GastroenterologiaFEV 2022

Lesão hepática induzida por ervas – uma realidade subdiagnosticada

A lesão hepática induzida por ervas e suplementos é um quadro cada vez mais comum, dependendo de uma anamnese cuidadosa para o diagnóstico.

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Por Fernanda Costa Azevedo
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Recentemente, chamou atenção a triste notícia de uma paciente que evoluiu à óbito, após um quadro de hepatite fulminante induzido por uso de chás emagrecedores. Infelizmente, lesão hepática induzida por drogas, ervas e suplementos é um quadro cada vez mais comum, dependendo de uma anamnese cuidadosa para o diagnóstico.

O quadro de lesão hepática induzida por ervas (HILI) vem sendo alvo de estudo. Estima-se que 85,5% da população dos países em desenvolvimento utilizam de ervas e fitoterápicos nos cuidados à saúde, na maioria das vezes sem recomendação médica. O chá verde é uma das principais ervas envolvidas nas injúrias hepáticas.

Leia também: Guia internacional orienta sobre lesões hepáticas

A busca por padrões de beleza faz com que muitos pacientes utilizem de chás ou fórmulas emagrecedoras. A nossa sociedade carrega em si o conceito de que produtos naturais não causam mal e muitas vezes o seu uso sequer é mencionado na anamnese, tornando-se uma condição subdiagnosticada e muitas vezes só lembrada quando evoluem com gravidade, como a paciente em questão.

Em dezembro de 2021, hepatologistas brasileiros publicaram um estudo avaliando relação de causalidade entre ervas e fitoterápicos e diagnóstico de HILI, através de uma revisão sistemática utilizando algoritmos diagnósticos.

Lesão hepática induzida por ervas – uma realidade subdiagnosticada

Métodos

Realizada revisão sistemática de artigos nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola entre 1979 a 2019 com os descritores relacionados a HILI, selecionando 60 artigos.

A definição de lesão hepática induzida por ervas (HILI) foi feita por alterações de transaminases (acima de 5x LSN) e/ou fosfatase alcalina (acima de 2x LSN) relacionadas a uso de ervas/fitoterápicos potencialmente hepatotóxicos, na ausência de hepatopatia crônica subjacente ou outras causas de hepatite aguda.

A gravidade foi estimada com base no INR > 1,5, presença de ascite e/ou encefalopatia hepática.

Resultados

Dos 60 artigos estudados, foram encontrados 203 relatos de HILI. Dentre esses, a maioria dos trabalhos eram europeus (46,5%) e apenas 10,9% eram americanos.

Avaliação clínico epidemiológica

  • 59,9% à sexo feminino
  • Média de idade: 45,8 anos
  • 19,9% à idosos (> 60 anos)
  • Quadro clínico mais frequente: Icterícia
  • Padrão de lesão hepática mais encontrado: lesão hepatocelular (predomínio de ALT em relação a AST)
  • Biópsia hepática foi realizada em cerca de 36,4 % dos casos
  • O tempo médio para resolução foi de 73 dias
  • 3% cursaram com hepatite aguda grave
  • 7,6% cursaram com hepatite fulminante (evoluindo à óbito ou necessitando de transplante hepático

Substâncias relacionadas

Há relato de hepatotoxicidade com diversas ervas e suplementos, contudo chama atenção algumas muito utilizadas em nosso meio.

Chá verde e chá pretoValerianaSuplementos de canela e gengibre
BabosaPolygonum multiflorumDoses elevadas de vitamina D e vitamina C
BoldoÁcido linoleicoCreatinina, L-carnitina e fator de crescimento

Principais motivos para o uso das substâncias:

  • Perda de peso (52%);
  • Queixas gastrointestinais (25,2%);
  • Dores musculoesqueléticas (19,3%);
  • Lesões de pele (4,5%),
  • Queixas relacionadas ao sistema nervoso central (4,0%);
  • Sintomas da menopausa (1,5%).

Saiba mais: Anvisa alerta que venda de produtos da marca “50 Ervas Emagrecedor” é proibida no Brasil

Mensagens finais

A automedicação é uma realidade em nosso meio. Diante dos padrões de beleza na sociedade, é frequente a busca de “soluções” para perda de peso, com utilização de chás emagrecedores, suplementos herbais e fitoterápicos. Muitas vezes o paciente omite essas informações na anamnese por não considerarem relevantes, visto que, culturalmente, tendem a achar que o consumo de produtos naturais não está relacionado a riscos. Cabe a nós, profissionais da saúde, perguntarmos sobre tais hábitos e fazer as devidas orientações, a fim de evitar casos de HILI, que podem cursar com gravidade e óbito. Muitas vezes as substâncias relatadas pelo paciente não são de nosso conhecimento, o que deve nos motivar a utilizar de bases de dados como o “Livertox” a fim de melhor orientá-los. Além do mais, o tratamento de obesidade como problema de saúde pública, com abordagem multidisciplinar e integral, é capaz de reduzir o uso indiscriminado dessas substâncias.

Referências bibliográficas:

  • Soares PF, Fernandes MTCF, Souza AS, et al. Causality imputation between herbal products and HILI: An algorithm evaluation in a systematic review. Ann Hepatol. 2021;25:100539. DOI:10.1016/j.aohep.2021.100539.
  • LiverTox: Clinical and Research Information on Drug-Induced Liver Injury. Bethesda (MD): National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases; 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK547852/

Recentemente, chamou atenção a triste notícia de uma paciente que evoluiu à óbito, após um quadro de hepatite fulminante induzido por uso de chás emagrecedores. Infelizmente, lesão hepática induzida por drogas, ervas e suplementos é um quadro cada vez mais comum, dependendo de uma anamnese cuidadosa para o diagnóstico.

O quadro de lesão hepática induzida por ervas (HILI) vem sendo alvo de estudo. Estima-se que 85,5% da população dos países em desenvolvimento utilizam de ervas e fitoterápicos nos cuidados à saúde, na maioria das vezes sem recomendação médica. O chá verde é uma das principais ervas envolvidas nas injúrias hepáticas.

Leia também: Guia internacional orienta sobre lesões hepáticas

A busca por padrões de beleza faz com que muitos pacientes utilizem de chás ou fórmulas emagrecedoras. A nossa sociedade carrega em si o conceito de que produtos naturais não causam mal e muitas vezes o seu uso sequer é mencionado na anamnese, tornando-se uma condição subdiagnosticada e muitas vezes só lembrada quando evoluem com gravidade, como a paciente em questão.

Em dezembro de 2021, hepatologistas brasileiros publicaram um estudo avaliando relação de causalidade entre ervas e fitoterápicos e diagnóstico de HILI, através de uma revisão sistemática utilizando algoritmos diagnósticos.

Lesão hepática induzida por ervas – uma realidade subdiagnosticada

Métodos

Realizada revisão sistemática de artigos nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola entre 1979 a 2019 com os descritores relacionados a HILI, selecionando 60 artigos.

A definição de lesão hepática induzida por ervas (HILI) foi feita por alterações de transaminases (acima de 5x LSN) e/ou fosfatase alcalina (acima de 2x LSN) relacionadas a uso de ervas/fitoterápicos potencialmente hepatotóxicos, na ausência de hepatopatia crônica subjacente ou outras causas de hepatite aguda.

A gravidade foi estimada com base no INR > 1,5, presença de ascite e/ou encefalopatia hepática.

Resultados

Dos 60 artigos estudados, foram encontrados 203 relatos de HILI. Dentre esses, a maioria dos trabalhos eram europeus (46,5%) e apenas 10,9% eram americanos.

Avaliação clínico epidemiológica

  • 59,9% à sexo feminino
  • Média de idade: 45,8 anos
  • 19,9% à idosos (> 60 anos)
  • Quadro clínico mais frequente: Icterícia
  • Padrão de lesão hepática mais encontrado: lesão hepatocelular (predomínio de ALT em relação a AST)
  • Biópsia hepática foi realizada em cerca de 36,4 % dos casos
  • O tempo médio para resolução foi de 73 dias
  • 3% cursaram com hepatite aguda grave
  • 7,6% cursaram com hepatite fulminante (evoluindo à óbito ou necessitando de transplante hepático

Substâncias relacionadas

Há relato de hepatotoxicidade com diversas ervas e suplementos, contudo chama atenção algumas muito utilizadas em nosso meio.

Chá verde e chá pretoValerianaSuplementos de canela e gengibre
BabosaPolygonum multiflorumDoses elevadas de vitamina D e vitamina C
BoldoÁcido linoleicoCreatinina, L-carnitina e fator de crescimento

Principais motivos para o uso das substâncias:

  • Perda de peso (52%);
  • Queixas gastrointestinais (25,2%);
  • Dores musculoesqueléticas (19,3%);
  • Lesões de pele (4,5%),
  • Queixas relacionadas ao sistema nervoso central (4,0%);
  • Sintomas da menopausa (1,5%).

Saiba mais: Anvisa alerta que venda de produtos da marca “50 Ervas Emagrecedor” é proibida no Brasil

Mensagens finais

A automedicação é uma realidade em nosso meio. Diante dos padrões de beleza na sociedade, é frequente a busca de “soluções” para perda de peso, com utilização de chás emagrecedores, suplementos herbais e fitoterápicos. Muitas vezes o paciente omite essas informações na anamnese por não considerarem relevantes, visto que, culturalmente, tendem a achar que o consumo de produtos naturais não está relacionado a riscos. Cabe a nós, profissionais da saúde, perguntarmos sobre tais hábitos e fazer as devidas orientações, a fim de evitar casos de HILI, que podem cursar com gravidade e óbito. Muitas vezes as substâncias relatadas pelo paciente não são de nosso conhecimento, o que deve nos motivar a utilizar de bases de dados como o “Livertox” a fim de melhor orientá-los. Além do mais, o tratamento de obesidade como problema de saúde pública, com abordagem multidisciplinar e integral, é capaz de reduzir o uso indiscriminado dessas substâncias.

Referências bibliográficas:

  • Soares PF, Fernandes MTCF, Souza AS, et al. Causality imputation between herbal products and HILI: An algorithm evaluation in a systematic review. Ann Hepatol. 2021;25:100539. DOI:10.1016/j.aohep.2021.100539.
  • LiverTox: Clinical and Research Information on Drug-Induced Liver Injury. Bethesda (MD): National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases; 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK547852/

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Fernanda Costa AzevedoFernanda Costa Azevedo
Residência médica em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF) ⦁ Residência em Gastroenterologia no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (UFES) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal Fluminense ⦁ Instagram: @dra.fernandaazevedo