Lesões no futebol moderno: o que as evidências indicam

Recentemente a UEFA publicou um estudo das lesões no futebol. Cada vez há mais equipes multidisciplinares, garantindo um melhor desempenho e menor risco de lesões. Mas só isso basta?

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Recentemente a UEFA publicou um estudo das lesões do profissional de futebol¹. Este nos ajuda a pensar no futebol moderno. Cada vez há mais equipes multidisciplinares, garantindo um melhor desempenho e menor risco de lesões. Mas só isso basta?

O estudo da UEFA reúne anualmente, desde 2001, aproximadamente 50 clubes profissionais de futebol que representam o mais alto nível da liga em 17 países diferentes. Entre 2001 e 2016 foram registrados 13.000 lesões durante 1,8 milhão de horas de futebol (jogos e treinos). Semelhante a esse estudo, nossa entidade máxima do futebol, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), vem mapeando as lesões do campeonato brasileiro. Além disso, a maioria dos clubes da série A do Brasileiro também mantém arquivos de acompanhamento longitudinal de seus atletas pela sua equipe de trabalho.

No estudo realizado pela UEFA foram registrados as horas individuais dos jogadores participantes do estudo: tempo de treinamento e jogo, e todas as lesões relacionadas ao futebol que geraram incapacidade do jogador participar do treino e/ou jogo. Os formulários eram padronizados, conforme as pesquisas também realizadas pela CBF e Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) em que nossas equipes nacionais participam de competições.

A gravidade da lesão nesse estudo é avaliada pelo número de dias ausente, sendo mínimo (0 a 3 dias), leve (4 a 7 dias), moderado (8 a 28 dias) e grave (superior a 28 dias). Já a reincidência de lesão é considerada conforme prazos estabelecidos: até 2 meses é precoce e maior que 2 meses tardia. Contusões, lacerações, escoriações e lesões dentárias não são elegíveis para a categorização de recidiva.

Os jogadores profissionais são cada vez mais exigidos em relação a tempo de prática, sendo neste estudo demonstrado uma média de duas lesões por temporada. Isso se traduz em aproximadamente 50 lesões por temporada, com a presença dos jogadores para treinamentos em 77% do período e em jogos 86%. Clubes com menos lesões e maior disponibilidade de jogadores têm melhor desempenho no campeonato e em campeonatos internacionais. Ter mais de duas lesões em uma partida também se correlacionou com maiores chances de empatar ou perder uma partida. Assim, reduzir o número de lesões, como também o tempo de recuperação tem um forte impacto no resultado da competição para os clubes, além das implicações financeiras.

A lesão prévia, por sua vez, é fator de risco mais consistentemente identificado para as lesões no futebol. Jogadores com lesões anteriores tem maior chance de re-lesão: lesões dos músculos isquiotibiais têm risco aumentado de 11 vezes, dos adutores de 7 vezes e entorses de joelho e tornozelo 5 vezes em relação a jogadores sem lesões prévias. Além disso, as recorrentes tendem a ser mais graves e gerar maior tempo de afastamento que a primo lesão.

A taxa de reincidência de lesões foi menor nas equipes principais da UEFA que nas equipes inferiores e nas amadoras. Isso é atribuído à equipe médica e fisioterápica qualificada e em tempo integral para avaliar mais rapidamente e iniciar os tratamentos. Associado a isso, os clubes de maior renda possuem maior número de atletas de alto nível, permitindo que jogadores lesionados fiquem fora, respeitando o tempo de reabilitação.

Ao longo desses anos, a UEFA demonstrou que as taxas de lesões se mantém estáveis ao longo da primeira década. Porém, as taxas de reincidência mostra uma tendência de decréscimo anual de 3% entre 2001 e 2015. Essa propensão também foi vista especificamente nas lesões musculares e ligamentares. Em contrapartida, as lesões nos tendões e por overuse apresentaram altas taxas de recidiva.

As taxas de re-lesão se mostraram semelhantes entre treinos e jogos. No futebol amador a reincidência foi predominante durante as partidas. Em ambas as categorias essas taxas se elevam no final da temporada, que podem indicar maior aceitação a riscos entre os clubes.

As recorrências precoces são as mais comuns, totalizando 77%, o que significa retorno prematuro aos treinos e jogos, independente disso refletir uma falha na avaliação física e/ou psicológica ou deliberadamente aceitar um alto risco, como, por exemplo, devido a uma partida importante. Esse alto índice de re-lesão precoce sugere que tanto fatores intrínsecos (ex: déficits residuais após a lesão) quanto fatores extrínsecos (número de jogos, carga de treino) devem ser monitorados a fim de evitar a recidiva e o prolongado período de afastamento.

As recorrências são mais frequentes que as lesões por overuse, 12% e 14%, respectivamente. As lesões dos isquiotibiais são as mais frequentes e dispendiosas, seguida dos adutores, quadríceps e panturrilha, assim como as lesões articulares e dos ligamentos de joelho e tornozelo.

As musculares apresentam crescimento anual e representam um terço de todas as lesões no futebol de alto rendimento, mesmo cenário do futebol brasileiro. Especula-se que isso se deve a evolução do futebol com treinamentos mais parecidos com situações de jogos e aumento da intensidade e volume de partidas. Além disso, atribui-se esse aumento a falha nos trabalhos preventivos.

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A gravidade das lesões musculares são geralmente moderadas (2 a 3 semanas de recuperação) e com alto risco de recorrência (20 a 30%). Este risco é mais alto logo após o retorno às atividades e mais predominantes nos isquiotibiais, quadríceps, adutores e panturrilha. Para os isquiotibiais, o risco de re-lesão ocorre mesmo após 6 meses de retorno aos treinos, enquanto para outros grupos musculares tende a se estabilizar por volta de 4 a 5 meses de retorno. Entre as lesões dos isquiotibiais, o bíceps femoral é predominante, seguido dos isquiotibiais e semimembranoso e a recorrência predomina quando há alteração na estrutura muscular, como edema ou ruptura, visto na ressonância magnética. As lesões dos adutores são mais predominantes comparativamente às do iliopsoas. Jogadores que tiveram lesões de isquiotibiais, quadríceps, adutores ou panturrilha apresentam risco 2 a 3 vezes maiores de novas lesões nos mesmos grupos musculares, comparativamente aos jogadores não lesionados e esse risco aumenta com o número de lesões prévias. E mesmo lesões em outros grupos musculares de membros inferiores gera aumento do risco de novas lesões, devendo ser criteriosamente avaliado na pré-temporada.

Neste estudo da UEFA percebe-se um declínio nas lesões ligamentares de tornozelo e ligamento colateral medial. Em contraste, há uma estabilidade ou mesmo um cenário crescente referindo-se a ligamento cruzado anterior.

As re-lesões articulares apresentam menores taxas que as re-lesões por overuse, como sinovite, 11 a 14% e 33%, respectivamente, sendo ambas comuns e moderadamente severas. Já as lesões dos membros superiores são raras no futebol e sua frequência é maior nos goleiros.

As recorrências de entorses de tornozelo e joelho são maiores no 1º mês de retorno, onde 50% de todas as recorrências ocorrem. Os jogadores com reconstrução de LCA apresentam 5 vezes mais chance de sofrer problemas por overuse de joelhos que os não operados.

Cerca de 30% das lesões na UEFA são por sobrecarga, com início gradual, sem macrotrauma conhecido. Como no estudo usou-se o tempo de afastamento para qualificar o grau da lesão, é provável que o overuse tenha sido subestimado e, portanto, constituam um problema significativo para o futebol profissional. As lesões por sobrecarga são frequentemente associadas a carga e volume de treinamento e apresentam pico na pré-temporada. As lesões comuns de overuse são: lombalgias, tendinopatias de Aquiles e patelar, dor na virilha e sinovite articular. As tendinopatias apresentam alta taxa de recorrência provavelmente associadas aos problemas que envolvem os tendões no futebol profissional e o gerenciamento das lesões, permitindo que atletas com sintomas reduzidos retornem aos treinos precocemente.

As lesões por estresse ósseo são raras, mas severas. As fraturas têm baixa incidência no contexto da UEFA, 5% de todas as lesões e no campeonato brasileiro de 2017 foram 3%. As fraturas por estresse geram maior tempo de afastamento que as fraturas traumáticas. O local mais comum de fratura por estresse é o 5º metatarso, como a fratura do Neymar. Apesar da similaridade do local, ela não estava ligada a estresse ósseo e sim a entorse de tornozelo.

A decisão de retorno aos treinos e jogos é complexa e influenciada por muitos fatores médicos e não médicos e, portanto, o nível de riscos que a equipe médica, treinador e demais membros da comissão técnica estão dispostos a aceitar. Isto não inclui apenas riscos de reincidência, mas também de baixo desempenho do jogador ou resultados ruins da equipe em consequência de permitir ou não que o jogador retorne aos gramados.

Idealmente, o retorno deve ser o mais precoce e seguro possível. Do ponto de vista médico rigoroso, baseando-se no bem estar e segurança do paciente, é pertinente manter o jogador lesionado um pouco mais de tempo fora dos treinos, permitindo prazo suficiente para cicatrização de tecidos, reabilitação e recuperação física e psicológica, reduzindo assim o risco de re-lesão. Um exemplo disso foi registrado nas reincidências de distúrbios do tendão de Aquiles, com taxas duplicadas para recorrência com período de recuperação curta (inferior a 10 dias) em comparação com recuperação longa (superior a 10 dias) no estudo de Gajhede-Knudsen, 2013 e para isquiotibiais (Hickey et all, 2016). Nos níveis juvenis e amadores, jogar de forma segura é uma abordagem claramente sensata, mas no nível profissional outros fatores entram em jogo. Neste estudo, mostrou-se, de forma fictícia, que uma abordagem agressiva, com retorno precoce, e uma abordagem segura não reduzem a carga de lesões. A abordagem agressiva apresenta maior disponibilidade de tempo do jogador (85% versus 82%) em um período de 4 meses e abordagem segura resulta em 22% a mais de dias perdidos. Assim, a partir das perspectivas segurança e bem estar do jogador, a abordagem segura é obviamente a preconizada por nós médicos, enquanto as perspectivas econômicas (menos ausência de jogadores) e de sucesso da equipe será preferível à abordagem agressiva.

Apesar da simplicidade desse exemplo e não ser aplicável às lesões potencialmente graves, isso reflete o nosso cenário do futebol profissional. É difícil equilibrar os riscos e recompensas aos olhares díspares do médico e do administrador. Cabe, portanto, um investimento contínuo de qualificação e valorização dos médicos do esporte e equipe multidisciplinar dos clubes de futebol profissional e de base, a fim de trabalhar a identificação de fatores de riscos, a prevenção, reduzindo percentual de lesões, re-lesões e, concomitante, minimizando custos e desafios para toda equipe.

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Referências:

  1. Gajhede-Knudsen M, Ekstrand J, Magnusson H, Maffulli N (2013) Recurrence of Achilles tendon injuries in elite male football players is more common after early return to play: an 11-year follow-up of the UEFA Champions League injury study. Br J Sports Med 47:763–768
  2. Hägglund M, Waldén M, Bengtsson, Ekstrand J (2018) Re-injuries in Professional Football: The UEFA Elite Club Injury Study V. Musahl et al. (eds.), Return to Play in Football, https://doi.org/10.1007/978-3-662-55713-6_74
  3. Hägglund M, Waldén M, Ekstrand J (2007) Lower reinjury rate with a coach-controlled rehabilitation program in amateur male soccer: a randomized controlled trial. Am J Sports Med 35(9):1433–1442
  4. Hickey JT, Timmins RG, Maniar N, Williams MD, Opar DA (2016) Criteria for progressing rehabilitation and determining return-to-play clearance following hamstring strain injury: a systematic review. Sports Med. https://doi.org/10.1007/s40279-016-0667-x

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