Lombalgia: como é a abordagem?

A lombalgia é uma queixa frequente na prática clínica de diversas especialidades médicas, como a reumatologia, ortopedia e outros.

A lombalgia é uma queixa frequente na prática clínica de diversas especialidades médicas, como a reumatologia, ortopedia, neurocirurgia, fisiatria, clínica médica e medicina de família e comunidade. Apesar disso, o diagnóstico patoanatômico dessa queixa é difícil de ser realizado na maioria dos casos, dada a grande complexidade na anatomia da coluna lombar e nos mecanismos da dor envolvidos.

Recentemente foi publicado um artigo de revisão interessante na revista Lancet (fator de impacto 2019: 60.392), que ajuda a endereçar as dúvidas mais frequentes com relação a esse tema.

lombalgia

Definição de lombalgia

A região lombar baixa é definida anatomicamente como aquela que se estende da 12ª costela até as cristas ilíacas, bilateralmente. Já a região glútea é aquela que vai das cristas ilíacas até as pregas glúteas.

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Como a dor lombar baixa normalmente coexiste com a dor glútea, em termos práticos, a lombalgia (ou dor lombar baixa) pode ser definida como a dor que se estende das 12ª costelas até as pregas glúteas.

Mecanismos e classificação da lombalgia

Diversos mecanismos podem explicar a dor lombar, dentre eles a dor nociceptiva (que, além das fibras A delta e C, tem participação de elementos dependentes de contexto emocionais, cognitivos e comportamentais), neuropática (por compressão de estruturas nervosas) e nociplástica (com participação dos mecanismos de amplificação dolorosa no sistema nervoso central).

A lombalgia pode ser classificada em:

  • Mecânica: causada pela alteração nas dinâmicas de pressão na coluna lombar e pelve;
  • Radicular: predominam mecanismos neuropáticos, devido à compressão de estruturas nervosas (geralmente por hérnias discais ou estenose de canal);
  • Nociplástica: primariamente relacionada às síndromes de amplificação dolorosa, geradas pela sensibilização de vias do sistema nervoso central;
  • Mistas: mais de um mecanismo envolvido.

Epidemiologia

A maioria das pessoas vai se queixar de lombalgia em algum momento da vida. A sua prevalência aumenta com o passar da idade: 1-6% em crianças, 18% em adolescentes e 28-42% entre 40-69 anos.

Acredita-se que a prevalência pontual seja em torno de 11,9%, aumentando para 23,3% se analisado um mês inteiro. A maior prevalência ocorre em mulheres dos 40 aos 80 anos de idade, principalmente em países desenvolvidos (vs. em desenvolvimento).

O impacto socioeconômico gerado é enorme, com custos econômicos estimados na ordem de bilhões de dólares em diversos países, como Estados Unidos, Reino Unido e Austrália. A maior parte desses custos (cerca de ⅔) são devidos à perda de capacidade produtiva.

Anatomia da região lombar

Diversas estruturas compõem a região lombar e podem ser responsáveis pelo surgimento de lombalgia, especialmente de origem mecânica e radicular. Dentre elas, podemos destacar: disco intervertebral (dor discogênica), corpo vertebral (fraturas), facetas articulares (síndrome facetária por osteoartrite, espondilolisteses), articulação sacroilíaca (espondiloartrites, gestação, trauma), partes moles (incluindo lesões de músculos, fáscia e ligamentos, dores miofasciais) e raízes nervosas (hérnias discais e síndrome de estenose de canal).

Além disso, dor em outras regiões podem ser referidas na região lombar, levando aos quadros de pseudolombalgia (por exemplo, osteoartrite de quadris).

É importante destacar que os mecanismos nociceptivos e nociplásticos podem ter relevância muito grande, mesmo nos casos de lombalgia mecânica e radicular, o que dificulta o diagnóstico patoanatômico preciso da dor.

Abordagem clínica da lombalgia

Como existe dificuldade no diagnóstico preciso da causa da dor lombar em uma grande parte dos casos, a primeira etapa na avaliação clínica do paciente com lombalgia é descartar causas potencialmente graves (principalmente doenças infecciosas, neoplásicas, inflamatórias, fraturas e compressões neurológicas graves). Para isso, utilizamos manifestações clínicas que funcionam como uma espécie de alerta, conhecidas como red flags (ou bandeiras vermelhas). Dentre elas, destacam-se: 

  • Histórico do paciente: neoplasias, trauma, idade avançada (>50 anos tem risco aumentado de neoplasias e >70 anos tem risco aumentado de fraturas), perda ponderal, imunodeficiência, osteoporose;
  • História medicamentosa: corticoterapia crônica, uso de imunossupressores, uso de drogas ilícitas endovenosas;
  • Sinais e sintomas: febre alta (>38ºC), piora da dor no repouso ou à noite, anestesia em sela, fraqueza nos membros inferiores, disfunção urinária ou fecal, distúrbios de marcha, sudorese noturna, piora progressiva da dor, má resposta aos analgésicos, dor lombar com características inflamatórias.
  • Nota: Essa avaliação é especialmente útil para a indicação de exames de imagem no contexto de uma lombalgia aguda.

A seguir, devemos avaliar fatores de risco para a progressão para lombalgia crônica, conhecidos como yellow flags (ou bandeiras amarelas). Vocês irão perceber que a grande maioria desses fatores estão associados ao desenvolvimento de fenômenos nociplásticos. Destacam-se:

  • Fatores genéticos;
  • Sexo feminino;
  • Hábitos sedentários, tabagismo, obesidade;
  • Fatores psicossociais (suporte social ruim, ansiedade, depressão, catastrofização);
  • Mecanismos de coping (enfrentamento) inadequados (p.e., cinesiofobia – devido ao medo de sentir dor);
  • Fatores relacionados a lesões traumáticas (p.e., acidente de carro, estresse);
  • Riscos ocupacionais (p.e., trabalhos manuais pesados, insatisfação com o trabalho, ambiente de trabalho hostil);
  • Ganhos secundários;
  • Grande comprometimento funcional (p.e., dor intensa no início do quadro, grande limitação funcional, uso de opioides.

Concomitantemente a essas análises, podemos tentar identificar na história pistas que sugiram algum diagnóstico específico. Muitas vezes, isso é mais facilmente realizado em pacientes com dor neuropática, na qual é possível topografar o nível da lesão. Nesse ponto, vou resumir algumas características que podem sugerir determinadas lesões, de acordo com a anatomia da coluna lombar e pelve:

Dor mecânica

  • Dor discogênica: mais frequentemente em pacientes idosos, porém mais jovens que aqueles com síndrome facetária ou dor nas sacroilíacas. Início tende a ser insidioso (exceto nos casos de ruptura aguda do ânulo fibroso, geralmente associada a hérnia discal), com piora da dor à flexão da coluna lombar. Dor pode irradiar para os membros inferiores, mas não há comprometimento neurológico. No exame físico, podemos identificar espasmo paravertebral intenso, o que limita o arco de movimento e dificulta na realização da flexão da lombar;
  • Síndrome facetária: normalmente associada à osteoartrite das articulações facetárias, que pode evoluir com espondilolistese degenerativa. É mais frequente em idoso, com evolução insidiosa. Pode haver um predomínio da dor à extensão da coluna lombar (aumenta a tensão sobre as facetas articulares), com limitação do arco de movimento (incluindo rotações). Da mesma forma que a dor facetária, não há sintomas neurológicos, a menos que haja síndrome de estenose de canal associada;
  • Dor miofascial: dor geralmente súbita (após episódios de movimentos abruptos, como tosse, espirro, alguma atividade física pontual), mas pode ter evolução insidiosa. Ao exame físico, podemos identificar espasmo muscular, defesa, edema e eventualmente atrofia. Na fase aguda, o arco de movimento está reduzido de maneira antálgica. Não há alterações neurológicas;
  • Corpo vertebral: geralmente relacionado a fraturas. Deve ser sempre suspeitada em pacientes idosos, usuários crônicos de corticoide ou com histórico de trauma. Até ⅔ dos pacientes com fraturas vertebrais osteoporóticas podem ser assintomáticos ou oligossintomáticos; desse modo, deve-se ter um baixo limiar para solicitação de radiografias nesse contexto;
  • Sacroilíacas: nesse caso, o pico de incidência é bimodal. Em jovens, pode-se dever a espondiloartrites, à gestação ou trauma relacionado a práticas esportivas (geralmente com carga axial e rotação abrupta); já em idosos, predomina um componente degenerativo das articulações.

Dor radicular

  • Hérnia discal: o pico de incidência ocorre dos 30 aos 50 anos (ao contrário do que muitos acreditam, é uma doença de adultos de meia-idade). Pode estar relacionada a trauma e levantamento de peso. Normalmente tem início agudo, intensamente sintomático, que pode progredir com dor crônica. Uma característica clínica que chama a atenção para o diagnóstico é a presença de lombociatalgia, com características neuropáticas. Na história clínica, é possível identificar o dermátomo acometido, o que permite a localização da topografia da compressão radicular associada. No exame físico, o teste da elevação passiva do membro inferior estendido é positivo (sinal de Lasègue) e podemos identificar uma síndrome de neurônio motor inferior no nível da compressão. Vale destacar que a perda funcional pode ser resultante tanto da compressão radicular quanto de mecanismos antálgico. É importante avaliar se existem sinais de mielopatia compressiva associada (síndrome de neurônio motor superior abaixo da compressão, alterações esfincterianas, nível sensitivo) ou síndrome de cauda equina (anestesia em sela).
  • Síndrome de estenose de canal: insidiosa, com predomínio em pacientes idosos. Resulta do acúmulo de alterações degenerativas da coluna lombar (abaulamentos discais, hipertrofia facetária, hipertrofia do ligamento amarelo). As queixas mais típicas são de claudicação neurogênica, na qual os sintomas pioram com a deambulação, porém só se resolvem com movimentos de flexão da coluna (canal vertebral se amplia dessa forma – sinal conhecido como shopping cart sign). Ao contrário da claudicação intermitente de origem vascular, a simples interrupção da caminhada não melhora os sintomas; além disso, os sintomas são piores ao descer aclives (paciente realiza extensão forçada da coluna, reduzindo o canal vertebral).

Exames de imagem

Diversos guidelines afirmam que os exames de imagem não devem ser solicitados de rotina em pacientes com lombalgia. Os motivos para isso são a alta prevalência da queixa na população, a alta prevalência de alterações estruturais em pacientes assintomáticos e a baixa correlação entre achados de imagem e queixas clínicas.

Nos casos de lombalgia aguda, a realização de exames de imagem está indicada nos casos com red flags (vide acima), incluindo déficit neurológico progressivo. A radiografia de coluna lombar geralmente é suficiente em boa parte dos casos, mas a ressonância magnética (RM) apresenta alta sensibilidade para detecção de anormalidades neurológicas que possam necessitar de intervenção. Caso o paciente apresente alguma contraindicação à RM, a tomografia computadorizada pode ser utilizada com boa sensibilidade.

Na lombalgia crônica, a realização de exames de imagem devem ser discutidos caso a caso, especialmente naqueles em que possam modificar condutas (p.e., encaminhamento para cirurgia).

Tratamento

Como destacado acima, diversos fatores psicossociais e econômicos possuem impacto relevante na gênese da lombalgia. Desse modo, além do controle adequado da dor e manutenção da função, a abordagem dessas questões é fundamental no tratamento do paciente com lombalgia aguda e crônica.

Tratamento não-farmacológico: é a pedra angular no tratamento da lombalgia crônica. Deve-se evitar o repouso prolongado de pacientes com lombalgia. Os períodos de repouso na cama devem durar, no máximo, 48 horas. A partir desse momento, o paciente deve ser estimulado a realizar suas atividades cotidianas tão logo seja possível, sem, no entanto, sobrecarregar demais a coluna lombar, levando ao aumento da dor e da disfunção. Diversas estratégias podem ser associadas ao programa de reabilitação do paciente, porém todas com evidências limitadas: massagem, acupuntura, yoga, tai chi, exercícios com movimentos controlados, manipulações vertebrais, entre outros. Terapia cognitivo-comportamental pode ser indicada em pacientes com yellow flags (vide acima).

Tratamento farmacológico: inicialmente, os guidelines da American College of Physicians recomendam o uso de analgésicos, AINEs ou relaxantes musculares como tratamento de primeira linha da lombalgia, especialmente nos casos agudos e subagudos. Em caso de falha, orientam o uso de tramadol ou duloxetina. Já os guidelines do NICE recomendam que os opioides sejam evitados na lombalgia aguda e que eles estão contraindicados na lombalgia crônica. Apesar de frequentemente utilizados e recomendados por diversos guidelines no tratamento da dor neuropática, revisões sistemáticas recentes não encontraram fortes evidências para o uso de gabapentinoides no tratamento da lombalgia crônica com ou sem radiculopatia associada; o mesmo é válido para os antidepressivos tricíclicos. Dessa forma esses 2 últimos grupos de medicamentos deve ser indicado de maneira individual.

Procedimentos não cirúrgicos: 

    • Injeção epidural de corticoides: resultados controversos. Revisão sistemática da Cochrane evidenciou apenas um benefício pequeno e transitório na melhora da dor e função de pacientes com radiculopatia. A maioria dos guidelines não a recomenda para dor lombar baixa sem radiculopatia. Maior evidência para via transforaminal, evitar corticoides particulados (p.e., metilprednisolona) pelo risco de paralisia e morte em alguns casos (essa recomendação não é consensual entre os diferentes guidelines). Os resultados com hérnia discal são melhores do que com estenose de canal;
    • Infiltração de articulação sacroilíaca: faltam estudos de alta qualidade metodológica;
    • Bloqueio e ablação facetária: esse procedimento deve ser realizado em 2 etapas, segundo os guidelines do NICE. Inicialmente, deve-se promover o bloqueio das facetas articulares utilizando corticoide e anestésico local, através de radioscopia. Caso o paciente apresente melhora importante da dor, pode-se proceder com a radioablação dos ramos mediais das raízes dorsais em 2 níveis consecutivos, responsáveis pela inervação das facetas articulares. Apesar dessa recomendação, ainda faltam evidências de alta qualidade metodológica para esse tipo de procedimento. Em resumo, devem ser reservados para casos refratários de dor comprovadamente de origem facetária;
    • Radioablação nervosa das sacroilíacas: resultados controversos na literatura, provavelmente melhor benefício para dor sacroilíaca extra-articular. Consiste na ablação de ramos laterais das raízes de L5 a S3;
    • Estimulação da medula espinhal: geralmente indicada para pacientes com dor neuropática refratária, com histórico de cirurgia de coluna e predomínio da dor em membros inferiores (quando comparados com a coluna em si). Pode se associar com redução das doses de opioide, porém faltam estudos com boa qualidade metodológica.

Tratamento cirúrgico da lombalgia

Diversas abordagens cirúrgicas podem ser utilizadas no tratamento da lombalgia (conforme a suspeita clínica), porém sua descrição detalhada foge ao escopo desse tema. Apesar do crescente interesse por diferentes tratamentos cirúrgicos, muitos deles parecem não modificar as taxas de disfunção causada pela lombalgia. Desse modo, as condutas cirúrgicas devem ser avaliadas individualmente. Vale relembrar que muitos casos de lombalgia podem apresentar componentes importantes de dor nociplástica, o que pode limitar o benefício das intervenções cirúrgicas e gerar insatisfação do paciente.

Referências bibliográficas:

 

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