Leptospirose: saiba como realizar o diagnóstico e tratamento da doença

O contato indireto de pele, mucosas ou conjuntiva com urina de ratos, em água ou solo úmido, é provavelmente o principal meio de contágio da leptospirose. Saiba mais:

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Com o início da época das chuvas, a atenção em relação a doenças infectocontagiosas deve ser redobrada. Entre elas, a leptospirose é uma condição que não deve ser esquecida e cujo reconhecimento precoce é importante para o correto manejo dos pacientes.

leptospirose

Transmissão

A leptospirose é uma zoonose de distribuição mundial. Causada por bactérias espiroquetas do gênero Leptospira, a doença é mantida na natureza por meio de animais cronicamente infectados, dos quais ratos são os mais conhecidos. A transmissão ocorre com contato direto ou indireto com urina ou tecidos de animais infectados. O contato indireto de pele, mucosas ou conjuntiva com urina de roedores, em água ou solo úmido, é provavelmente o principal meio de contágio.

Apesar das enchentes serem o vínculo epidemiológico mais clássico, outras exposições não devem ser esquecidas: contato com solos úmidos ou enlameados, trabalhadores de sistemas subterrâneos, como galerias pluviais ou redes de cabos telefônicos, ou exposições recreacionais, como rafting ou natação em águas possivelmente contaminadas.

Quadro clínico da leptospirose

O quadro clínico pode variar de uma doença oligossintomática a uma síndrome sistêmica potencialmente fatal. Felizmente, apenas uma minoria dos casos – cerca de 10% – tem evolução para um quadro grave.

O período de incubação é em média de 10 dias, pode variar de cinco a 14 dias. Nos que desenvolvem sintomas, ocorre início súbito de febre alta, cefaleia, calafrios e mialgia. Também podem estar presentes dor abdominal, anorexia, náuseas, vômitos, diarreia, tosse e faringite. Hiperemia conjuntival e dor muscular, principalmente nas panturrilhas, são dois achados característicos dessa fase aguda, mas nem sempre estão presentes. Outros achados menos frequentes são linfonodomegalia, esplenomegalia e hepatomegalia.

Após cinco a sete dias a fase imune se inicia, a qual pode durar de quatro a 30 dias. Em alguns pacientes, a doença se apresenta com marcada distinção entre as duas fases, caracterizada principalmente por melhora da febre. Em outros, entretanto, a transição entre essas fases não é clara. Os demais pacientes podem, ainda, apresentar-se já na segunda fase.

Na fase imune, outros sinais e sintomas podem se desenvolver, como icterícia, insuficiência renal, arritmias cardíacas, sintomas pulmonares, meningite asséptica, sufusão conjuntival com ou sem hemorragia, fotofobia, dor abdominal e hepatoesplenomegalia.

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Meningite asséptica é característica da fase imune, sintomática ou não. Os pacientes podem queixar-se de cefaleia intensa e latejante, bitemporal e frontal, com ou sem delirium. A análise do líquor revela pleocitose com predomínio de linfócitos, elevação moderada de proteínas e glicorraquia normal. Outras complicações neurológicas, como mielite transversa, meningoencefalite, hemiplegia ou síndrome de Guillain-Barré, já foram relatadas, mas são raras.

A forma mais clássica de leptospirose grave é a conhecida síndrome de Weil. Após a fase aguda, há recrudescência da febre e início rápido de disfunção hepática, insuficiência renal aguda, pneumonite hemorrágica, arritmias cardíacas e choque circulatório. A mortalidade varia de 5% a 40%. Fatores de mau prognóstico incluem alteração do estado mental, insuficiência renal aguda, insuficiência respiratória, hipotensão e arritmias.

O comprometimento renal caracteriza-se inicialmente com insuficiência renal não oligúrica e com hipocalemia, progredindo para oligúria. Já o comprometimento hepático é caracterizado por elevação marcante de bilirrubinas, com apenas elevação moderada de transaminases.

Hemorragia pulmonar pode ocorrer na ausência de disfunção renal ou hepática e mesmo se iniciar na fase aguda, devendo-se suspeitar de sua presença se o paciente apresentar desconforto respiratório, com ou sem hemoptise. Arritmias cardíacas são comuns, incluindo fibrilação, flutter e taquicardia atriais, além de contrações ventriculares precoces e taquicardia ventricular. Choque circulatório pode se desenvolver abruptamente, podendo ser fatal.

Diagnóstico

A sorologia é a ferramenta diagnóstica mais amplamente disponível em nosso meio atualmente. Anticorpos IgM começam a se desenvolver após cinco dias de doença, mas a detecção na fase aguda apresenta baixa sensibilidade. A melhor forma de confirmar sorologicamente a doença é por meio de análises séricas pareadas: um aumento de no mínimo quatro vezes nos títulos entre a fase aguda e a fase de convalescença é considerado diagnóstico.

Tratamento

Casos graves de leptospirose devem receber o tratamento de suporte adequado, frequentemente necessita de cuidados em ambiente de terapia intensiva. Disfunção renal na fase inicial, não oligúrica e com hipocalemia, deve ser abordada com reposição volêmica e reposição eletrolítica. Pacientes que evoluem para oligúria se beneficiam de início precoce de hemodiálise. Já os pacientes que evoluem com hemorragia pulmonar e necessitam ser intubados devem ser manejados com estratégia de ventilação protetora, como em outros casos de SARA.

Estudos avaliando antibioticoterapia têm mostrado resultados conflitantes, o que pode ser reflexo do fato de que muitos pacientes procuram atendimento médico já em fases mais tardias. Entretanto, o uso de antibióticos é recomendado, e deve ser iniciado assim que houver suspeita clínica, uma vez que parece haver maior benefício quando o tratamento é instituído nas fases iniciais.

Casos leves podem ser tratados com doxiciclina 100 mg, VO, 12/12h, ou amoxicilina 500 mg, VO, 6/6h. Já casos moderados a graves podem ser tratados com penicilina cristalina 1.500.000 UI, IV, 6/6h ou ceftriaxone 1g, IV, 1x/dia.

Outras considerações:

  • Atenção deve ser dada para o reconhecimento e tratamento de infecções secundárias, principalmente nos pacientes que evoluem para necessidade de ventilação mecânica.
  • O sinal de Faget, isto é, a presença de bradicardia relativa na presença de febre, apesar de ser conhecido como um achado clássico na febre amarela, também pode estar presente na leptospirose.
  • Em casos de exposição de alto risco, pode-se considerar profilaxia pré-exposição, com doxiciclina 200mg, VO, 1x/semana. Pacientes em uso de doxiciclina devem ser orientados a usar protetor e se proteger de exposição solar já que há o risco de fotossensibilidade induzida pela droga.

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Referências:

  • Haake, DA, Levett, PN. Leptospira Species (Leptospirosis). In: Mandell, Douglas, and Bennett’s principles and practice of infectious diseases / [edited by] John E. Bennett, Raphael Dolin, Martin J. Blaser. – Eighth edition. Chapter 241: 2714 – 2719

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