Inflamação e infarto agudo do miocárdio: novos horizontes na prevenção

Investimos cada vez mais em prevenção, especialmente das doenças cardiovasculares, principal causa de morte de pessoas com mais de 50 anos.

Atualmente, seguimos investindo cada vez mais em prevenção, especialmente das doenças cardiovasculares, que são a principal causa de morte de pessoas com mais de 50 anos no mundo.

Grandes estudos, como o Framingham Heart Study (Boston, 1948), foram fundamentais para a descoberta dos fatores de risco tradicionais nas doenças cardiovasculares. O gradual controle desses fatores, uma vez descobertos, nos trouxe maior expectativa de vida, promovendo em conjunto com outras medidas, a famosa “inversão da pirâmide etária” global.

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As medidas de prevenção de eventos cardiovasculares, são baseadas em mudanças do estilo de vida, e controle dos fatores de risco tradicionais. No entanto, diversas outras condições de risco conhecidas não são contempladas pelos escores de risco atuais, como por exemplo a infecção por HIV ou doenças autoimunes crônicas. Por outro lado, o uso indiscriminado de medicações de alto custo, como inibidores de PCSK9, certamente não é custo-efetivo.

As estratificações de risco baseadas em dados anatômicos, como angiografia coronariana por cateterismo ou mesmo angiotomografia coronariana também apresentam limitações. Um estudo, acompanhou pacientes ao longo do tempo, após realização de angiografia coronariana de base, para avaliar a história natural da doença aterosclerótica das artérias coronárias. Foi observado que 47% dos eventos cardiovasculares graves ocorreram por culpa de lesões coronarianas originalmente não significativas.

Será que essas pessoas deveriam receber um tratamento tão agressivo quanto aquelas que apresentam lesões com estenose significativa? Será que podemos prever o risco dessas placas, com menor grau de estenose luminal, progredirem para instabilização?

Assim, ainda temos muito o que aprender sobre o predição de risco de eventos, uma vez que não podemos confiar isoladamente em dados anatômicos.

Surge então um novo foco de interesse: a avaliação da presença de marcadores de  inflamação sistêmica e/ou local a nível coronariano, para predizer o risco de eventos cardiovasculares futuros. Estudos recentes vêm avaliando a capacidade preditiva dos diversos marcadores inflamatórios laboratoriais e de imagem, em detectar os pacientes mais vulneráveis a esses eventos. Esse risco atribuído a inflamação foi denominado “risco inflamatório residual”.

Figura 1: Uma parcela da população desenvolve placas obstrutivas. Destes, alguns irão evoluir com IAM, com ou sem sintomas associados. A gravidade da estenose possui relação com a incidência de eventos cardiovasculares, no entanto IAM pode ocorrer mesmo com placas com obstrução não significativa. O custo do tratamento aumenta com o diagnóstico tardio. Os novos marcadores de inflamação podem detectar a doença em fase pré clínica. A estratificação com angiotomografia coronariana (angioTC) e com ecocardiograma de estresse detectam a doença apenas na fase clínica. Abreviações: CCS (escore de cálcio), FAI-CTA (índice de atenuação de gordura avaliado por angioTC coronariana), NaF-PET (tomografia com emissão de pósitrons com fluoreto de sódio). Retirada de Antoniades et al. Imaging residual inflammatory cardiovascular risk. European Heart Journal (2020) 41, 748–758.

Podem ser utilizados atualmente como marcadores inflamatórios: biomarcadores séricos (PCR ultra sensível, IL-6, IL-1b, dentre outros); angioTC de coronárias (escore de cálcio, análise de FAI ou padrões de alto risco); tomografia por emissão de pósitrons (PET) associado à imagem anatômica por TC ou RNM.

Prevenção da Inflamação e infarto agudo do miocárdio

O que sabemos até o momento

Biomarcadores séricos: Sua elevação não é específica o suficiente para denotar aterosclerose coronariana. Sua utilização pode superestimar o risco no contexto da prevenção primária, levando a terapias desnecessárias.

AngioTC de coronárias: Fornece informação anatômica das coronárias, grau obstrutivo das placas encontradas, escore de cálcio, e análise da vulnerabilidade das placas através da detecção de padrões de alto risco, como: padrão em anel de guardanapo; baixa atenuação da placa; remodelamento positivo (placa “crescendo de dentro pra fora” do vaso); calcificações puntiformes.

PET: Utiliza a sobreposição da imagem funcional com a imagem anatômica, demonstrando a área isquêmica. A despeito de alta sensibilidade e especificidade, seu principal problema é o custo, o que limita sua disponibilidade.

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O artigo de onde foi retirada a figura acima, recém publicado pela ESC, descreve a utilização de tais marcadores em nossa prática clínica. Dentre eles, destaca-se o índice de atenuação de gordura perivascular coronariana (FAI – fat attenuation index), que vem se demonstrando como um excelente preditor de eventos cardiovasculares. Já comentamos sobre ele anteriormente aqui no PEBMED.

O que este estudo traz de novo — o papel do FAI

O índice de atenuação de gordura (FAI), analisa a inflamação da gordura perivascular em torno das artérias coronárias, através de um algoritmo chamado CaRi-HEART, acoplado à imagem da angiotomografia. A inflamação vascular induz a lipólise e inibe a lipogênese, criando adipócitos de diferentes tamanhos em torno do vaso inflamado. A redução da quantidade de tecido gorduroso cria um ambiente hidrofílico imediatamente adjacente à área inflamada, em contraste com uma região lipofílica epicárdica.

Sugere-se que o FAI pode ser utilizado em diferentes cenários:

  • Prevenção primária, na identificação de pacientes com doença arterial coronariana (DAC) ainda em fase pré-clínica, ou mesmo, nos casos de DAC estabelecida, com estenoses não significativas para identificação daqueles com placas instáveis, com maior risco de eventos graves.
  • Síndrome coronariana aguda (SCA) sem supra de segmento ST, auxiliando na detecção da placa instável/culpada. Com o emprego da terapia adequada, o exame pode ser repetido para avaliação de reversão das alterações, servindo como marcador de efetividade terapêutica.

Comparando os métodos de avaliação de risco inflamatório residual

  • Marcadores plasmáticos: Alta sensibilidade. Baixa especificidade. Modesta relação com prognóstico.
  • PET: Alta sensibilidade. Alta especificidade. São necessários mais dados para entendimento da sua relação com prognóstico.
  • AngioTC de coronárias: Baixa sensibilidade. Alta especificidade. Alta relação com prognóstico.
  • AngioTC com análise do FAI: Alta sensibilidade. Alta especificidade. Alta relação com prognóstico.

Conclusões do artigo:

  • Apesar dos avanços terapêuticos na prevenção primária de eventos cardiovasculares, o diagnóstico precoce e manejo do risco inflamatório residual são áreas que merecem intensa investigação.
  • Os atuais escores clínicos e métodos de imagem para predição de risco cardiovascular ainda apresentam limitações, cada um com suas particularidades.
  • Sinalizar o paciente mais vulnerável a eventos cardiovasculares ainda é uma necessidade não alcançada, especialmente nos pacientes sem lesões com obstrução significativa.
  • Devemos investir no diagnóstico por métodos de imagem, uma vez que os marcadores plasmáticos apresentam grandes limitações.
  • O PET possui alta acurácia, porém apresenta alto custo,  e por isso é pouco disponível.
  • A angioTC de coronárias é muito útil para avaliar o risco de eventos, seja pela visualização de estenoses graves ou análise dos padrões de alto risco. No entanto, isoladamente, não consegue identificar nos pacientes com lesões não significativas, aqueles que irão evoluir com evento cardiovascular.
  • A associação da angioTC com a avaliação do índice de atenuação de gordura perivascular, principalmente nos pacientes sem doença obstrutiva grave, pode identificar o subgrupo com maior risco inflamatório residual. Esses pacientes de maior risco deverão receber terapia agressiva com AAS/estatinas para prevenção de eventos primários.

Referências Bibliográficas:

  • Antoniades et al. Imaging residual inflammatory cardiovascular risk. European Heart Journal (2020) 41, 748–758
  • Stone GW; PROSPECT Investigators. A prospective natural-history study of coronary atherosclerosis. N Engl J Med. 2011 Jan 20;364(3):226-35. doi: 10.1056/NEJMoa1002358.

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