Interação da flora intestinal com a anestesia

Evidências recentes sugerem que a floraintestinal tem um efeito direto sobre a sensibilidade aos anestésicos.

A microbiota intestinal, mais popularmente conhecida como flora intestinal, é o conjunto de centenas e milhares de bactérias que habitam o trato gastrointestinal, mais precisamente o intestino e vivem em simbiose com nosso organismo. Essas bactérias estão presentes em espécie e quantidade adequadas para equilibrar o sistema digestivo, auxiliando no processo de digestão e impedindo a proliferação de outras bactérias patogênicas, além de estimular o sistema imunológico de forma positiva.  

Em condições normais, o intestino fornece um ambiente adequado para que esses microrganismos cresçam e proliferem de forma sadia no seu interior. A microbiota intestinal começa a se proliferar a partir do nascimento e atinge o seu pico de maturação em torno do segundo e terceiro ano de vida, onde se assemelha com a microbiota do adulto. Porém algumas situações como estilo de vida, alimentação industrializada e a administração de determinados medicamentos pode alterar essa flora, causando um desequilíbrio e gerando prejuízos a saúde intestinal e a saúde do paciente como um todo.  

Em relação às medicações, a microbiota intestinal pode ser alterada por elas como também pode alterar a resposta do paciente sobre as mesmas. E na anestesia também temos essa interação entre drogas anestésicas e flora intestinal, porém a maioria dos estudos clínicos são realizados até o momento em animais.

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flora intestinal

Anestesia geral altera a microbiota intestinal

Muitos estudos utilizando animais, demonstraram que, estes submetidos a anestesia geral, independente do tempo de anestesia, apresentaram significativas alterações na composição da flora intestinal. Por exemplo, após quatro horas de exposição ao isoflurano, camundongos apresentaram grandes mudanças na flora intestinal pelo período de até sete dias pós-operatório. Essas mudanças foram caracterizadas pela diminuição na comunidade bacteriana alfa e das bactérias Firmicutes e Clostridiales e pelo aumento das Proteobacteria e Actinobacteria.  

Outro estudo realizado por Han, et al, evidenciou que essa mudança também ocorria com tempo menor de exposição ao agente anestésico e perdurava por até 15 dias. Essas alterações não foram só observadas com os agentes voláteis, mas também com a administração de agentes venosos como o Propofol. Especificamente, três horas de exposição ao Propofol em ratos, levou a uma diminuição das bactérias Prevotella e Lactobacillus com recuperação em 14 dias. Além das alterações referentes a quantidade de bactérias, houve uma diminuição em relação aos metabólitos produzidos por elas, quando os animais eram expostos aos agentes anestésicos.  

Outras alterações encontradas foi o aumento significativo de Firmicutes, Proteobacteria, Clostridia, Clostridiales e Lachnospiraceae e uma diminuição significativa de Bacteroidetes, Actinobacteria, Bacteroidia e Bacteroidaceae comparados ao grupo controle. Todos esses estudos apontam para um efeito potente e duradouro na composição e quantidade de bactérias presentes na flora intestinal normal, quando os animais foram expostos tanto ao agente inalatório isoflurano, como ao venoso Propofol.

Microbiota intestinal e sensibilidade aos anestésicos

Evidências recentes sugerem que a floraintestinal tem um efeito direto sobre a sensibilidade aos anestésicos em animais experimentais. Em um estudo com camundongos livres de microbiota e camundongos com microbiota específica, expostos ao agente anestésico Tiopental, evidenciou-se que os animais que possuiam ausência de bactérias se recuperavam mais rápido, com reflexos presentes mais precoces, do que o grupo de animais com composição bacteriana específica.

Opioides e microbriota 

Evidências demonstram que a flora bacteriana pode afetar a eficácia de medicações analgésicas, especialmente os opioides. A interação entre a flora intestinal e os opioides é de forma bilateral, onde os opioides tem papel em modular a flora bacteriana e esta, por sua vez, altera a resposta do paciente a essa medicação. Estudos em ratos com administração de morfina, resultou em uma alteração significativa na composição da microbiota intestinal já no primeiro dia de tratamento.  

Essas alterações vieram também acompanhadas de alterações no metabolismo mais especificamente na concentração sérica de bilirrubina, lipídios e fosfatidiletanolaminas. Foi observado que essas alterações eram parcialmente revertidas com a administração dos reversores de opioides como a naloxona. Outra alteração observada foi modificações na barreira intestinal com o desenvolvimento de um processo inflamatório sistêmico. A administração de oxicodona também demonstrou acometimento direto da microbiota intestinal, sendo que nesse caso de uma forma mais persistente, permanecendo mesmo após a descontinuação e suspensão da medicação.  

Também foi observado que a resposta do animal a administração de opioide é dependente da sua flora intestinal. Ratos tratados com antibióticos ou isentos de flora bacteriana apresentaram menos tolerância a droga do que os ratos com microbiota intestinal normal, sendo que a tolerância aos opioides estaria relacionada a depleção de dois grupos de bactérias: bifidobacteria e Lactobacillaeae e quando esses grupos distintos eram reestabelecidos, havia também o reestabelecimento da tolerância ao opioide. Para finalizar, foi evidenciado que a flora presente principalmente na parte cecal seria responsável pela hidrólise de metabólitos derivados da morfina, mais precisamente a morfina 3 glicoronideo.

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Mensagem final

Esses fatos nos permitem entender que enquanto os opioides moldam a composição da flora bacteriana intestinal, esta tem um importante papel na modulação da tolerância do paciente a droga. Portanto, a composição da microbiota intestinal está diretamente relacionada a exposição a medicações anestésicas como o Isoflurano, Propofol e Tiopental e medicações analgésicas, mais especificamente os opioides, evidenciando a ocorrência de alterações na sua composição após a administração de anestesia geral. Porém, estudos clínicos mais específicos devem ser realizados e verificados.

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Referências bibliográficas: Ícone de seta para baixo
  • Minerbi A. Anesthesiology. 2022;137(1):93-108. 2022 American Society of Anesthesiologists. 

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