultados

O número total de infiltrações realizadas em 2018 na instituição foram de 459, sendo que 307 fora de quadril e 152 de joelho. O intervalo de idades avaliadas foi de 37-79 anos (média 57) e o número de infiltrações variou de 1-3 (média 1,4 infiltrações), com intervalo entre a documentação por exame de imagem e a realização da infiltração de 2-15 meses (média 7 meses). Com relação à classificação de Kellgren-Lawrence, o número de pacientes foi: grau 0, N=1; grau 2, N=8; grau 3, N=26; e grau 4, N=1).

Foram encontrados os seguintes eventos adversos imputados à infiltração: OA rapidamente progressiva dos tipos 1 e 2, osteonecrose e fraturas subcondrais por insuficiência.

No total, os autores descreveram 26 (6%) OA rapidamente progressivas tipo 1, 3 (0,7%), OA rapidamente progressivas tipo 2, 3 (0,7%) osteonecroses e 4 (0,9%) fraturas subcondrais por insuficiência. No quadril, os números de eventos foram 21 (7%), 2 (0,7%), 3 (1%) e 4 (1%), respectivamente; e no joelho, 5 (3%), 1 (0,7%), 0 e 0, respectivamente.

Eventos adversos

Nesta seção, os autores fizeram uma revisão pictográfica das alterações encontradas. É interessante discutirmos essas alterações para que o médico assistente tenha conhecimento de como o paciente com OA pós-infiltração pode complicar. Vamos a elas.

1. OA rapidamente progressiva ou acelerada

A OA rapidamente progressiva tipo 1 se refere à perda rápida do espaço articular. Não há consenso na literatura, mas alguns autores sugerem que equivale à perda de 2 mm ou mais de espaço articular em 12 meses. Vale destacar que variações na posição e na carga sobre o membro durante a realização da radiografia podem influenciar grandemente nessa medida. De maneira associada, podemos identificar nesses casos derrame articular, sinovite, alterações de partes moles adjacentes, alterações do osso subcondral (edema medular ósseo, cistos).

Já a OA rapidamente progressiva do tipo 2 se refere à redução do espaço articular associada à perda acelerada de osso subcortical. No entanto, apesar de ser ter sido descrita em associação com o uso de infiltrações, também ocorre sem intervenções ou doenças de base.

2. Osteonecrose

A osteonecrose está sabidamente associada com o uso sistêmico de corticoides, mas também pode ocorrer nas infiltrações. Acomete mais frequentemente a cabeça do fêmur e os côndilos femorais. Quando não há alteração da estrutura articular, a radiografia pode ser normal e a RM passa a ser necessária para o diagnóstico. Para maiores detalhes sobre essa doença, acesse os temas relacionados no Whitebook.

3. Fratura subcondral por insuficiência

A fratura do osso subcondral não é uma complicação esperada apenas em pessoas idosas com osteoporose. Cada vez mais tem sido reconhecida em pessoas jovens e ativas, mesmo que com densidade mineral óssea aumentada.

Ocorre dor articular mecânica de início agudo, que piora gradualmente por algumas semanas sem um trauma agudo identificável.

A fratura por insuficiência acomete áreas que suportam carga, como joelhos. Nos estágios iniciais e sem colapso da articulação, a radiografia é normal. Na ressonância magnética, pode-se identificar uma hipointensidade do osso subcondral, associada a edema ao redor da lesão, de maneira não esperada para uma OA não complicada. No quadril, geralmente se associa com perda da cartilagem nas região anterior e anteromedial; já no joelho, frequentemente se associa com lesões meniscais radiais de raiz posterior e extrusão de conteúdo, com ou sem perda da cartilagem articular. Acomete predominantemente o compartimento medial do joelho. O prognóstico depende da gravidade da lesão e, particularmente, do grau de colapso da articulação.

Mais do autor: Quais os tipos de pneumopatias na artrite reumatoide?

Comentários e conclusões

Esse estudo apresentado é um estudo transversal e meramente descritivo. Assim, apresenta inúmeras limitações que limitam o seu uso na tomada de decisão. Seu maior valor está na descrição das complicações que podem surgir após a infiltração com corticoide. Dessa maneira, o médico que assiste ao paciente com OA e opta pela infiltração com corticoide (com base nos guidelines publicados pelas sociedades competentes) pode estar mais atento para o surgimento de alguma delas.

As diversas limitações desse estudo serão elencadas a seguir para que possamos estar atentos às pesquisas futuras necessárias para a correta tomada de decisão.

A primeira e mais importante limitação é que se trata de um estudo descritivo. Dessa forma, a metodologia utilizada não é adequada para nenhuma avaliação que possa imputar em um maior risco do uso de corticoides, já que não existe um grupo controle.

Outra limitação é que os pacientes não foram avaliados de maneira rotineira com novas imagens, apenas os sintomáticos que procuravam novamente o serviço por ausência de melhora dos sintomas. Como descrito, nem todos os pacientes apresentavam radiografias pré-procedimento e poucos apresentavam RM pré-procedimento. Essas questões levam a importantes viéses de seleção, o que limita os resultados apresentados.

Além disso, nenhum comentário foi feito com relação às medidas não farmacológicas do tratamento da OA. Também não foram avaliados desfechos clínicos (dor e função), que são muito mais importantes do que os desfechos radiográficos, uma vez que sabemos que existe dissociação clínico-radiológica e a indicação cirúrgica é por sintomas, não por alterações radiográficas.

Por fim, esse estudo não é capaz de fornecer preditores para uma melhor decisão na hora de indicar a infiltração com corticoides.

Desse modo, o valor desse estudo reside na descrição pictográfica das complicações das infiltrações, mais do que em influenciar a tomada de decisão. Apesar de o título ser chamativo, o estudo apresentado não é capaz de responder a pergunta proposta no título, uma vez que não traz informações adicionais ao corpo de evidência já conhecido.

Referência bibliográfica:

  • Kompel AJ, et al. Intra-articular Corticosteroid Injections in the Hip and Knee: Perhaps Not as Safe as We Thought? Radiology 2019; 00:1–8. https://doi.org/10.1148/radiol.2019190341

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