Insônia em gestantes: terapia cognitivo-comportamental online pode ser eficaz?

Este artigo publicado no JAMA Psychiatry, ao final de janeiro deste ano, discute uma abordagem para os sintomas de insônia em gestantes.

Este artigo publicado no JAMA Psychiatry, ao final de janeiro deste ano, discute uma abordagem para os sintomas de insônia na gravidez. Estes são muito prevalentes, sendo que uma em cada sete grávidas se queixa de sintomas moderados a graves de insônia. Apesar de ser uma situação considerada comum, parece estar associada a piores eventos adversos na gestação, como depressão e parto prematuro.

Dentre o que há disponível na literatura sobre intervenções para melhorar os sintomas de insônia, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) parece ser eficaz e é recomendada como primeira linha por órgãos americanos. Contudo, apesar da eficácia, a demanda pelo tratamento excede o número de profissionais para atendê-la. Por isso, foi avaliada a possibilidade de implementar o tratamento através de tecnologias digitais para facilitar o acesso. Este estudo optou por fazer um ensaio clínico randomizado para avaliar o emprego de TCC de forma digital quando comparado ao tratamento padrão entre 208 mulheres grávidas.

Diante disso, duas hipóteses foram levantadas: a primeira de que as mulheres que receberam TCC digital quando comparadas às que receberam tratamento padrão poderiam apresentar uma melhora mais significativa na avaliação subjetiva do sono (o que inclui gravidade dos sintomas, eficiência e duração do sono, qualidade global do sono e ausência de insônia) e a segunda, de que a TCC digital também seria capaz de melhorar quadros ou sintomas depressivos ou ansiosos advindos da má qualidade do sono.

mulher grávida com insônia em leito e médico com a mão na barriga dela

Insônia em gestantes

As pacientes foram observadas entre 23 de novembro de 2016 até 22 de maio de 2018 e foram recrutadas de forma convencional (ex.: folhetos em lojas), através de um registro nacional de voluntários de saúde, em anúncios nas redes sociais, através de “boca a boca” e pacientes de hospitais universitários receberam mensagens eletrônicas ou via correio eletrônico/e-mail e folhetos eletrônicos na espera dos consultórios de ginecologia e obstetrícia.

Os critérios de inclusão envolveram: gestações até 28 semanas, ter pelo menos 18 anos de idade, preencher os critérios do DSM-5 para transtorno de insônia (determinado pelo Sleep Condition Indicator – SCI) ou com importante gravidade dos sintomas (maior que certo ponto de corte num dos testes) e com acesso à internet, computador, tablet ou smartphone. Os critérios de exclusão envolveram provável transtorno depressivo maior (com uso da escala de Edimburgo), presença de transtorno afetivo bipolar, história de psicose, ideação suicida (também avaliada com escala) e pacientes que possuam emprego como plantonistas.

As pacientes foram distribuídas de maneira randômica entre o grupo que faria o tratamento padrão ou TCC. Por um erro na distribuição, houve duas pacientes a mais no grupo com TCC do que no grupo que recebeu tratamento padrão.

Todos os desfechos foram relatados pelas participantes diretamente, minimizando o fato de o estudo não ter sido cego. As participantes também não puderam ser cegadas por motivos óbvios referentes à abordagem que receberiam.

A abordagem de TCC foi empregada com 6 sessões acessadas através do website ou do aplicativo disponível para IOS. O tratamento era baseado em manuais de TCC e incluíram cinco componentes principais: controle de estímulo, restrição do sono, técnicas de relaxamento, terapia cognitiva e higiene do sono. O programa era interativo e possuía um terapeuta digital animado. As pacientes receberam lembretes automáticos para completarem cada sessão e o diário do sono.

Também receberam ajuda automática e personalizada conforme seu progresso e tiveram acesso a uma comunidade online sobre o assunto com a participação de um moderador, além de acesso a uma biblioteca com informações sobre sono. Já o grupo que recebeu a abordagem padrão pode ter sido tratada com os seguintes: fármacos (englobando antidepressivos, analgésicos e hipnóticos controlados ou não), fitoterápicos ou medicações “alternativas”, aconselhamento ou psicoterapia e grupos de apoio. Ao final da pesquisa, as participantes desse grupo receberam livre acesso ao aplicativo de TCC.

O resultado foi avaliado através de uma escala chamada ISI, que contém sete itens que avaliam a insônia e a dificuldade em iniciar ou manter o sono, a satisfação ou prejuízos associados ao mesmo, a angústia envolvida e ao quanto outras pessoas perceberam os sintomas nas 2 semanas anteriores. Os diários do sono foram usados para medir a eficácia e a duração do sono, usando quocientes ou escalas (Pittsburgh Sleep Quality Index). A gravidade dos sintomas depressivos e ansiosos também foram avaliadas através de escalas (EPDS e Generalized Anxiety Disorder Scale-7).

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Também foi aplicados auto-questionários junto às pacientes, sendo que a cada intervalo de tempo foram feitas perguntas sobre o que usaram para melhorar seu sono: medicação, associação com analgésicos, fitoterapia e tratamento “alternativo”, psicoterapia, terapia de grupo ou outros.

Nas 208 participantes observou-se uma idade média de 33,6 anos e uma idade gestacional média de 17,6 semanas. A maioria era de etnia branca, casada ou em relações equivalentes à união estável, possuía formação superior e ganhava uma renda igual ou maior a 100 mil dólares/ano. O grupo que recebeu a TCC digital tinha 105 participantes, sendo que dessas 64,8% concluíram todas as 6 sessões, num período de 7,97 semanas para tal e 31,4% retornaram para uma sessão de “reforço” após completarem as 6 sessões iniciais.

Contudo, 6,7% dessas participantes nunca sequer entraram no aplicativo e 28,6% iniciaram, mas não completaram o programa. As razões para isso são: por motivos desconhecidos (70%), porque sofreram um aborto (10%), porque acreditaram que o programa não supria suas necessidades (13,3%), porque fez uso de uma medicação anti-histamínica que melhorou sua insônia (3,3%) ou por falta de tempo (3,3%).

Infelizmente no grupo que recebeu o tratamento padrão, três pacientes tiveram efeitos adversos, sendo um natimorto e dois abortos, mas essas ocorrências não foram relacionadas com a participação no estudo, pois elas estariam livres para escolher o tratamento que quisessem caso não tivessem participado. No grupo que recebeu a TCC digital, três também apresentaram efeitos adversos ao longo do estudo: três abortos no primeiro trimestre. Esses eventos podem ter sido associados à participação no estudo, já que não é possível descartar essa possibilidade, como no caso anterior.

Além de algumas questões já citadas, as limitações envolvem o recolhimento de dados, que se deu através do preenchimento de autoquestionários, ao invés de entrevistas clínicas diagnósticas. Ainda nessa linha, não foram usados instrumentos objetivos para verificar a insônia. Também deve ser notada a ausência de grupo-controle e não se pode deixar de mencionar que a maior parte da população do estudo é de etnia branca, possui um maior grau de escolaridade e melhores condições financeiras, em média. Então há um questionamento sobre o quanto os resultados podem ser extrapolados para a população.

Análise, resultados e conclusões

As mulheres que receberam o tratamento com TCC digital apresentaram maiores reduções dos sintomas de insônia do que aquelas que seguiram o tratamento tradicional, sendo a diferença entre os grupos estatisticamente significativa e com amplo efeito de magnitude. As taxas de remissão também foram significativamente maiores no grupo que fez TCC, assim como redução da gravidade dos sintomas depressivos e ansiosos.

O principal objetivo deste estudo era avaliar a eficácia da TCC digital entre gestantes. As evidências encontradas suportam essa hipótese: a TCC digital está associada a uma melhora significativa dos sintomas de insônia quando comparada ao tratamento padrão. Durante as 10 semanas do estudo, a gravidade da insônia diminuiu mais de 2 vezes em comparação ao outro grupo. Também houve redução do tempo em que as pacientes permaneciam acordadas enquanto deitadas na cama, além de melhora na qualidade global do sono. Esses benefícios se mantiveram por 2 meses após a intervenção. Também mais mulheres do grupo que recebeu TCC apresentaram remissão dos sintomas em comparação com o grupo do tratamento tradicional.

Estes achados corroboram as pesquisas existentes e que sugerem que a TCC é uma abordagem não farmacológica eficaz no tratamento da insônia no período gestacional. Há também indícios de que possa ser útil nos quadros subclínicos. Cabe observar que o uso de medicações para dormir foi raro nesta amostra. Mesmo as pacientes selecionadas para receber o tratamento tradicional apresentaram maior probabilidade de uso da medicação prescrita após o período de intervenção.

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Há poucos ensaios clínicos randomizados para avaliar a eficácia e a segurança da farmacoterapia para a insônia durante a gestação, mas estudos observacionais sugerem possível risco de efeitos adversos. As medicações geralmente usadas no tratamento da insônia, como o zolpidem e os benzodiazepínicos, estão associadas à maior risco de aborto espontâneo, parto pré-termo, baixo peso ao nascimento, maiores chances da necessidade de cesarianas e neonato pequeno para a idade gestacional. Por isso também as grávidas preferem um tratamento não farmacológico para tratar a insônia e este trabalho indica que o tratamento digital seria uma forma eficaz e segura de abordagem.

Outro objetivo deste estudo também foi avaliar a eficácia da TCC digital no tratamento de sintomas depressivos e ansiosos entre as gestantes. Houve importante melhora nos sintomas subclínicos de depressão e ansiedade em comparação com o tratamento tradicional. Contudo, as pacientes deste trabalho tinham sintomas leves. Mais trabalhos são necessários para avaliar se a TCC digital pode ser eficaz no caso de sintomas mais graves.

Muitas mulheres gestantes parecem estar interessadas em melhorar o seu sono, mesmo que a maioria não possua o diagnóstico clínico de insônia, abrindo mais uma possibilidade para novas pesquisas. E, apesar de as mulheres do grupo que recebeu TCC tenham apresentado maior remissão dos sintomas em comparação com as que receberam o grupo padrão, a maioria continuou apresentando sintomas subclínicos. Outros futuros campos de pesquisa também envolvem outros transtornos do sono específicos da gestação, como desconforto e noctúria. E outra possibilidade também consiste em estudar a técnica de mindfulness.

Finalmente é possível concluir que, apesar das limitações, os pesquisadores encontraram que a uma abordagem digital da terapia cognitivo-comportamental é eficaz tanto para o tratamento dos sintomas de insônia como para os sintomas subclínicos de ansiedade e depressão.

Referência bibliográfica:

  • Felder JN, Epel ES, Neuhaus J, Krystal AD, Prather AA. Efficacy of Digital Cognitive Behavioral Therapy for the Treatment of Insomnia Symptoms Among Pregnant Women a Randomized Clinical Trial. JAMA Psychiatry. Published online January 22, 2020. doi:10.1001/jamapsychiatry.2019.4491

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