Injeção acidental de ácido tranexâmico no bloqueio espinhal: um erro catastrófico

O ácido tranexâmico (AT), também conhecido com o nome comercial de Transamin, é usado no controle de hemorragias em cirurgias, traumas e gestantes.

O ácido tranexâmico (AT), também conhecido com o nome comercial de Transamin, é usado no controle de hemorragias em cirurgias, traumas e gestantes. Esse ácido é um análogo do aminoácido lisina que age como um antifibrinolítico, ligando-se reversivelmente ao receptor de lisina no plasminogênio, prevenindo a degradação desta. Está incluído nas medicações essenciais do sistema de saúde pela Organização Mundial de Saúde.

mão de enfermeiro regulando fluidos intravenosos em cirurgia com uso do ácido tranexâmico

Injeção inadvertida de ácido tranexâmico

Pelo seu grande uso, principalmente em casos de emergência, a incidência de injeção inadvertida durante o procedimento anestésico tem sido grande e potencialmente fatal, principalmente quando administrado indevidamente por via neuroaxial. Foi realizado uma revisão sobre o tema pelo MEDLINE por 58 anos pesquisando casos de injeção inadvertida de ácido tranexâmico durante anestesia epidural e foram identificados 21 casos, sendo sete durante cesareana eletiva e seis pacientes durante cirurgia ortopédica.

Os sinais e sintomas característicos relatados foram: ausência de bloqueio motor ou sensitivo, dor intensa irradiada para membros inferiores, região lombar e nádegas, mioclonias em membros inferiores seguida de convulsão generalizada,taquicardia e hipertensão severa e arritmia ventricular.

Desfecho fatal foi reportado em dez pacientes, levando a uma estatística altíssima de 50%. Nos pacientes remanescentes, dez necessitaram de internação em unidade de terapia intensiva para tratamento de convulsões refratárias e/ou taquiarritmias. Em dois pacientes, a lavagem do líquido céfalorraquidiano (LCR) foi realizada e em um paciente a anestesia espinhal foi repetida. Três pacientes necessitaram de reabilitação a longo prazo após alta hospitalar. Seis das sete gestantes incluídas na pesquisa faleceram, sendo que uma foi devido a falha do sistema de oxigênio hospitalar.

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Em relação a pacientes gestantes, o desfecho foi mais catastrófico. As próprias alterações fisiológicas da gestação acabam aumentando a dispersão e absorção da droga no espaço raquidiano. As mortes maternas ocorreram em horas após a injeção inadvertida. Apesar do AT ultrapassar a barreira uteroplacentária, não houve prejuízos para os fetos. A gestante que sobreviveu teve a anestesia repetida após a injeção inadvertida, o que faz pensar que houve uma “lavagem” do LCR pelo anestésico e menor absorção da droga.

A dose letal intravenosa do AT é de 1 a 1,5 g/kg.O AT inibe diretamente o ácido aminobutírico tipo A e os receptores de glicina localizados nos neurônios espinhais dorsais levando a um aumento da excitabilidade dos mesmos,o que explica a forte dor causada na região lombar logo após a injeção e as mioclonias dos membros inferiores e convulsões. As convulsões são de características reentrantes e de difícil controle mesmo com o uso de múltiplos agentes anticonvulsivantes. De acordo com o terrível desfecho desse erro, é recomendado que se faça uma lavagem imediata do LCR o que pode possibilitar o processo de diluição da droga. Um volume de 10 mL de LCR é retirado com reposiçaõ de 10 mL de solução salina podendo ser repetido até quatro vezes. Outra opção é a retirada de 20 mL repetida apenas uma vez. O uso de um cateter é indicado.

Em 20 pacientes houve erro de leitura de ampola seja por rótulos ou ampolas parecidas. E em um paciente houve troca da linha de injeção, sendo realizado injeção do AT no cateter raquidiano ao invés do venoso.

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Conclusões

Conclui-se que em todos os casos houve falha humana. A falha humana pode ocorrer por erro na supervisão da equipe auxiliar com uma grade de profissionais com pouca experiência,falha na preparação do arsenal terapêutico da anestesia com troca de medicação pela farmácia,atos imprudentes com falha na checagem da droga a ser administrada. Devido a isso, o artigo sugere quatro condutas para prevenir injeções inadvertidas durante a realização de bloqueio espinhal.

  1. Ler e reler cuidadosamente todos os rótulos de qualquer droga ou seringa antes da aspiração e injeção;
  2. Rotular todas as seringas a serem utilizadas;
  3. Checar os rótulos com uma terceira pessoa ou mecanicamente caso haja código de barras;
  4. Usar conectores não Luer em todos os cateteres espinhais.

Essa revisão conclui que nenhuma outra droga pode causar tanto estrago quanto o AT injetado inadvertidamente na região espinhal, o que torna necessário uma melhora significante nas estratégias de checagem e rotulação de seringas e ampolas que serão utilizadas durante o procedimento anestésico.

O artigo sugere, além das quatro recomendações acima citadas, uma maior atenção no armazenamento das ampolas de AT pela equipe da farmácia e que todos os pacientes que forem submetidos à injeção inadvertida de AT devem ser submetidos à lavagem do LCR.

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