Lesões traumáticas de nervos periféricos: quando e como operar?

Mesmo após reparo cirúrgico, as lesões traumáticas de nervos periféricos não restabelecem a função acometida. Saiba como proceder a seguir:

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Infelizmente, mesmo após o reparo cirúrgico, os pacientes com lesões de nervos periféricos não restabelecem totalmente a função acometida e muitas das vezes podem evoluir com dor crônica no local, fato que tem grande impacto socioeconômico, pois a principal população prejudicada é a economicamente ativa (homens e mulheres jovens vítimas de violência, acidentes automobilísticos, entre outros).

Várias técnicas de reparo microcirúrgico, seja por rafia nervosa, enxerto nervoso ou interposição de tubos condutores, podem ser utilizadas, variando a indicação de caso a caso. (1)

Momento operatório:

O tempo de lesão é um fator que tem se mostrado importantíssimo, apesar de não existir um valor universal estabelecido na literatura para abordagem cirúrgica de quaisquer lesões. A grande dificuldade se dá, pois se todos os pacientes forem precocemente operados, os que possuem lesões predominantemente por neuropraxia (contusão nervosa com o bloqueio fisiológico transitório) e axonotmeses (ruptura dos axônios, com manutenção da integridade da bainha neural) que melhorariam sem cirurgia seriam prejudicados se operados; e pacientes que possuem neurotmese (ruptura parcial ou completa dos axônios e da bainha neural) que forem abordados tardiamente, também serão prejudicados, pois não possuem potencial de regeneração espontânea dissociado da cirurgia. (2)

Lesões traumáticas de nervos periféricos

Os principais preditores que auxiliam na tomada de decisão são:

1) Mecanismo do trauma:

– Trauma aberto: Maior chance de ocorrer lesões do tipo neurotmese. Devem ser tratadas precocemente.
– Trauma fechado: Predominantemente cursa com neuropraxia e axonotmese. Em grande parte, recuperam espontaneamente, tendo se um tempo médio de espera de três meses para indicação cirúrgica, baseado na taxa de crescimento axonal (1-3mm/dia).

2) Grau de comprometimento da função:

– Perda de função parcial: mais associada à neuropraxia e axonotmese
– Perda de função completa: mais associada à neurotmese.

De forma geral pode-se adotar a regra dos 3:

– Ferimentos limpos, agudos, por objeto cortante: abordagem cirúrgica em até três dias.
– Ferimento contuso, com bordos irregulares: abordagem após três semanas.
– Lesões fechadas: abordagem após três meses.

Técnicas de reparo:

O cirurgião deve expor a parte proximal e distal da lesão e progredir a disseção do tecido normal para a área de lesão, conseguindo assim um melhor plano de clivagem.

O uso de relaxantes musculares deve ser estrito à indução anestésica, devido à necessidade de resposta eletrofisiológica obtida durante a eletroestimulação e monitoração intraoperatória.

Os neuromas são caracteristicamente identificados no coto proximal do nervo, formados pela proliferação das células de schwann, células inflamatórias, tecido conectivo e axônios que formam um bulbo endurecido. Em lesões fechadas geralmente não há secção do nervo, dando origem a um neuroma em continuidade.

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A decisão de ressecar ou não o neuroma é difícil, pois a avaliação macroscópica intra-operatória não permite definir o grau de lesão das fibras nervosas ou se já há fibras em regeneração que levarão ao reparo espontâneo, fazendo da ressecção algo desnecessário ou iatrogênico. A monitorização neurofisiológica é algo imprescindível neste momento, auxiliando na tomada de decisão ao determinar o potencial de ação do nervo. O potencial cruzando a lesão é um achado que precede em semanas ou meses as evidências eletromiografias, o que ocorre bem antes de recuperação clínica, demonstrando a sua viabilidade e potencial de recuperação espontânea.

Os pacientes com potencial de ação translesional presente no intraoperatório possuem bom prognóstico para recuperação espontânea (quando identificado de dois a três meses). Caso isso não esteja presente, esta identificação precoce permite o reparo do nervo lesado quando a denervação muscular ainda é reversível.

A linha de reparo deve ser livre de tensão, pois a presença desta gera processo inflamatório que cursa com isquemia e bloqueio do crescimento neuronal, devendo se fazer reconstrução com enxertos análogos. A desvantagem de reparo com enxerto é a presença de duas linhas de reparo em vez de apenas uma no reparo direto.

Geralmente uma forma grosseira de definir se haverá tensão na linha de reparo é se a distância entre os cotos com o membro em extensão tiver uma distância maior que 1,5 cm.

Tipos de Reparo:

1. Epineural

Consiste na rafia simples dos nervos, geralmente em lesões cortantes com bordas regulares e sem processo inflamatório, onde o reparo direto pode ser utilizado a partir de pontos de referência como vasos epineurais. É recomendado o mínimo possível de suturas (geralmente apenas dois pontos para direcionar as bordas), associado a adesivo de fibrina.

• Vantagens:
– Curto tempo de execução.
– Necessidade mínima de magnificação.
– Menor trauma tecidual.

• Desvantagens:
– Menor alinhamento em relação ao reparo fascicular.
– Relativa tensão em caso de perda de tensão.

2. Reparo Perineural ou Reparo Fascicular:

Consiste na cooptação nervosa através da oposição direta dos fascículos. É uma técnica que requer maior tempo com maior nível de dificuldade e apresenta resultados semelhantes ao reparo epineurual.

• Vantagem:
– Maior possibilidade de alinhamento

• Desvantagem:
– Necessidade de dissecção intraneural que pode gerar maior grau de lesão e cursar com hemorragia.

3. Reparo Entre Grupos de Fascículos:

É separado um grupo de fascículos ao executar a dissecção do tecido conectivo entre eles em ambos os cotos do nervo e é feito a aproximação anatômica.

• Vantagem:
– Pode ser utilizada para aproximação direta dos cotos como para facilitar o alinhamento dos fascículos na construção dos enxertos.

• Desvantagem:
– Só pode ser utilizado em nervos multifasciculares.

4. Reparo com Enxertos

Essa técnica é tida como o tratamento padrão e é utilizada para a aproximação direta de extremidades que não fariam cooptação livre de tensão nos cotos da lesão. O fundamento da interposição de enxerto é para criar um tecido condutor, gerando uma estrutura de tubos endoneurais que permitam a progressão dos axônios em regeneração, pois logo após a sua retirada do local provedor do enxerto, os axônios entram em degeneração.

Em geral, são obtidos enxertos a partir de nervos sensitivos autólogos. O nervo sural é o mais frequentemente utilizado como doador para enxertos. Geralmente são enxertos livres, ou seja, possui vascularização a partir do leito cirúrgico, e não anastomoses vasculares. O período crítico para a “pega” do enxerto é de três dias, pois após esse período já deixa de receber vascularização exclusiva do leito cirúrgico e passa a receber também de vasos neoformados. O enxerto deve ser de 15% a 20% maior que o espaço entre os cotos, pois, após a sua ressecção, a desidratação, ação da elastina e do colágeno, induzem a retração do enxerto, além do movimento do membro enxertado, levando a tensão na linha de reparo e inviabilizando o mesmo.

Algumas dicas cirúrgicas orientam o preparo e a manipulação dos enxertos separadamente do campo cirúrgico através de magnificação e com constante resfriamento do enxerto com solução salina, devido à desidratação gerada pelo calor do microscópio. Devem ser enxertados em sentido invertido ao de sua origem anatômica, dificultando a regeneração errônea dos axônios. Não deve ser utilizado dreno com sucção e deve-se imobilizar o membro por três semanas visando o não deslocamento do enxerto.

• Vantagem:
– É a solução para aproximação dos cotos quando a rafia primária não pode ser utilizada por grande perda tecidual ou quando há tensão no ponto de rafia.
– Sem necessidade de uso de material sintético e de baixo custo.

• Desvantagem:
– Necessidade de outra incisão cirúrgica.
– Formação de neuroma doloroso no local de excisão do enxerto.
– Formação de déficits sensitivos em locais sadios.
– Número limitado de nervos doadores em lesões múltiplas e extensas.

5. Tubos Condutores:

Essa técnica é semelhante ao reparo com enxerto autólogo, porém com a utilização de tubos condutores colocados nos intervalos entre os cotos. O uso de condutores além de direcionar o crescimento neuronal, também evita a formação de neuroma e armazena fatores trópicos e tróficos produzidos nos cotos distais, favorecendo a regeneração. (3)

São classificados como biológicos e não biológicos:

• Biológicos:
São constituídos por veias, artérias e músculos. Sua principal desvantagem é a morbidade relacionada à retirada destes elementos da área a ser extraída.

• Não biológicos:
Podem ser não absorvíveis (não utilizados atualmente em humanos) ou absorvíveis, que tem como base  o ácido poliglicólico, colágeno, entre outros, os quais são biodegradáveis e duram em média o tempo necessário para regeneração neuronal (variam de três meses a quatro anos, dependendo do tipo de condutor). (4)

• Vantagem:
– Não necessita de outras incisões, evitando as complicações inerentes ao procedimento.
– É uma fonte alternativa quando se esgotam as possibilidades de ressecção de enxertos autólogos.

• Desvantagem:
– Os resultados são inferiores comparativamente aos autoenxertos. (A literatura demostra semelhança nos resultados até 4 cm de enxerto) sendo então limitado seu uso a lesões com pouca perda tecidual. (5)
– Possui custo elevado.

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Referências:

  • 1. FRAGA J, neurocirurgia RM-T de, 2016 undefined. MOMENTO OPERATÓRIO E TÉCNICAS DE REPARO DAS LESÕES TRAUMÁTICAS DE NERVOS PERIFÉRICOS. observatorio.fm.usp.br [Internet]. [cited 2018 Aug 18]; Available from: http://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/13350.
  • 2. Siqueira R. Lesões nervosas periféricas: uma revisão. Rev Neurociências. 2007;15(3):226–33.
  • 3. Sulaiman WA, Kline DG. Nerve surgery: a review and insights about its future. Clin Neurosurg. 2006;53:38–47.
  • 4. Pabari A, Lloyd-Hughes H, Seifalian AM, Mosahebi A. Nerve conduits for peripheral nerve surgery. Plast Reconstr Surg. 2014;133(6):1420–30.
  • 5. Jiang X, Lim SH, Mao Hai-Quan HQ, Chew SY. Current applications and future perspectives of artificial nerve conduits. Exp Neurol [Internet]. 2010;223(1):86–101. Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.expneurol.2009.09.009.

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