Intubação em pediatria: videolaringoscopia versus laringoscopia direta

A videolaringoscopia é frequentemente usada na abordagem emergencial de vias aéreas. Estudos sugeriram superioridade em relação à laringoscopia direta.

A videolaringoscopia (VL) é frequentemente usada na abordagem emergencial de vias aéreas. Estudos observacionais realizados em pacientes adultos em departamentos de emergência (DE) sugeriram superioridade da VL em relação à laringoscopia direta (LD).

No entanto, a literatura demonstra que a LD é equiparável ou superior à VL em pediatria. Nas diretrizes mais recentes, divulgadas pela Difficult Airway Society (DAS), a VL não faz parte do algoritmo pediátrico de vias aéreas difíceis, pois não houve consenso no método Delphi sobre seu uso.

Uma recente meta-análise Cochrane incluiu 12 ensaios clínicos randomizados e 803 crianças e concluiu que a VL esteve associada a maior falha de intubação e a maior tempo para sua realização. Outra meta-análise que incluiu 14 ensaios clínicos randomizados também concluiu que a VL esteve associada a uma maior incidência de falhas na abordagem das vias aéreas.

Infelizmente, as evidências que compararam VL e LD foram avaliadas pela Cochrane Review como sendo de baixa qualidade: a heterogeneidade bastante acentuada dos estudos e a raridade de eventos documentados impediram os autores dessas revisões de obter quaisquer conclusões sobre a associação entre uso de VL e a ocorrência de eventos adversos na intubação.

Existem várias técnicas para melhorar a LD e aumentar seu sucesso, incluindo manobras minimamente invasivas e baratas, como manipulação externa da laringe, posição de intubação e uso de um guia bougie. Embora exista ampla literatura envolvendo pacientes adultos que apoie o uso dessas manobras, há menos evidências que suportem o uso dessas medidas em pediatria.

Em crianças, a DAS, através de um consenso pelo método Delphi, preconiza, ao invés de uma posição de rampa, o uso de um coxim no ombro em crianças com menos de 2 anos de idade, enquanto uma posição neutra da cabeça ou “posição do farejador” sem elevação da cabeça deve ser considerada em crianças mais velhas. Além disso, a pressão cricoide na criança pode distorcer ou obstruir a entrada da laringe.

Ainda assim, a DAS recomenda que a manipulação externa da laringe seja tentada na primeira tentativa de intubação, em que a visão da laringe é prejudicada. A DAS apoia o uso do bougie quando a visibilidade pelo laringoscópio é ruim. No entanto, a intubação cega com um bougie não é recomendada.

Diante dessa escassez de evidências comparando a VL versus a LD em intubações traqueais em pediatria, Kaji e colaboradores (2019) conduziram o estudo Video versus Direct and Augmented Direct Laryngoscopy in Pediatric Tracheal Intubations, publicado em outubro no jornal Academic Emergency Medicine.

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médica falando com criança internada para laringoscopia

Videolaringoscopia vs laringoscopia direta

Os autores analisaram o banco de dados do National Emergency Airway Registry (NEAR), uma rede internacional de 25 hospitais comunitários e acadêmicos. Foram incluídos pacientes com menos de 16 anos de idade e submetidos à intubação usando VL ou LD na primeira tentativa, no período de 01 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 20181.

As variáveis coletadas incluíram:

  • Dados demográficos;
  • Habitus corporal;
  • Peso estimado;
  • Estado hemodinâmico antes da intubação;
  • Métodos de pré-oxigenação;
  • Impressão de dificuldade das vias aéreas;
  • Mobilidade reduzida do pescoço (por exemplo, pela presença de colar cervical);
  • Características das vias aéreas (por exemplo, abertura da boca, escore de Mallampati);
  • Posição de intubação;
  • Dispositivo (lâmina reta, curva, vídeo);
  • Medicamentos e doses;
  • Características do operador (nível de pós-graduação; especialidade, incluindo anestesiologistas, otorrinolaringologistas, emergencistas pediátricos, terapeuta respiratórios e enfermeiros);
  • Sucesso ou fracasso da intubação na primeira tentativa;
  • Eventos adversos.

Além disso, o operador foi solicitado a avaliar a “dificuldade inicial das vias aéreas”, com base na avaliação geral inicial, antes da tentativa de intubação.

Os pesquisadores classificaram cada categoria de laringoscópio incluída no formulário de dados NEAR como VL ou LD. Os métodos C-MAC, GlideScope, McGrath, King Vision e Pentax airway scope (AWS) foram definidos como VL, enquanto a LD foi definida pelo uso de um laringoscópio não óptico ou aprimorado por vídeo com lâmina reta Miller ou curva Macintosh. Os autores excluíram intubações sem relatos do tipo de dispositivo utilizado, da posição de intubação ou sem documentação de sucesso. Também foram excluídos os casos em que o laringoscópio não foi escolhido como o primeiro dispositivo.

O desfecho primário foi a diferença no sucesso da primeira tentativa com LD e LD com “aumento” (manipulação externa da laringe, posição de rampa e uso de guia bougie) versus VL. Os desfechos secundários incluíram eventos adversos.

Em uma análise de sensibilidade planejada, foram realizadas análise ajustada pela propensão para o sucesso da primeira tentativa e uma análise de subgrupo de crianças menores de 2 anos.

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Resultados

  • Apenas 23 dos 25 locais do NEAR tinham intubações documentadas para incluir no conjunto de dados pediátricos. O número de intubações nos 23 locais variou de 1-116, com mediana de 20 [intervalo interquartil (IQR) 5-47];
  • Foram analisadas 625 intubações pediátricas;
  • 294 intubações [47,0%, Intervalo de confiança de 95% (IC 95%) 25,1-69,0] foram efetuadas por LD;
  • 332 intubações (53,1%, IC 95% 31,0-74,9) foram efetuadas por VL;
  • A mediana de idade foi de 4 anos (IQR 1-10);
  • 225 crianças (36,0%, 30,8-41,2) tinham menos de 2 anos de idade;
  • O sucesso da primeira tentativa foi significativamente maior no grupo VL (84,0% versus 74,5%). O controle de regressão multivariável para confundidores e vias aéreas difíceis mostrou que as chances de sucesso na primeira tentativa foram maiores com VL que LD, mesmo quando a LD foi “aumentada” por manipulação externa da laringe ou uso de um bougie (odds ratio ajustada, 5,5; IC95%, 1,7– 18.1);
  • Em um subgrupo de pacientes com menos de 2 anos de idade, as chances de sucesso na primeira tentativa foram duas vezes maiores com VL;
  • O evento adverso mais comum foi hipóxia (15,8%), e a incidência não diferiu entre os grupos. No entanto, os eventos adversos foram relativamente incomuns: vômito = 4 (0,6%); bradicardia = 11 (1,8%), parada cardíaca = 5 (0,8%), hipotensão = 9 (1,4%) e intubação seletiva = 10 (1,6%);
  • Não houve casos de traumatismo dentário, epistaxe, laceração labial, laringoespasmo, hipertermia maligna, pneumotórax, taquicardia, sangramento iatrogênico, laceração faríngea ou falha do laringoscópio.

Conclusões

Em contraste com dados prévios da literatura, a VL foi associada a maior sucesso na primeira tentativa de intubação na população pediátrica, incluindo menores de 2 anos de idade, quando comparada à LD com ou sem manobras adicionais. Provavelmente, isso ocorre em locais que têm maior disponibilidade para uso do VL, permitindo mais treinamentos dos operadores e deixando a equipe mais confortável para utilizá-lo.

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Referências bibliográficas:

  • KAJI, A. H. et al. Video versus Direct and Augmented Direct Laryngoscopy in Pediatric Tracheal Intubations. Acad Emerg Med. 2019

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