Manejo da hipertensão intracraniana

A hipertensão intracraniana (HIC) é uma complicação potencialmente devastadora de inúmeras lesões neurológicas. Saiba mais no Portal PEBMED.

A hipertensão intracraniana (HIC) é uma complicação potencialmente devastadora de inúmeras lesões neurológicas, como: traumas, tumores do sistema nervoso central (SNC), acidentes vasculares, entre outras.  

Ela é classicamente definida quando a pressão intracraniana (PIC) > 20 mmHg e considerado o gatilho para o tratamento. Diretrizes recentes mudaram esse limite para 22 mmHg, essa modificação é pequena, porém o mais importante, é o médico estar atento à manutenção de uma PIC elevada (>5 minutos) e não de um valor único/isolado. 

O manejo bem-sucedido desta condição requer reconhecimento imediato do quadro, o uso criterioso de monitorização invasiva e terapia direcionada tanto para reduzir a PIC quanto para reverter sua causa subjacente.¹

Saiba mais: Neurointensivismo: como usar a ultrassonografia no manejo da hipertensão intracraniana

hipertensão intracraniana

Fisiologia 

Um ponto-chave da fisiopatologia da PIC é a compreensão da doutrina de Monro-Kellie, esta descreve que o volume do crânio é constante e preenchido por três componentes (sangue (10%), parênquima cerebral (80%) e líquor (10%)). Caso ocorra a inserção de um novo componente ou aumento de um dos três causará a redução do volume de um outro. Quando essa capacidade de acomodação volumétrica das estruturas intracranianas for ultrapassada ocorrerá aumento da PIC.1 

Nesse sentido, um dos principais problemas do aumento da PIC é a redução da pressão de perfusão cerebral (PPC) e consequente redução do fluxo sanguíneo cerebral (FSC). Isso ocorre porque há uma relação entre PIC e PPC, mediada pela pressão arterial média (PAM). Qualquer situação que leve ao aumento da PIC causará prejuízo na perfusão cerebral.² 

HIC = PIC > 22 mmHg (> 5 minutos) PPC = PAM – PIC 

Independente da causa da redução da PPC, o sistema nervoso num primeiro momento, possui a capacidade de compensar essa redução, mantendo um FSC constante por mecanismos de autorregulação, para evitar hipofluxo cerebral. A PPC normal é de aproximadamente 80 mmHg, uma queda para níveis próximos de 50 mmHg já indicam sinais de isquemia e atividade elétrica reduzida.2 

Resumindo, o aumento da PIC pode levar à lesão cerebral por dois mecanismos básicos: (1) diminuição da PPC e do FSC gerando isquemia e necrose tecidual; e (2) complicações como hérnias cerebrais.2 

Manifestações clínicas 

Os sintomas gerais da hipertensão intracraniana são: 

  • Cefaleia; 
  • Rebaixamento do nível de consciência; 
  • Papiledema; 
  • Vômitos. 

Outros sinais que podem estar presentes são: paralisia VI par craniano (estrabismo divergente), hematoma periorbital espontâneo e a tríade de Cushing (bradicardia, depressão respiratória e hipertensão).3 

Uma consequência grave e potencialmente fatal que ocorre devido ao aumento da pressão intracraniana são as hérnias cerebrais, algumas de suas localizações anatômicas mais comuns são:1 

  • Hérnia uncal: Piora progressiva do nível de consciência, midríase ipsilateral, hemiplegia contralateral; 
  • Hérnia transtentorial central: Coma, perda progressiva dos reflexos de tronco, posturas anormais; 
  • Hérnia tonsilar: coma, tetraplegia e parada respiratória. 

O uso de neuroimagem pode apoiar o diagnóstico, no entanto, o método mais confiável para diagnosticar a hipertensão intracraniana é medi-la diretamente.1 

Monitorização da PIC 

A monitorização da PIC é fundamental para o cálculo da PPC. A maioria das terapias direcionadas à redução da PIC são eficazes por períodos de tempo limitados e variáveis, a terapêutica sem dados objetivos e confiáveis podem levar a condutas errôneas com efeitos colaterais graves. Uma meta inicial importante no manejo é a inserção de um dispositivo de monitorização.4 

METAS : PPC 60-70 mmHg e PIC < 22 mmHg 

Indicações 

A monitorização está associada a um pequeno risco de complicações graves, incluindo infecção do sistema nervoso central (SNC) e hemorragia intracraniana, é razoável tentar limitar seu uso a pacientes com maior risco de PIC elevada.  

Embora a tomografia computadorizada (TC) possa sugerir hipertensão intracraniana com base na presença de lesões de massa, desvio da linha média ou apagamento das cisternas, os pacientes sem esses achados na TC inicial podem ter a PIC elevada.1 

No traumatismo cranioencefálico (TCE), as diretrizes recomendam a monitorização de PIC em pacientes com TCE grave que estejam em coma após a reanimação inicial (Escala de coma de Glasgow de 3–8) com: (1) anormalidades na tomografia computadorizada de crânio; ou (2) cumprir pelo menos dois dos três critérios seguintes: 

  • Idade> 40 anos;  
  • Pressão arterial sistólica < 90 mmHg;
  • Postura anormal. 

Nos casos de Escala de coma de Glasgow 9–12 e tomografia computadorizada anormal, por exemplo: Lesão com efeito de massa (contusão temporal > 1 cm de espessura, hemorragia intracraniana > 3 cm), cisternas comprometidas e desvio de linha média > 5 mm, também é indicado a monitorização.  

As indicações para a monitorização não estão bem estabelecidas no coma não traumático, mas deve ser considerado quando existir suspeita clínica de hipertensão intracraniana.4 

Tipos de monitores 

Existem quatro locais anatômicos principais usados na medição clínica de PIC: intraventricular, intraparenquimatosa, subaracnoide e epidural. 

A monitorização não invasiva da PIC também é estudada, mas o valor clínico desses métodos ainda requer evidências maiores. Cada técnica tem vantagens e desvantagens associadas. 

Monitorização 

Vantagens 

Desvantagens 

Intraventricular 
  • “padrão ouro”,  
  • precisão  
  • permite tratamento por meio da drenagem de Líquor 
  • Infecção,  
  • Hemorragia durante inserção,  
  • Dificuldade técnica em um paciente com ventrículo pequeno. 
Intraparenquimatosa 
  • facilidade de inserção 
  • menor risco de infecção e hemorragia 
  • Monitorização mesmo em ventrículos pequenos 
  • Incapacidade de drenar o líquor para fins diagnósticos ou terapêuticos 
  • Perda de precisão
  • Sangramento 

Subaracnoidea 

  • baixo risco de infecção e hemorragia 
  • Obstrução 
  • Falta de precisão (raramente utilizados) 

Epidural 

  • manejo de pacientes com coagulopatias. 
  • risco significativamente menor de hemorragia intracerebral 
  • Imprecisos 

Manejo da hipertensão intracraniana

A melhor terapia para hipertensão intracraniana (HIC) é a resolução da causa subjacente. Os exemplos incluem a drenagem de um coágulo sanguíneo, a ressecção de um tumor, a drenagem do líquido cefalorraquidiano (LCR) em caso de hidrocefalia ou o tratamento de um distúrbio metabólico subjacente.1 

Independentemente da causa, a hipertensão intracraniana é uma emergência médica e o tratamento deve ser realizado o mais rapidamente possível. Além da terapia definitiva, existem abordagens clínicas que podem ser empregadas para reduzir agudamente a PIC. Algumas dessas são geralmente aplicáveis a todos os pacientes com suspeita, outras (particularmente os glicocorticoides) são reservados para causas específicas de HIC.4 Vamos rever essas metas por níveis. 

Nível 0. 1,5: 

  • Patência das vias aéreas e ventilação; 
  • Ressuscitação clínica/hemodinâmica; PPC 60 a 70 mmHg em adultos para prevenir a isquemia cerebral; 
  • Cabeceira deve ser elevada acima de 30 graus; 
  • Cabeça na linha média para facilitar a drenagem venosa cerebral; 
  • Neurocheck; 
  • Estímulos como aspiração traqueal, que podem elevar a PIC, devem ser minimizados; 
  • Evitar hipertermia; (mensurar temperatura central); 
  • Apenas fluidos iso ou hiperosmóticos devem ser usados como soluções intravenosas; 
  • Corrigir alterações hidroeletrolíticas, principalmente sódio; 
  • A terapia com altas doses de corticosteroides é iniciada para edema vasogênico resultante de tumores cerebrais, abscessos ou doenças neuroinflamatórias não infecciosas; 
  • Tomografia computadorizada de crânio sem contraste deve ser realizada quando o paciente puder ser transportado com segurança. 

 Nível 1. 1,4,5: 

  • Para elevações agudas na PIC, terapia hiperosmolar com manitol ou solução salina hipertônica (SSH); 
  • O manitol é administrado em bólus endovenoso de 0,5-1 g/kg, através de uma linha intravenosa periférica e pode ser repetido a cada 4-6 horas, se a osmolalidade sérica for monitorada; nenhum benefício terapêutico com osmolalidade > 320 mOsm/kg; 
  • A SSH pode ser administrada como um bólus sozinho ou em adição ao manitol. Devem ser administradas através de um cateter venoso central. Ao administrar SSH, a concentração sérica alvo de sódio deve ser determinada e o seu nível sérico deve ser checado a cada 4-6 horas; 
  • Quando a hidrocefalia obstrutiva aguda está presente, conforme determinado pela neuroimagem, um sistema de drenagem ventricular externa (DVE) deve ser colocado emergencialmente. Se um sistema DVE já estiver em uso, drene 5 a 10 mL de LCR para elevações agudas na PIC; 
  • Como uma medida temporária, um curso breve (< 2 horas) de hiperventilação para uma PaCO2 de 30-35 mmHg pode ser considerado, enquanto aguarda o tratamento definitivo (utilizar capnografia); 
  • Se a PIC não for controlada e/ou os sinais clínicos de hérnia não forem resolvidos com intervenções de nível 1, considerar opções cirúrgicas descompressivas; 
  • Se a cirurgia não for apropriada ou não for realizada, vá para o nível 2. Se a PIC for controlada com intervenções de nível 1, considere repetir a tomografia computadorizada de crânio para descartar novos processos. 

 Nível 2. 1,4,5: 

  • Se a terapia hiperosmolar tiver sido administrada, as metas séricas de sódio devem ser aumentadas, embora seja improvável que níveis de sódio > 160 milimol/L forneçam benefício adicional; 
  • Otimizar analgesia e sedação. Se possível, dê preferência pelo propofol, que permite um bom nível de sedação e reavaliação neurológica devido à curta meia-vida. Ela pode levar a instabilidade circulatória, que deve ser corrigida com fluidos endovenosos e/ou vasopressores para manter as metas de PPC; 
  • Se necessário, alguns pacientes podem necessitar de bloqueio neuromuscular, mas por curtos períodos de tempo.  
  • Se o PIC não responder às intervenções do nível 2, a craniectomia descompressiva deve ser considerada. Se o paciente não for elegível para a cirurgia, o nível 3 deve ser empregado. 

Nível 3. 1,4,5: 

  • Essas recomendações são definidas por consensos;  
  • Este nível inclui a administração de pentobarbital (bólus 5-15 mg/kg ao longo de 30 minutos até 2 horas, infusão de manutenção de 1-4 mg/kg/hora). Alguns pacientes podem não tolerar o pentobarbital nessas doses devido à hipotensão, assim, vasopressores arteriais podem ser necessários; 
  • O eletroencefalograma (EEG) deve ser continuamente monitorado; surto-supressão indica efeito máximo dos barbitúricos. 
  • A infusão de pentobarbital deve ser mantido pelo menos até 24 horas após o controle da PIC e retirado de forma gradual nas 24 horas seguintes. Seu valor ainda é controverso na literatura. 
  • A hipotermia moderada (temperatura central alvo 32-34 °C) está associada a uma redução previsível da PIC. Pode ser induzida com dispositivos externos de resfriamento ou com infusão intravenosa de fluidos resfriados. A melhor forma de indução não está definida, nem qual a melhor temperatura central a ser atingida e por quanto tempo.

Leia também: Cirurgia bariátrica para o tratamento da hipertensão intracraniana idiopática (HII)?

Conclusão 

A hipertensão intracraniana é uma emergência médica. O primeiro passo é reconhecer o paciente, o segundo é tratá-lo o mais rápido possível. As metas são claras: PPC 60-70 mmHg e manter PIC < 22 mmHg. Como vimos, há diversas abordagens que podem ser utilizadas para o manejo de uma paciente com HIC aguda, do posicionamento correto e cabeceira elevada, a terapia hiperosmolar, o controle hemodinâmico, a sedação e analgesia até craniectomia descompressiva, mas sempre individualizando a terapêutica. Sem dúvidas, a melhor maneira de controlar a PIC é reverter a causa subjacente. 

Veja abaixo um algoritmo resumindo os principais pontos:

hipertensão intracraniana

Referências bibliográficas:

  • RATCLIFF, J. J. et al. Emergency Neurological Life Support. V4.0: Intracranial Hypertension and Herniation. Neurocritical Care Society, 2019
  • MARCOLINI, E.; STRETZ, C.; DEWITT, K. M. Intracranial Hemorrhage and Intracranial Hypertension. Emergency Medicine Clinics of North America, v. 37, n. 3, p. 529-544, 2019.
  • FREEMAN, W. D. Management of Intracranial Pressure. Continuum (Minneap Minn), v. 21, n. 5, p. 1299-1323, 2015. 
  • ROBBA, C.; CITERIO, G. How I manage intracranial hypertension. Critical Care.v. 23, n. 1, p. 243, 2019.
  • ROBINSON, J. D. Management of Refractory Intracranial Pressure. Critical Care Nursing Clinics of North America, v. 28, n. 1, p. 67-75, 2016. 

 

 

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